quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Houve quem reparasse



Eu não reparei, até porque nem ouvi. Passei parte da manhã a tentar responder a lápis às múltiplas perguntas postas pelos múltiplos livros do 7º ano do meu neto Bruno, maneira prática de lhe facilitar o ensino, que nem sequer lhe deixa tempo para brincar. As aulas acabam tarde, lancha e não lancha, os pais chegam para o vir buscar, os livros são autênticas máquinas de criar doutores aos treze anos, que é a idade com que ele frequenta o seu sétimo ano de dificuldades, cada manual composto do livro maior mais um ou dois de exercícios, para cada uma das oito ou nove disciplinas que maravilhosamente lhe desbravam a curiosidade e a inteligência e lhe carregam as costas, dentro da sua mochila, costas que não tardarão a deformar-se, a continuar com este peso e sem tempo para brincar e correr, como eu fiz pelas mesmas alturas da vida. Eles mal sabem as tabuadas, mas têm que calcular com a calculadora as distâncias entre a Terra e as estrelas, em anos-luz, e as teorias geocêntrica e heliocêntrica, e as eras e os períodos da formação da Terra, mais as placas tectónicas que explicam os fundos oceânicos ou os movimentos que da Pangeia e da Pantalassa originaram os continentes e os oceanos que foi um ver se te avias de modificações que se deram neste planeta azul. Felizmente que não estávamos cá, mas os arqueólogos, ao encontrarem os fósseis em diferentes continentes, nos mesmos estratos rochosos, concluíram essa coisa da Pangeia que se separou como as peças de um puzzle embora de muitos milhões de anos a esta parte da estabilidade aparente. Também a hominização nos levou milhões de séculos atrás, e tudo isso recheado de imagens esclarecedoras, e de perguntas para desenvolver o nosso cérebro, que tão pequeno era quando tudo começou, no tempo do homo habilis.
Foi por isso que não ouvi da “indicação” feita por Cavaco Silva de um novo primeiro ministro de Portugal e isto soa bem, Portugal é uma palavra bonita em qualquer parte do mundo, com a sua origem em Portus Cale, segundo aprendi outrora, mas provavelmente o étimo será outro agora, tantas são as surpresas que nos colhem ao longo da vida nesta questão dos estudos, embora julgue que ainda não vem como matéria da história do sétimo ano, conquanto ainda lá não tenhamos chegado, o Bruno e eu, enredados nos sarcófagos das margens do Nilo.
Só por volta da uma hora, pois, é que ouvi alguém julgo que do bloco de esquerda, ou talvez do PC, protestar contra a palavra “indicação” em vez de “indigitação” do primeiro ministro António Costa, feita pelo presidente Cavaco Silva, que continua teimosamente a não reconhecer que o PS tenha ganho as eleições, e assim mostra com estas altivas desconsiderações antiprotocolares, a sua indignação de homem habituado a outras matemáticas, mais baseadas nas simples operações aritméticas, descobertas em função das necessidades de urbanização, quando a aldeia virou cidade nas margens do Nilo, do rio Amarelo, do Indo e dos da Mesopotâmia, Tigre e Eufrates.
Grande Cavaco Silva, autêntica pangeia nos seus princípios básicos, que a modernidade tectónica da nossa crosta alegremente subverteu.

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