sábado, 30 de abril de 2016

Uma revista valiosa



Retomo a E de 16 de Abril, tantos são os textos de interesse que apresenta, desde esse da alucinante descoberta de planetas como a Terra e estrelas como o Sol que a “nova geração de telescópios” possibilita, e a conclusão de que vivem entre nós microrganismos que nos podem fornecer pistas sobre a vida extraterrestre e tudo relativizam em termos de importância. Felizmente que o sentido de humor não nos falta e deliciamo-nos com os “socos” de Clara Ferreira Alves e do Comendador Marques Correia a respeito das bofetadas de João Soares para logo, sensatamente, meditarmos e nos assustarmos com as verdades de Ana Cristina Leonardo sobre a mesma questão em «O MUNDO VIRTUAL E O OUTRO» com em epígrafe «Isto anda tudo ligado», cujo final transcrevo:
 «A violência física repugna-nos, apesar de a consumirmos em doses industriais, e em jejum se for preciso. Os odiosos castigos corporais às crianças foram devidamente proibidos, embora não saibamos que nome dar ao crescente e trágico consumo de metilfenidato pelos infantes.  Os direitos das mulheres nunca terão conhecido melhores dias (descontado talvez o tempo das Amazonas iranianas), mas há quem os invoque para reclamar para si o uso do véu integral na via pública. A liberdade de expressão diz-se sagrada, mas a Turquia acaba de pedir à Alemanha que processe um humorista alemão, por este ter insultado “Erdogan” num canal de televisão germânico… e a Alemanha vai pensar (Lenny Bruce, se fosse hoje voltavas a ter problemas) Segundo a Organização Mundial de Saúde, em 2020/30, a depressão será a doença mais difundida na Terra. Até 2020 os robôs farão desaparecer 5,1 milhões de postos de trabalho. No meio disto, que está tudo ligado, houve um ministro que se sentiu alvo de ataques ad hominem e ripostou com bofetadas virtuais. Caiu o Carmo e a Trindade… e o ministro.»
Felizmente que, entre pratos deliciosos e vinhos regeneradores, a E também nos redime dos murros com a magnífica entrevista de Ricardo Marques a ROGER CROWLEY - «As Antigas Civilizações estão a erguer-se» - «O historiador inglês escreve sobre um pequeno e pobre país que atravessa meio planeta à procura de riqueza e, ao fazê-lo, muda a história do mundo».
Transcrevo algumas frases que nos podem fazer subir o nível da auto-estima, em baixa sucedânea  ao borburinho das bofetadas do nosso João:
…«O que os portugueses fizeram  foi acabar com o isolamento da Europa. Colombo descobriu terras que eram, entre aspas, desconhecidas. Mas os portugueses encontraram um mundo antigo, muito culto. A Europa estava isolada do resto do mundo por uma barreira islâmica, o Império Otomano.
… «Quando olhamos cinco séculos para trás, o que mais me impressiona é que foi a viagem de Vasco da Gama a dar início ao domínio europeu do mundo. Nesses cinco séculos, toda a gente seguiu os modelos do Ocidente. Mas agora creio que chegámos a um ponto de viragem. As antigas civilizações estão a reerguer-se, e tudo isso está apenas no início. Os chineses dizem que a Europa é um museu. Mas ainda não sentimos isso. … «Repare. Os chineses estão a abrir uma universidade nova por semana» … «Era um império poderoso … todos os barcos de Vasco da Gama cabiam num junco japonês – mas não queria nada. Queriam mostrar que não precisavam de nada. Os portugueses chegam com um objectivo determinado, sabiam o que queriam e levaram os canhões de bronze. É o início do domínio europeu. Um pequeno país que controla uma parte do mundo sofisticada e velha. Como é que o fazem? A concorrência entre os países europeus é muito importante. Os portugueses partem porque se sentem ameaçados por Castela e estão excluídos dos negócios no centro da Europa. Não têm nada a perder É algo que admiro nos portugueses: estavam prontos para ir a qualquer lado e não voltar.» … Há imenso material digitalizado na Torre do Tombo e acessível online…»
«Nada foi descoberto. Aquelas pessoas estavam ali há mais de três mil anos. É uma visão eurocêntrica do mundo, que está a começar a acabar. Somos uma minúscula parte do mundo. Podemos criticar Portugal pelo que fez de errado, como as rotas de escravos no Atlântico e a disseminação de doenças, mas é legítimo sentirem-se orgulhosos do risco, da iniciativa, da inteligência. Como é que se domina um oceano como o Índico em dez anos? Há ali uma dimensão medieval, mas também há muito de conhecimento, de observação científica.»
Muitas outras notícias e informações são fornecidas pela E de 16/4, incluindo a entrevista a uma artista (escultora) britânica – Penélope Curtis – que está em Portugal a dirigir o Museu Gulbenkian nas suas colecções de Arte, entrevista reveladora de uma bonita mulher inteligente. E entre outras referências a livros e a filmes, retiro a informação sobre o «OBRA COMPLETA DE ALBERTO CAEIRO», com o excelente comentário de Luís M. Faria sobre a sofisticação em volta de um pretenso iletrado “pastor de rebanhos”, numa falsa biografia, em que os rebanhos são “os meus pensamentos”, o que retira a modéstia do título e da informação académica. Daí que, como comprovação da intelectualidade na simplicidade, transcreva o poema XXVIII de «O Guardador de Rebanhos» (In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed. 1993), como homenagem a um heterónimo, parte de um todo ortónimo de uma dimensão tal que não nos faz desejar mudar de planeta, no deslumbramento por este nosso, que tais gentes mostrou ao mundo. Como outros mais povos, é claro. Mas este é nosso. Assim como o Gama, e também a “pequena casa lusitana” que “De África tem magníficos assentos/ É na Ásia mais que todas soberana/ Na quarta parte nova os campos ara, / E se mais mundo houvera lá chegara” (Lus., VII, 14).

O poema XXVIII de Alberto Caeiro:
  Quem me dera que eu fosse o pó da estrada
E que os pés dos pobres me estivessem pisando...
Quem me dera que eu fosse os rios que correm
E que as lavadeiras estivessem à minha beira...
Quem me dera que eu fosse os choupos à margem do rio
E tivesse só o céu por cima e a água por baixo...
Quem me dera que eu fosse o burro do moleiro
E que ele me batesse e me estimasse...
Antes isso que ser o que atravessa a vida
Olhando para trás de si e tendo pena... 1914

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