O retrato mantém-se, não
subtil mas directo, segundo o esquema, não sei se real, do “elementar, meu caro
Watson”, sem interpretações abusivas que retirem a clarividência da análise
ou desfaçam o desequilíbrio da tese, há
muito assumida. Só que acrescida, em cada crónica, de mais um ou outro sinal “diacrítico”
que lhe altera o tom ou o formato. Desta vez trata-se da estapafúrdia
atribuição, por Costa e seus camaradas acompanhantes, de malévolas intenções
aviltantes, aos vários países europeus e até talvez do resto da Terra, contra
“nosotros” humildes, o que só vem reforçar o nosso complexo - não, todavia, o de
Édipo ou de Electra, que são de luxos senhoriais esses da psicanálise encartada,
não condizentes com a nossa natureza modesta,
que se limita ao de inferioridade, sem nome próprio a distingui-lo. É certo
que, como reacção preconceituosa contra esses sentimentos humilhantes, já
antigos e com razões para o serem, sempre lembrámos heroicidades passadas de que,
aliás, os camaradas do Dr. Costa e muitos outros anteriores a esses sempre
troçaram, como farroncas desprezíveis de aparência indignamente patriótica. Mas
os outros povos europeus e talvez do resto da Terra realmente o que devem ter é
inveja de nós, que temos bom sol às vezes, e bons enchidos, e por isso nos querem reduzidos à
indigna miséria, o que nem é democrático nem bem aceite pelo nosso Costa,
amante do requinte. Julgo que o anterior ministro Passos Coelho não imaginava
que fosse esse o motivo das exigências europeias contra nós, atribuindo-o, como
se sabe, a uma imposição moral de saldar as dívidas, que Passos desejou cumprir
e Costa não vê como, porque nós, o povo, acima de quaisquer pruridos da alma,
temos os direitos do corpo, de ser bem
tratado.
Daí as leis benignas que já
decretou, de parceria com os seus apoiantes, e os sustos que causa à direita,
com os optimismos manobradores dessa política que aparenta ser desastrosa, pelo
menos para o sociólogo Alberto Gonçalves.
E aqui vamos nós, tendo, para
mais, que ser embalados, nesses arraiais de patranhas idealistas, pela
ponderação inteligente das virtuosas sórores do BE, que Alberto Gonçalves com
tanta iracúndia desfaz. Assim vamos reflectindo. E agoirando.
A prosperidade é um estado de
espírito
Alberto Gonçalves, Sociólogo
DN, 24/4/16
Por
motivos que escapam ao comum mortal mas não ao olhar presciente do dr. Costa, a
"Europa" naturalmente deseja que os portugueses vivam na mais abjecta
miséria. E quem diz a "Europa" diz a Comissão Europeia, o FMI, a
Alemanha, Pedro Passos Coelho, o senhor da confeitaria aqui ao lado e toda a
súcia de comentadores ao serviço do imperialismo neoliberal. Alimentada por
pura maldade, essa gente dá-se a uma impensável trabalheira apenas para
subjugar-nos, humilhar-nos e forçar-nos a remunerações incompatíveis com as
escaladas dos combustíveis que o governo, para nosso privilégio, decreta a cada
semana. Por sorte, e ao contrário de anteriores governantes que conviviam - e
colaboravam - impecavelmente com isso, o dr. Costa "não aceita" viver
num "país de pobreza". E se o dr. Costa não aceita, postura com
credibilidade acrescida por ter sido assumida em patuscada do PS com cantilenas
de Carlos Alberto Moniz, não se imagina qual a legitimidade de uns burocratas
em Bruxelas para contrariá-lo. Que se saiba, não lhes devemos nada.
Fica
então decidido que isto da penúria depende totalmente da vontade dos titulares
do poder. Se estes forem mesquinhos, o povo anda de mão estendida. Se forem
socialistas, para cúmulo sob a vibrante orientação de dois partidos comunistas,
o povo nem sabe o que fazer ao dinheiro. Ou sabe?
Por
muito que me custe dizê-lo, há uma ligeiríssima mácula no impecável raciocínio
do dr. Costa. Devo lembrar que a referida discórdia com a CE prende-se com a
subida do salário mínimo, que em Janeiro trepou vertiginosamente dos 505 para
os 530 euros. Embora possa ser impressão minha, mal habituado devido a tantos
fins-de-semana em iates ao largo de Capri, julgo que um acréscimo de 25 euros
não é susceptível de transformar os cidadãos em outdoors da abundância. Para
benesses assim, era preferível estar quieto, nos salários, nos aumentos de
produtos básicos ou acessórios e nos impostos em que o dr. Costa já jurou não
bulir (garantia de que teremos agravamento à porta). Se a ideia é resgatar a
populaça da tirania dos rendimentos pelintras, porque não se arremessa o
salário mínimo para valores de, por exemplo, 1200 euros? Ou 3000? Ou 5347 e não
se volta a falar nisso?
Não
me venham dizer que é por causa do alegado impacto no desemprego, e sobretudo
no desemprego de longa duração e dos pouco qualificados. Montantes à parte,
semelhante patranha é justamente o "argumento" da CE, depressa
ridicularizado pelas pensadoras à disposição do BE. Se metade das gémeas
Mortágua demonstrou cientificamente a inexistência de relação entre o salário
mínimo e o emprego, o caso declara-se encerrado. Os tratantes às ordens do
grande capital tentaram impingir-nos a tese absurda de que convém ao salário
mínimo, ou exactamente aos aumentos do salário mínimo, estar dependente da
produtividade, da inflação e de palermices do género. Azar deles: saiu-lhes
pela frente o fruto de uma educação às mãos do prof. Boaventura, o competente
sr. Jerónimo, o engraçado "ministro" Centeno e, claro, o dr. Costa,
"príncipe da política" segundo um dos diversos militantes do PSD que
fazem campanha pelo PS.
Arrasado
o estratagema dos déspotas, resta ao governo perder os últimos vestígios de
timidez, cortar de vez as amarras da opressão e vincular os ordenados dos
portugueses ao único critério realmente relevante: o parecer da maioria de esquerda.
Parece-me excelente. O tempo novo é o tempo de elevar Portugal aos padrões de
vida das nações admiráveis e admiradas pelo séquito do dr. Costa, tipo
Venezuela e Cuba, onde os salários mínimos rondam, se bem me recordo, os 10 000
euros mensais. Ou se calhar os 10 euros, que para economistas de gabarito os
zeros à direita não pesam. O que hoje pesa imenso, pelo menos a avaliar pela
espectacular situação caseira, são os zeros à esquerda. Força, Portugal, e o
último a sair que apague a luz - se o dr. Costa não a cortar primeiro, como o
inspirador Maduro de Caracas.
Sexta-feira, 22 de Abril
Passar cartão
Não
é o PCP que tem lampejos de lucidez: é o Bloco de Esquerda que vive em estado
de alucinação perpétua. O episódio do "cartão de cidadania", que os comunistas
dissimulados queriam impor e os comunistas assumidos vetaram, é apenas um
exemplo. E nem sequer um exemplo original: por todo o Ocidente e arredores há
"comissões", "observatórios" e centros de ócio similares
empenhados na erradicação da discriminação de género através do massacre da
gramática. Os primitivos, que pronunciavam "chuva" e aguardavam o
aguaceiro, acreditavam que a linguagem determinava a realidade. O BE, sem
hesitações ou subtilezas, também acredita, e é preciso um partido que acredita
na democracia norte-coreana para moderar-lhes a toleima.
Ocasionalmente,
critica-se os nossos humoristas por pouparem o BE à sátira. É possível que não
se trate de uma questão ideológica, mas do simples facto de o BE constituir uma
anedota em si mesmo. Eu próprio iniciei este texto decidido a aliviar-me de
duas ou três graçolas alusivas e desisti entretanto. Cada frase, atitude ou
proposta do BE já é uma graçola perfeita e involuntariamente (?) elaborada. E a
melhor de todas é a circunstância de tamanha homenagem ao delírio ver-se hoje
representada sobretudo por senhoras. Se a ideia é combater o enxovalho e a
subalternização das mulheres, não seria mal pensado começar-se por aí.
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