quinta-feira, 7 de abril de 2016

Docência, um tema para meditar



Comecei a leccionar num tempo em que os estágios eram fechados à maioria dos professores, só dois professores – os melhores nos exames para estagiários – entravam na efectividade anualmente. Segue-se que a maioria dos professores eram eventuais, ou, em África, também contratados, o que vinculava estes à sua escola, sem terem que concorrer todos os anos, como os primeiros. O 25 de Abril abriu as portas à efectividade, com a multiplicação dos estágios, e esse foi o meu caso, e posteriormente o da minha filha, de uma nora e de tantos colegas, ao longo dos meus anos de docência. Não assim outra nora minha, mais jovem, com os predicados todos para a efectividade e que há dezoito ou dezanove anos espera para entrar no quadro, todos os anos tendo que concorrer, pesem embora as suas competências, de estágio, mestrado e um excelente nível no ensino do francês, tendo nascido e feito parte do seu percurso escolar em França. Creio que se encaixa no quadro traçado pelos professores autores do artigo que segue – «Contratados e contratados ad aeternum…» - Filinto Lima e Stéphanie Monteiro da Silva  - que explicita uma situação de repente semelhante à de outrora no nosso país – de um ensino elitista, que mal respeitava os formados, anualmente obrigados a concorrer  ao ensino, os dois meses de férias grandes sendo-lhes sonegados, tanto em termos de reforma como em termos de vencimento – meses excelentes para o Estado arrecadar nos seus cofres o dinheiro dos milhares de professores repentinamente desvinculados, que bem fariam entrando em hibernação, para ultrapassarem esse pesadelo de riscados da vida, numa espécie de nihilismo  impotente, estilo “Tabacaria”,
«Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.»

Contratados e contratados ad aeternum
Filinto Lima e Stéphanie Monteiro da Silva
Público, 31/03/2016
A docência é vista como uma profissão propensa a um intenso desgaste, se atendermos ao cansaço quer físico, quer psicológico que gera. Esta evidência suscita repensar e reorganizar as funções atribuídas a docentes com 60 e mais anos de idade. Estes profissionais largamente experientes e habilitados poderiam permitir corrigir algumas insuficiências desempenhando ou ministrando demais funções, sempre em prol do Projeto Educativo da Escola.
A média de idades dos professores é cada vez superior, em virtude do aumento da idade para a reforma e escassos os contratados que ingressam na carreira, motivado pela ausência de abertura de vagas. O equilíbrio etário na classe docente é elemento significativo na simbiose pretendida entre a experiência e a jovialidade que deve coexistir numa instituição educativa.
Em 2015, vincularam 1471 professores contratados, beneficiando da chamada “norma-travão”, uma espécie de roda da sorte, bafejadora de felizes contemplados, reunindo 3 requisitos, a saber, que estes tivessem lecionado nos últimos 5 anos (e porque não 3?) com contratos anuais, sucessivos e completos.
Autêntica lotaria!
Estes 3 parâmetros injustificáveis revelaram-se extremamente injustos e inaceitáveis, pois descartaram professores detentores de mais tempo de serviço (10 anos, 20 e até mais de 30 anos) e melhor habilitados (com mestrados e doutoramentos), foram preteridos em favor de seus pares com 5 anos completos de serviço, no último quinquénio.
É de estranhar a inércia de alguns sindicatos, bastante lestos e expeditos em abolir a Bolsa de Contratação de Escola (BCE), em benefício total da lista graduada nacional, com um papel de quase meros espetadores, aceitando implicitamente critérios diferentes para a mesma realidade. Por um lado, defendem a prevalência imperial da lista graduada nacional para o concurso interno de professores, sendo o tempo de serviço fator preponderante. Todavia, no concurso de contratados, desprezam o fundamento que tanto estimam, aceitando normas arbitrárias, em que o tempo de serviço é irrelevante. Onde estão a coerência e o fundamento deste raciocínio?
Tratou-se de uma vinculação redutora e abusiva, que desprezou professores mais experientes, muito habilitados e mais bem preparados. Afinal quer ou não o sistema educativa nacional os melhores professores?
Por outro lado, impõe-se ponderar se é legítimo aceitar que professores provenientes do ensino particular e cooperativo (colégios com contratos de associação…) concorram em igualdade com os que prestaram serviço no ensino público. Fará sentido equipará-los? Não se estará a cometer outra injustiça?
Paralelamente, enterrada que foi a BCE, urge acionar um debate em torno dos critérios de contratação de professores pelas escolas. Tentemos perceber se a par da lista graduada nacional – tanto do agrado dos sindicatos, julgando-a mais lícita - poderá associar outra, que permita selecionar os melhores professores para as escolas, tendo em conta o desenvolvimento/execução do Projeto Educativo, atendendo às suas especificidades, com critérios aprovados em Conselho Pedagógico e validados pelo Conselho Geral.
O ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, pôs fim à BCE, honra lhe seja feita. Contudo, espera-se igualmente firmeza e determinação na promoção da discussão desta temática, não tendo receio de melindrar alguns interesses corporativistas que em nada abonam a Educação, nem os autoproclamados defensores da Escola Pública. Paulatinamente, devem ser dados passos importantes na busca de maior harmonia e consenso, sem prejudicar as legítimas expetativas dos profissionais em contraponto com as reais necessidades do aluno, afinal o mais importante na Educação.
Se durante este ano letivo pouco ou nada se poderá fazer, haverá certamente tempo suficiente para pensar no próximo concurso de professores, matéria sempre muito sensível, dado que afeta prontamente a vida das pessoas e das escolas, sem desprezar a possibilidade destas poderem escolher uma franja de professores, atendendo à autonomia que teima em não passar do papel.

Professora/investigadora do Centro de Estudos, Comunicação e Cultura da Universidade Católica Portuguesa;
Professor/director

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