domingo, 10 de abril de 2016

Não bate a bota com a perdigota



Um artigo de Rui Tavares que me parece bem justo - Um crime e um erro - mas ingénuo, as ideologias democráticas  não extensivas a Angola nem a Moçambique, onde inevitavelmente só um regime presidencialista poderia imperar em povos não preparados para estabelecerem igualdade de direitos entre os seus naturais, nessa África onde as dissensões tribalistas continuariam, de certo modo, a prevalecer, ultrapassado o interregno das colonizações. A África, berço dos hominídeos que se foram espalhando pelos diversos continentes - os quais nestes foram evoluindo, em civilizações favorecidas por uma racionalidade evolutiva que originou progresso - retomada a independência de cada povo, escolhera naturalmente retomar a ideologia primitiva do tribalismo, no seu regime presidencialista que expressa bem o carácter ditatorial desse regime. É certo que as relações pacíficas com os povos da chefia mundial são fundamentais, mas o estado das suas economias, provenientes das riquezas do solo ou do desenvolvimento das indústrias, possibilita aos chefes supremos a arrogância dos seus comportamentos de chefia. É por isso que a José Eduardo dos Santos não importam nem o crime nem o erro, empoleirado que está no mundo vistoso do seu «mando, posso e tudo quero para mim» .

Um crime e um erro
Público, 30/03/2016
Quando Napoleão mandou matar um opositor, houve um deputado francês seu aliado que se lembrou de dizer: “pior do que ser um crime foi ter sido um erro”.
Não faltam em Angola, como sabemos, políticos ou juristas suficientemente cínicos para branquear os crimes do regime inventando supostos crimes para os opositores. O que aparentemente falta ao regime angolano é quem tenha o realismo do deputado bonapartista e reconheça o erro estratégico que foi condenar à prisão os dezassete jovens dissidentes que estavam em tribunal acusados de conspirar para preparar um golpe de estado para depor o presidente José Eduardo dos Santos.
O regime angolano não tem tempos fáceis à frente: o petróleo continua baixo, a paciência da população não é infinita, apareceu uma nova geração de opositores determinados e há uma sucessão de Eduardo dos Santos para preparar. Mas acabou de piorar significativamente o que aí vem.
Muito dependia até agora da imagem externa do regime angolano ia tentando compor, alegando que em Angola havia uma democracia com problemas, sim, e de um estado de direito em construção após os muitos anos de guerra. Essa possibilidade de disfarce acabou. Ao não conseguir provar o crime de que tinha acusado os dezassete ativistas pró-democracia e ao inventar novos crimes (de “rebelião” e “associação de malfeitores”) para os condenar a duras penas e longas penas de prisão, ficou feita a prova definitiva de que o estado de direito em Angola é uma ficção na qual os tribunais não têm coragem ou condições para se comportarem de forma independente e autónoma e — pior — que o regime treme de medo perante destes jovens.
De caminho, o regime apontou também o caminho para a estratégia futura dos seus opositores. Ficou provado que não é possível contar com o sistema de justiça em Angola a não ser como palco de uma batalha política. Os dissidentes devem agora recorrer para o Supremo, como os seus advogados já anunciaram, e depois para o Constitucional angolano, mas fazem-no a partir de um patamar de superioridade moral que se tornou evidente para todo o mundo.
Por isso mesmo, a partir daqui a estratégia dos jovens só pode passar por uma internacionalização ainda mais vigorosa da sua luta. O caso de Luaty Beirão e dos seus companheiros poderia por exemplo subir ao Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos, de que Angola é signatária, sob o argumento de que o sistema judiciário do país foi ineficaz para proteger os direitos dos seus cidadãos. Não deixaria de ser importante que a sociedade civil de um país lusófono desse um contributo para a construção de uma esfera de direitos humanos numa escala pan-africana.
Mas acima de tudo será através das opiniões públicas de outros países, a começar por Portugal, que o isolamento ao regime se pode fazer. Será cada vez mais difícil ao poder de José Eduardo dos Santos subsistir se perder totalmente a credibilidade externa que ainda lhe ia restando.
Foi esse o buraco em que o poder político de Angola se meteu. Não só pelo crime de inventar razões para meter democratas na cadeia, como pelo erro de o fazer de forma tão escancarada.

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