Mais uma crónica de Alberto Gonçalves, copo de água
fresca em dia de canícula. Sobretudo porque, sem poder para alterar nada do que
vai surgindo, nos puséramos à beira da estrada, como o demais rebanho, a ver a
nova banda passar, na esperança de que os estragos anunciados pela banda anterior
talvez não chegassem a concretizar-se. Entretanto, novos convénios se
preparavam, desta vez pelos dessa banda anterior contra o ex-chefe isolado no
seu mundo de rancores e certezas, que ainda esperava poder um dia vir a remendar
os rasgões que se anunciam, mas já posto em causa na sua - julgo que aparente – passividade, as
insídias contra ele vindas dos do bando dele, dos que já falam em depô-lo, cozinhando
entre si esquemas de destituição, o «todos por um» dos mosqueteiros coesos afogado
nas traições da genérica ambição dos não escuteiros, novos zeladores
oferecendo-se para a substituição, pois, rebentada que está a pátria, o seu
governo a todos apetece e as insídias tanto as encontramos à direita como à
esquerda, ambição e traição de mãos dadas sempre, em qualquer parte e partido.
Mas a frase da nossa indignação vai longa, e retomo a
escrita de uma indignação que não esmorece, a de Alberto Gonçalves, não
amansada pela esperança que lhe é prometida, como a nossa da brandura e da
confiança ignorante. Alberto Gonçalves continua a satirizar António Costa tal como
Marcelo, de mãos dadas, associando-os no ridículo ou perverso de uma actuação oca
e de fantochada, como essa da reposição de feriados pelo primeiro, que, sem
pejo revela a ignorância dessa pátria que muito apetece e não ama, ignorando-lhe
a história, mas ansiando-lhe os proventos, embora empenhados.
Outros temas explora Alberto Gonçalves, o do
terrorismo islamita suspenso sobre o nosso país, o das incongruências retóricas
das representantes de uma esquerda que papagueia falsas noções de direiteza que
não passam de requebros artísticos. Saloios.
Uma conspiração de
estúpidos
Alberto Gonçalves
DN, 3/4/16
Quando
não assiste a partidas de futebol ao lado do excelentíssimo Presidente Marcelo
ou inaugura cidades do futebol (?) ao lado do excelentíssimo Presidente Marcelo,
António Costa diz coisas. Há dias, com a habitual sofisticação, disse por
exemplo que o PSD defende os exames apenas para apurar "a raça dos
eleitos". Quem nos dera que fosse verdade: a exigência escolar,
caso existisse, separaria os espertos dos espertalhões e, entre outras
vantagens, impediria que criaturas sem préstimo chegassem a primeiro-ministro. Como
a raça se mede por baixo, são os literalmente não eleitos que mandam nela e
dispõem de poder para cometer as calamidades que bem entendem.
Também
há dias, o dr. Costa - que em Junho passado lamentou que Portugal não
comemorasse o 1.º de Dezembro ou, na ilustrada cabeça dele, "a sua data
fundadora" - convocou uma cerimónia solene para devolver à nação os
quatro feriados que lhe faltavam: Corpo de Deus, Implantação (género
prótese) da República e Todos-os-Santos, além do citado. É o retorno dos
"momentos históricos" do eng. Sócrates, que chamava fanfarras para
inaugurar um armazém de pneus. Só é pena que o dr. Costa não organize
liturgias assim bonitas para assinalar cada aumento dos combustíveis.
Na
presença de vultos do calibre dos ministros da Cultura e da Defesa, do sr. Pio
e de um ex--vice-presidente de Vale e Azevedo, todos ilustres representantes da
capacidade selectiva do nosso ensino, o dr. Costa notou haver "princípios,
valores e acontecimentos fundamentais cuja memória e celebração não podem
estar à mercê de cálculos ocasionais, de impulsos ideológicos e de fins
propagandísticos". Felizmente, os tais feriados não devem integrar as
categorias acima, pelo que se adaptam com primor aos cálculos, à ideologia e
à propaganda. Depois, com o fervor épico de um almirante Thomaz, o dr.
Costa falou em "pedagogia cívica", "sentido patriótico",
"atitude contemporânea" e "capacidade de mobilizar" os
portugueses. Tudo isto a pretexto de uma golpada de rústicos e de uma
insurreição que nos livrou do salário médio espanhol, mais as festas cristãs
que tanto comovem a maioria de esquerda.
Enquanto
sociedade, nunca nos distinguimos pela lucidez, traduzida na responsabilização
dos políticos e na suspeita de que os actos implicam consequências. Mas começa
a ultrapassar-se até os nossos folgados limites. Não é a questão dos feriados,
irrelevante sob ambas as perspectivas, mas o Carnaval grotesco que adorna a
respectiva "reposição" e esconde mal, muito mal, o resto. Não é o
regresso à perigosa leviandade de Guterres e Sócrates, mas o gozo infantil que
agora a acompanha. Não é o altíssimo risco de nova falência e de novo
"resgate", mas a alegria ou a apatia com que os aguardamos. Não
é o sermos enganados, mas o sermos enganados por burlões desastrados e assistirmos
resignados à burla.
A
palavra final ao dr. Costa: "Temos de saber que Portugal não começou
connosco nem vai acabar connosco." Pois não: o provável é que eles
acabem com Portugal. Ao lado do excelentíssimo Presidente Marcelo.
Quarta-feira,
30 de Março
Os
descaminhos da fé
As
más notícias sucedem-se. Não só o Estado Islâmico já ameaça directamente
Portugal como continua a recrutar portugueses, sobretudo em Lisboa e na zona
centro. O único consolo chega das autoridades belgas, que enfim descobriram
a explicação para a capacidade de sedução do bando de psicopatas: "Os
nossos jovens são vítimas de SMS propagandísticos." E de
"predadores", acrescenta o Guardian. Trata-se, afinal, do que sempre
suspeitei: aquilo no fundo é gente impecável, desviada pelas proverbiais más
companhias para rebentar com terceiros e outros gestos talvez censuráveis.
Antes que a coisa chegue ao aqui norte, à cautela já desliguei o telemóvel.
Quinta-feira,
31 de Março
Da
vergonha diplomática
Em
Outubro passado, o caso Luaty Beirão inspirou Mariana Mortágua a escrever
uma crónica violentíssima no Jornal de Notícias. Aí, a deputada do BE
atacava com firmeza "a impunidade de que José Eduardo dos Santos beneficia
para manter o seu regime de corrupção e ataque aos direitos humanos". E
não se esquecia, antes lembrava-se a cada parágrafo, de apontar as "especiais
responsabilidades" do governo português "nesta vergonha
diplomática". Estava lá tudo: o ministro Machete, que se desculpava
pelas investigações a figuras do regime de Luanda; o ministro Portas, que
visitou a cidade; Cavaco Silva; Ricardo Salgado; etc. Enquanto, por
reles interesses materiais, o poder daqui fechasse os olhos ao poder de lá, a
apurada sensibilidade social da dona Mariana nem a deixava dormir em condições.
Que mulher enorme.
Infelizmente,
bastou um semestre para encolher. Há dias, Luaty Beirão e os seus parceiros
foram condenados a cinco anos de prisão e, para que não a acusassem de
incoerência, a dona Mariana voltou à carga no JN. Nova crónica, a velha luta
pela liberdade de expressão. Pelo meio, nem uma referência ao nosso governo. O
governo alterou as relações económicas com Angola? Descontadas as encenações na
AR, não consta. Nem consta que a anunciada visita àquelas bandas do PM (e do
PR) seja acompanhada por um exército libertador. O que mudou? As conveniências,
ou os titulares do governo e o apoio do BE ao mesmo.
Se
custa ver PSD e CDS votarem ao lado do PCP, nesta ou em qualquer matéria, custa
mais ver as meninas do Bloco passarem por campeãs dos direitos humanos. A menos
que a pulhice tenha agora outro nome.
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