Retomo a E de 16 de Abril, tantos são os textos de interesse que
apresenta, desde esse da alucinante descoberta de planetas como a Terra e
estrelas como o Sol que a “nova geração de telescópios” possibilita, e a
conclusão de que vivem entre nós microrganismos que nos podem fornecer pistas
sobre a vida extraterrestre e tudo relativizam em termos de importância. Felizmente
que o sentido de humor não nos falta e deliciamo-nos com os “socos” de Clara
Ferreira Alves e do Comendador Marques Correia a respeito das
bofetadas de João Soares para logo, sensatamente, meditarmos e nos assustarmos com
as verdades de Ana Cristina Leonardo sobre a mesma questão em «O MUNDO
VIRTUAL E O OUTRO» com em epígrafe «Isto anda tudo ligado», cujo final
transcrevo:
«A violência física repugna-nos, apesar de a
consumirmos em doses industriais, e em jejum se for preciso. Os odiosos
castigos corporais às crianças foram devidamente proibidos, embora não saibamos
que nome dar ao crescente e trágico consumo de metilfenidato pelos
infantes. Os direitos das mulheres nunca
terão conhecido melhores dias (descontado talvez o tempo das Amazonas
iranianas), mas há quem os invoque para reclamar para si o uso do véu integral
na via pública. A liberdade de expressão diz-se sagrada, mas a Turquia acaba de
pedir à Alemanha que processe um humorista alemão, por este ter insultado “Erdogan”
num canal de televisão germânico… e a Alemanha vai pensar (Lenny Bruce, se
fosse hoje voltavas a ter problemas) Segundo a Organização Mundial de Saúde, em
2020/30, a depressão será a doença mais difundida na Terra. Até 2020 os robôs
farão desaparecer 5,1 milhões de postos de trabalho. No meio disto, que está
tudo ligado, houve um ministro que se sentiu alvo de ataques ad hominem e ripostou com
bofetadas virtuais. Caiu o Carmo e a Trindade… e o ministro.»
Felizmente que, entre pratos deliciosos e vinhos
regeneradores, a E também nos
redime dos murros com a magnífica entrevista de Ricardo Marques a ROGER CROWLEY - «As
Antigas Civilizações estão a erguer-se» - «O historiador inglês escreve sobre
um pequeno e pobre país que atravessa meio planeta à procura de riqueza e, ao
fazê-lo, muda a história do mundo».
Transcrevo algumas frases que nos podem fazer subir o nível da auto-estima, em baixa sucedânea ao borburinho das bofetadas do nosso
João:
…«O que os portugueses fizeram foi acabar com o isolamento da Europa.
Colombo descobriu terras que eram, entre aspas, desconhecidas. Mas os portugueses
encontraram um mundo antigo, muito culto. A Europa estava isolada do resto do mundo
por uma barreira islâmica, o Império Otomano.
… «Quando olhamos cinco séculos para trás, o que mais
me impressiona é que foi a viagem de Vasco da Gama a dar início ao domínio
europeu do mundo. Nesses cinco séculos, toda a gente seguiu os modelos do
Ocidente. Mas agora creio que chegámos a um ponto de viragem. As antigas
civilizações estão a reerguer-se, e tudo isso está apenas no início. Os
chineses dizem que a Europa é um museu. Mas ainda não sentimos isso. …
«Repare. Os chineses estão a abrir uma universidade nova por semana» … «Era um
império poderoso … todos os barcos de Vasco da Gama cabiam num junco japonês –
mas não queria nada. Queriam mostrar que não precisavam de nada. Os portugueses
chegam com um objectivo determinado, sabiam o que queriam e levaram os canhões
de bronze. É o início do domínio europeu. Um pequeno país que controla
uma parte do mundo sofisticada e velha. Como é que o fazem? A concorrência
entre os países europeus é muito importante. Os portugueses partem porque se
sentem ameaçados por Castela e estão excluídos dos negócios no centro da
Europa. Não têm nada a perder É algo que admiro nos portugueses: estavam prontos
para ir a qualquer lado e não voltar.» … Há imenso material digitalizado na
Torre do Tombo e acessível online…»
«Nada foi descoberto. Aquelas pessoas estavam ali há
mais de três mil anos. É uma visão eurocêntrica do mundo, que está a começar
a acabar. Somos uma minúscula parte do mundo. Podemos criticar Portugal
pelo que fez de errado, como as rotas de escravos no Atlântico e a disseminação
de doenças, mas é legítimo sentirem-se orgulhosos do risco, da iniciativa, da
inteligência. Como é que se domina um oceano como o Índico em dez anos? Há ali
uma dimensão medieval, mas também há muito de conhecimento, de observação
científica.»
Muitas outras notícias e informações são fornecidas
pela E de 16/4, incluindo a entrevista a uma artista (escultora)
britânica – Penélope Curtis – que está em Portugal a dirigir o Museu
Gulbenkian nas suas colecções de Arte, entrevista reveladora de uma bonita
mulher inteligente. E entre outras referências a livros e a filmes, retiro a
informação sobre o «OBRA COMPLETA DE ALBERTO CAEIRO», com o excelente
comentário de Luís M. Faria sobre a sofisticação em volta de um pretenso
iletrado “pastor de rebanhos”, numa falsa biografia, em que os rebanhos são “os
meus pensamentos”, o que retira a modéstia do título e da informação académica. Daí que, como comprovação
da intelectualidade na simplicidade, transcreva o poema XXVIII de «O Guardador de Rebanhos» (In
Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed.
1993), como homenagem a um heterónimo,
parte de um todo ortónimo de uma dimensão tal que não nos faz desejar mudar de
planeta, no deslumbramento por este nosso, que tais gentes mostrou ao mundo. Como
outros mais povos, é claro. Mas este é nosso. Assim como o Gama, e também a “pequena
casa lusitana” que “De África tem magníficos assentos/ É na Ásia mais
que todas soberana/ Na quarta parte nova os campos ara, / E se mais mundo
houvera lá chegara” (Lus., VII, 14).
Quem me dera que eu fosse o pó da estrada
E que os pés dos
pobres me estivessem pisando...
Quem me dera que eu
fosse os rios que correm
E que as lavadeiras
estivessem à minha beira...
Quem me dera que eu
fosse os choupos à margem do rio
E tivesse só o céu
por cima e a água por baixo...
Quem me dera que eu
fosse o burro do moleiro
E que ele me batesse
e me estimasse...
Antes isso que ser o
que atravessa a vida
Olhando para trás de
si e tendo pena... 1914
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