Comecei a leccionar num tempo
em que os estágios eram fechados à maioria dos professores, só dois professores
– os melhores nos exames para estagiários – entravam na efectividade
anualmente. Segue-se que a maioria dos professores eram eventuais, ou, em
África, também contratados, o que vinculava estes à sua escola,
sem terem que concorrer todos os anos, como os primeiros. O 25 de Abril abriu
as portas à efectividade, com a multiplicação dos estágios, e esse foi o meu
caso, e posteriormente o da minha filha, de uma nora e de tantos colegas, ao
longo dos meus anos de docência. Não assim outra nora minha, mais jovem, com os
predicados todos para a efectividade e que há dezoito ou dezanove anos espera
para entrar no quadro, todos os anos tendo que concorrer, pesem embora as suas
competências, de estágio, mestrado e um excelente nível no ensino do francês, tendo
nascido e feito parte do seu percurso escolar em França. Creio que se encaixa
no quadro traçado pelos professores autores do artigo que segue – «Contratados
e contratados ad aeternum…» - Filinto
Lima e Stéphanie Monteiro da Silva
- que explicita uma situação de repente semelhante à de outrora no nosso
país – de um ensino elitista, que mal respeitava os formados, anualmente obrigados
a concorrer ao ensino, os dois meses de
férias grandes sendo-lhes sonegados, tanto em termos de reforma como em termos
de vencimento – meses excelentes para o Estado arrecadar nos seus cofres o
dinheiro dos milhares de professores repentinamente desvinculados, que bem
fariam entrando em hibernação, para ultrapassarem esse pesadelo de riscados da
vida, numa espécie de nihilismo impotente, estilo “Tabacaria”,
«Sempre uma coisa
defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.»
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.»
Contratados
e contratados ad aeternum…
Filinto Lima e
Stéphanie Monteiro da Silva
Público, 31/03/2016
A docência é vista como
uma profissão propensa a um intenso desgaste, se atendermos ao cansaço quer
físico, quer psicológico que gera. Esta evidência suscita repensar e
reorganizar as funções atribuídas a docentes com 60 e mais anos de idade. Estes
profissionais largamente experientes e habilitados poderiam permitir corrigir
algumas insuficiências desempenhando ou ministrando demais funções, sempre em
prol do Projeto Educativo da Escola.
A média de idades dos professores é cada vez superior,
em virtude do aumento da idade para a reforma e escassos os contratados que
ingressam na carreira, motivado pela ausência de abertura de vagas. O
equilíbrio etário na classe docente é elemento significativo na simbiose
pretendida entre a experiência e a jovialidade que deve coexistir numa
instituição educativa.
Em 2015, vincularam 1471 professores contratados,
beneficiando da chamada “norma-travão”, uma espécie de roda da sorte,
bafejadora de felizes contemplados, reunindo 3 requisitos, a saber,
que estes tivessem lecionado nos últimos 5 anos (e porque não 3?) com
contratos anuais, sucessivos e completos.
Autêntica lotaria!
Estes 3 parâmetros injustificáveis revelaram-se
extremamente injustos e inaceitáveis, pois descartaram professores detentores
de mais tempo de serviço (10 anos, 20 e até mais de 30 anos) e melhor
habilitados (com mestrados e doutoramentos), foram preteridos em favor de seus
pares com 5 anos completos de serviço, no último quinquénio.
É de estranhar a inércia de alguns sindicatos,
bastante lestos e expeditos em abolir a Bolsa de Contratação de Escola (BCE),
em benefício total da lista graduada nacional, com um papel de quase meros
espetadores, aceitando implicitamente critérios diferentes para a mesma
realidade. Por um lado,
defendem a prevalência imperial da lista graduada nacional para o concurso
interno de professores, sendo o tempo de serviço fator preponderante. Todavia, no
concurso de contratados, desprezam o fundamento que tanto estimam, aceitando
normas arbitrárias, em que o tempo de serviço é irrelevante. Onde estão a
coerência e o fundamento deste raciocínio?
Tratou-se de uma vinculação redutora e abusiva, que
desprezou professores mais experientes, muito habilitados e mais bem
preparados. Afinal quer ou não o sistema educativa nacional os melhores
professores?
Por outro lado, impõe-se ponderar se é legítimo aceitar
que professores provenientes do ensino particular e cooperativo (colégios com
contratos de associação…) concorram em igualdade com os que prestaram serviço
no ensino público. Fará sentido equipará-los? Não se estará a cometer outra
injustiça?
Paralelamente, enterrada que foi a BCE, urge acionar
um debate em torno dos critérios de contratação de professores pelas escolas.
Tentemos perceber se a par da lista graduada nacional – tanto do agrado dos
sindicatos, julgando-a mais lícita - poderá associar outra, que permita
selecionar os melhores professores para as escolas, tendo em conta o
desenvolvimento/execução do Projeto Educativo, atendendo às suas
especificidades, com critérios aprovados em Conselho Pedagógico e validados
pelo Conselho Geral.
O ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues,
pôs fim à BCE, honra lhe seja feita. Contudo, espera-se igualmente
firmeza e determinação na promoção da discussão desta temática, não tendo
receio de melindrar alguns interesses corporativistas que em nada abonam a Educação,
nem os autoproclamados defensores da Escola Pública. Paulatinamente, devem ser
dados passos importantes na busca de maior harmonia e consenso, sem prejudicar
as legítimas expetativas dos profissionais em contraponto com as reais
necessidades do aluno, afinal o mais importante na Educação.
Se durante este ano letivo pouco ou nada se poderá
fazer, haverá certamente tempo suficiente para pensar no próximo concurso de
professores, matéria sempre muito sensível, dado que afeta prontamente a vida
das pessoas e das escolas, sem desprezar a possibilidade destas poderem
escolher uma franja de professores, atendendo à autonomia que teima em não
passar do papel.
Professora/investigadora do Centro de Estudos,
Comunicação e Cultura da Universidade Católica Portuguesa;
Professor/director
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