Quando comecei a trabalhar, no Liceu de Aveiro, e mais
adiante no Liceu António Enes, em Lourenço Marques, percebi logo que, como professora
eventual, ganhava menos do que outros professores mais velhos,
o que, aliás, considerava justo, não só devido à diferença de idades, que não
me habilitava a uma experiência de ensino merecedora de tal equiparação, que fui
gradualmente obtendo, como porque, para colmatar as exigências que a vida me
pedia fui dando explicações paralelas, que me enriqueceram, é certo, mais
culturalmente do que economicamente.
Os trambolhões da vida fizeram-me regressar à reduzida
pátria, sempre em lutas pela sobrevivência, mas lembro-me de que o vencimento
que subitamente esticou, por alturas de uns empréstimos europeus, nunca chegou,
efectivamente, a inflação, os encargos, subindo à medida que cresciam os
filhos, a própria incapacidade de viver em função do futuro, aforrando para a
velhice, todos esses factores e outros mais não me permitiram senão aspirar a
algo utópico, que me deixasse satisfazer as minhas ânsias de enriquecer.
Ainda hoje permaneço na utopia. Mas, olhando em redor,
sou informada mediaticamente dos vencimentos milionários, escandalosos, de
figuras públicas, que também os emails da Internet denunciam e, se fico
revoltada pelo obsceno de tais afrontas a um equilíbrio social, por outro lado
congratulo-me pelo bem-estar desses tais que pairam, naturalmente, noutras
esferas de aparente superioridade. À minha volta, contudo, nada de extraordinário
observo, os filhos cumprindo dentro das normas, com as dificuldades próprias que
foram também as minhas, embora desejasse para eles mais.
Mas os desastres sucessivos de uma governação chamada
a gerir em muitas frentes, confrontada com o espectro súbito de uma ambição
desmedida surgida sobretudo com um dinheiro de empréstimo favorecedor de
trafulhice, alterou por completo os esquemas tradicionais de uma sociedade habituada
a cumprir sem grandes tropelias, embora com as distinções sociais que o
dinheiro gera.
Contudo, paulatinamente, a sociedade virou caótica. E
este artigo de Pedro Santos Guerreiro, saído no Expresso de 2 de Abril, mostra
bem o fosso entre as gerações mais jovens e as mais antigas que parece estarem
a usurpar os direitos daquelas. É certo que ele parte dos “grandes”, de uma
Ongoing insolvente que prejudica milhares de jovens, tais como outras empresas
e o próprio Estado que retiram aos jovens a possibilidade de sobreviverem no
seu país.
É, de facto, penoso. Porque todo este descalabro, que
faz acentuar os ódios, fazendo que este país esteja nas vanguardas da criminologia
familiar, resultou de uma perda de princípios causada por uma liberdade
ilimitada, associada ao desinteresse pelo estudo, nas escolas, a ponto de a “Geração”
que Pedro Guerreiro chama de “Espontânea”
já ter sido apelidada de “Rasca”, o que era, apesar de tudo, mais
positivo, pois traduzia alguma coisa.
Mas não acho que seja uma coisa nem outra, pois
recordo muitas competências entre os jovens – e já adultos - que actuam no
nosso país, e que tão bem têm sobressaído em esferas várias das suas
competências.
O que é condenável, sim, é essa Ongoing que apresenta
falência, esses offshores que contribuem para a falência do país, esses Bancos
que também contribuem, naturalmente por guardarem nos offshores os dinheiros
que não são deles e que portanto extorquiram sem vergonha e impunemente aos seus
depositantes, e por isso também faliram, sem que as consciências os obriguem a
ir buscar aos offshores os dinheiros que não lhes pertencem para os entregaram
aos donos que eles roubaram educadamente, pois gente fina é outra coisa. O que
é condenável são esses contínuos negócios inescrupulosos, esse acentuar de
desrespeito pela pessoa humana, que a ambição desmedida de repente fez explodir,
criando o caos. E cortando as pernas aos nossos filhos.
Geração Espontânea
Pedro Santos Guerreiro
Expresso, 2/4/16
Comecemos pelos grandes que agiram como pequenos para
falarmos dos pequenos que têm tudo contra para serem grandes. A Ongoing, esses
grandes ______ (preencha a seu gosto, se faz favor), está insolvente e,
soube-se esta semana, deixou um rasto de mais de €1,2 mil milhões de dívidas
por pagar. Só à banca deixou mais de mil milhões. Agora imagine quantos
projetos poderiam ter sido feitos com mil milhões de crédito. Quantas empresas
e quantos empregos teriam sido criados em vez de destruídos. E quando chegar às
páginas desta edição sobre a “geração atraiçoada”, pense na raiva que se sente
ou da desistência que se pressente. É uma realidade gritante que não grita. É
um estranho silêncio numa sociedade rachada.
Os dados que o INE estudou a pedido do Expresso, que
cruzam rendimentos com idades de quem os tem (ou não tem), mostram mais do que
desigualdade, provam dilaceração. O rendimento dos jovens está a cair há vinte
anos em relação aos dos mais velhos, agravando o fosso geracional, sublimando
meio país parado e sem estrada para andar.
É um drama geracional, este de ter uma economia com
menos novos empregos e novos empregos com menores salários. Na mesma empresa,
duas pessoas que fazem o mesmo podem receber remuneração diferenciada. Não é o
trabalho que as diferencia, é a altura em que começaram a trabalhar. Na mesma
economia, duas pessoas que trabalharão o mesmo número de anos com salário
idêntico receberão uma pensão díspar. E isto atesta que um modelo económico
degenerou num modelo social. Nesse modelo, os mais novos, que já não são assim
tão novos, enfrentam um empobrecimento endémico. Ou emigram: nunca tantos o
fizeram, como também mostram dados revelados nesta edição. O fenómeno é
paralelo ao dos anos 60/70, mas com a diferença de que agora quem sai já não
pensa em voltar depressa, talvez nunca.
É difícil perceber como este não é um tema de todos os
dias. Ou talvez seja fácil, se intuirmos que esta geração não tem sindicato que
os represente ou grupo de interesse entre os grupos de interesse que os
defenda. A rigidez da economia, a brutalidade de impostos, o peso das dívidas
mas também o silêncio de quem está protegido permitem que a desproporção se
cristalize. As Ongoings são parte dos que destroem na passada e constroem um
passado no tempo que deveria ser preenchido com futuro. A esperança começa pela
possibilidade e a possibilidade pela exigência. O futuro é dos __________ (preencha
sem desgosto, se faz favor).
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