A nossa amiga desbobinou. Tinha visto um programa com
a Alexandra Solnado que já vai no 14º livro das suas comunicações com Jesus.
- Além disso tem palestras. Fazem-lhe perguntas e ela
responde. Fala com Ele e Ele dá-lhe ordens e ela cumpre. Ensina as pessoas,
transmite-lhes o que Ele diz. Não conta tudo. Uma portuguesa. Jesus não
escolheu outra.
A nossa amiga estava lançada nas suas observações
escarninhas, eu ainda quis focar o caso de Fátima e o da batalha de
Ourique, para confirmar que somos
predestinados, mas não deu tempo.
- A lata da gaja! Sabe o que vai acontecer. Ah! Que
cómico! Tenho a impressão de que a maioria acredita. Estou convencida de que
vende os livros todos.
A minha irmã não deixou escapar, irada, nos seus
pruridos de perfeição estética. E ética:
- É uma pretensiosa que ganha dinheiro. Ainda por cima
é tão feia! Que pavor!
Receosa de que esses pactos da Alexandra com Cristo
pudessem exercer, à distância, algum
castigo sobre a nossa insensibilidade, ainda para mais num momento em que ando
fragilizada, para esconjurar o Mal, lembrei-me de Cesário Verde quando, nas
suas «Contrariedades» falou na Engomadeira,
com uma postura muito mais generosa do que a da minha irmã sobre a fealdade da nossa psicóloga vidente:
«A pobre engomadeira ir-se-á deitar sem ceia?
Vejo-lhe luz no quarto. Inda trabalha. É feia...
Que mundo! Coitadinha!»
Vejo-lhe luz no quarto. Inda trabalha. É feia...
Que mundo! Coitadinha!»
Até achei que não se me daria uma intervenção dessas,
de Jesus, por intermédio da Alexandra Solnado, lembrada do caso do nosso
Fernando Pessoa que também cumpria instruções de Além, fosse embora de outra
dimensão menos dos nossos hábitos: «Emissário de um Rei desconhecido / Eu
cumpro informes instruções de além», mas há muitos mais casos desses viajantes do
espírito, para tratamento das nossas dores, devemos agradecer…
A minha irmã lembrou ainda, a propósito da fealdade e
atraso do nosso povo, o programa de Vasco Palmeirim – «O País real» -
que entrevista pessoas a quem faz perguntas, muito simpático, mas que a mim me
faz virar de canal, envergonhada e revoltada com a deselegância intencional de
destruir a imagem do país, que tem muitas outras realidades menos grosseiras.
- Mas como é que se mostra um país com esse atraso
de vida? – corroborou a nossa amiga, também renitente ao programa insensato
que faz ver todas essas misérias.
A minha irmã responde que adora passear e gosta de ver
as diferentes paisagens e as terras que o programa revela, e de caminho
apreende esses casos que se nos colam à pele, como uma crosta indelével.
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