Um artigo de Rui Tavares que
me parece bem justo - Um crime e um erro - mas ingénuo, as ideologias democráticas não extensivas a Angola nem a Moçambique, onde
inevitavelmente só um regime presidencialista poderia imperar em povos não
preparados para estabelecerem igualdade de direitos entre os seus naturais,
nessa África onde as dissensões tribalistas continuariam, de certo modo, a
prevalecer, ultrapassado o interregno das colonizações. A África, berço dos hominídeos
que se foram espalhando pelos diversos continentes - os quais nestes foram
evoluindo, em civilizações favorecidas por uma racionalidade evolutiva que originou
progresso - retomada a independência de cada povo, escolhera naturalmente retomar
a ideologia primitiva do tribalismo, no seu regime presidencialista que expressa
bem o carácter ditatorial desse regime. É certo que as relações pacíficas com
os povos da chefia mundial são fundamentais, mas o estado das suas economias,
provenientes das riquezas do solo ou do desenvolvimento das indústrias,
possibilita aos chefes supremos a arrogância dos seus comportamentos de chefia.
É por isso que a José Eduardo dos Santos não importam nem o crime nem o erro,
empoleirado que está no mundo vistoso do seu «mando, posso e tudo quero para
mim» .
Um
crime e um erro
Quando Napoleão mandou matar um opositor, houve um
deputado francês seu aliado que se lembrou de dizer: “pior do que ser um crime
foi ter sido um erro”.
Não faltam em Angola, como sabemos, políticos ou
juristas suficientemente cínicos para branquear os crimes do regime inventando
supostos crimes para os opositores. O que aparentemente falta ao regime
angolano é quem tenha o realismo do deputado bonapartista e reconheça o erro
estratégico que foi condenar à prisão os dezassete jovens dissidentes que
estavam em tribunal acusados de conspirar para preparar um golpe de estado para
depor o presidente José Eduardo dos Santos.
O regime angolano não tem tempos fáceis à frente: o
petróleo continua baixo, a paciência da população não é infinita, apareceu uma
nova geração de opositores determinados e há uma sucessão de Eduardo dos Santos
para preparar. Mas acabou de piorar significativamente o que aí vem.
Muito dependia até agora da imagem externa do regime
angolano ia tentando compor, alegando que em Angola havia uma democracia com
problemas, sim, e de um estado de direito em construção após os muitos anos de
guerra. Essa possibilidade de disfarce acabou. Ao não conseguir provar o crime
de que tinha acusado os dezassete ativistas pró-democracia e ao inventar novos
crimes (de “rebelião” e “associação de malfeitores”) para os condenar a duras
penas e longas penas de prisão, ficou feita a prova definitiva de que o estado
de direito em Angola é uma ficção na qual os tribunais não têm coragem ou
condições para se comportarem de forma independente e autónoma e — pior — que o
regime treme de medo perante destes jovens.
De caminho, o regime apontou também o caminho para a
estratégia futura dos seus opositores. Ficou provado que não é possível contar
com o sistema de justiça em Angola a não ser como palco de uma batalha
política. Os dissidentes devem agora recorrer para o Supremo, como os seus
advogados já anunciaram, e depois para o Constitucional angolano, mas fazem-no
a partir de um patamar de superioridade moral que se tornou evidente para todo
o mundo.
Por isso mesmo, a partir daqui a estratégia dos jovens
só pode passar por uma internacionalização ainda mais vigorosa da sua luta. O
caso de Luaty Beirão e dos seus companheiros poderia por exemplo subir ao
Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos, de que Angola é signatária,
sob o argumento de que o sistema judiciário do país foi ineficaz para proteger
os direitos dos seus cidadãos. Não deixaria de ser importante que a sociedade
civil de um país lusófono desse um contributo para a construção de uma esfera
de direitos humanos numa escala pan-africana.
Mas acima de tudo será através das opiniões públicas
de outros países, a começar por Portugal, que o isolamento ao regime se pode
fazer. Será cada vez mais difícil ao poder de José Eduardo dos Santos subsistir
se perder totalmente a credibilidade externa que ainda lhe ia restando.
Foi esse o buraco em que o poder político de Angola se
meteu. Não só pelo crime de inventar razões para meter democratas na cadeia,
como pelo erro de o fazer de forma tão escancarada.
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