terça-feira, 5 de abril de 2016

Ainda dá uvas o chão



Mais uma crónica de Alberto Gonçalves, copo de água fresca em dia de canícula. Sobretudo porque, sem poder para alterar nada do que vai surgindo, nos puséramos à beira da estrada, como o demais rebanho, a ver a nova banda passar, na esperança de que os estragos anunciados pela banda anterior talvez não chegassem a concretizar-se. Entretanto, novos convénios se preparavam, desta vez pelos dessa banda anterior contra o ex-chefe isolado no seu mundo de rancores e certezas, que ainda esperava poder um dia vir a remendar os rasgões que se anunciam, mas já posto em causa na sua  - julgo que aparente – passividade, as insídias contra ele vindas dos do bando dele, dos que já falam em depô-lo, cozinhando entre si esquemas de destituição, o «todos por um» dos mosqueteiros coesos afogado nas traições da genérica ambição dos não escuteiros, novos zeladores oferecendo-se para a substituição, pois, rebentada que está a pátria, o seu governo a todos apetece e as insídias tanto as encontramos à direita como à esquerda, ambição e traição de mãos dadas sempre, em qualquer parte e partido.
Mas a frase da nossa indignação vai longa, e retomo a escrita de uma indignação que não esmorece, a de Alberto Gonçalves, não amansada pela esperança que lhe é prometida, como a nossa da brandura e da confiança ignorante. Alberto Gonçalves continua a satirizar António Costa tal como Marcelo, de mãos dadas, associando-os no ridículo ou perverso de uma actuação oca e de fantochada, como essa da reposição de feriados pelo primeiro, que, sem pejo revela a ignorância dessa pátria que muito apetece e não ama, ignorando-lhe a história, mas ansiando-lhe os proventos, embora empenhados.  
Outros temas explora Alberto Gonçalves, o do terrorismo islamita suspenso sobre o nosso país, o das incongruências retóricas das representantes de uma esquerda que papagueia falsas noções de direiteza que não passam de requebros artísticos.  Saloios.

Uma conspiração de estúpidos
Alberto Gonçalves
DN, 3/4/16
Quando não assiste a partidas de futebol ao lado do excelentíssimo Presidente Marcelo ou inaugura cidades do futebol (?) ao lado do excelentíssimo Presidente Marcelo, António Costa diz coisas. Há dias, com a habitual sofisticação, disse por exemplo que o PSD defende os exames apenas para apurar "a raça dos eleitos". Quem nos dera que fosse verdade: a exigência escolar, caso existisse, separaria os espertos dos espertalhões e, entre outras vantagens, impediria que criaturas sem préstimo chegassem a primeiro-ministro. Como a raça se mede por baixo, são os literalmente não eleitos que mandam nela e dispõem de poder para cometer as calamidades que bem entendem.
Também há dias, o dr. Costa - que em Junho passado lamentou que Portugal não comemorasse o 1.º de Dezembro ou, na ilustrada cabeça dele, "a sua data fundadora" - convocou uma cerimónia solene para devolver à nação os quatro feriados que lhe faltavam: Corpo de Deus, Implantação (género prótese) da República e Todos-os-Santos, além do citado. É o retorno dos "momentos históricos" do eng. Sócrates, que chamava fanfarras para inaugurar um armazém de pneus. Só é pena que o dr. Costa não organize liturgias assim bonitas para assinalar cada aumento dos combustíveis.
Na presença de vultos do calibre dos ministros da Cultura e da Defesa, do sr. Pio e de um ex--vice-presidente de Vale e Azevedo, todos ilustres representantes da capacidade selectiva do nosso ensino, o dr. Costa notou haver "princípios, valores e acontecimentos fundamentais cuja memória e celebração não podem estar à mercê de cálculos ocasionais, de impulsos ideológicos e de fins propagandísticos". Felizmente, os tais feriados não devem integrar as categorias acima, pelo que se adaptam com primor aos cálculos, à ideologia e à propaganda. Depois, com o fervor épico de um almirante Thomaz, o dr. Costa falou em "pedagogia cívica", "sentido patriótico", "atitude contemporânea" e "capacidade de mobilizar" os portugueses. Tudo isto a pretexto de uma golpada de rústicos e de uma insurreição que nos livrou do salário médio espanhol, mais as festas cristãs que tanto comovem a maioria de esquerda.
Enquanto sociedade, nunca nos distinguimos pela lucidez, traduzida na responsabilização dos políticos e na suspeita de que os actos implicam consequências. Mas começa a ultrapassar-se até os nossos folgados limites. Não é a questão dos feriados, irrelevante sob ambas as perspectivas, mas o Carnaval grotesco que adorna a respectiva "reposição" e esconde mal, muito mal, o resto. Não é o regresso à perigosa leviandade de Guterres e Sócrates, mas o gozo infantil que agora a acompanha. Não é o altíssimo risco de nova falência e de novo "resgate", mas a alegria ou a apatia com que os aguardamos. Não é o sermos enganados, mas o sermos enganados por burlões desastrados e assistirmos resignados à burla.
A palavra final ao dr. Costa: "Temos de saber que Portugal não começou connosco nem vai acabar connosco." Pois não: o provável é que eles acabem com Portugal. Ao lado do excelentíssimo Presidente Marcelo.
Quarta-feira, 30 de Março
Os descaminhos da fé
As más notícias sucedem-se. Não só o Estado Islâmico já ameaça directamente Portugal como continua a recrutar portugueses, sobretudo em Lisboa e na zona centro. O único consolo chega das autoridades belgas, que enfim descobriram a explicação para a capacidade de sedução do bando de psicopatas: "Os nossos jovens são vítimas de SMS propagandísticos." E de "predadores", acrescenta o Guardian. Trata-se, afinal, do que sempre suspeitei: aquilo no fundo é gente impecável, desviada pelas proverbiais más companhias para rebentar com terceiros e outros gestos talvez censuráveis. Antes que a coisa chegue ao aqui norte, à cautela já desliguei o telemóvel.

Quinta-feira, 31 de Março
Da vergonha diplomática
Em Outubro passado, o caso Luaty Beirão inspirou Mariana Mortágua a escrever uma crónica violentíssima no Jornal de Notícias. Aí, a deputada do BE atacava com firmeza "a impunidade de que José Eduardo dos Santos beneficia para manter o seu regime de corrupção e ataque aos direitos humanos". E não se esquecia, antes lembrava-se a cada parágrafo, de apontar as "especiais responsabilidades" do governo português "nesta vergonha diplomática". Estava lá tudo: o ministro Machete, que se desculpava pelas investigações a figuras do regime de Luanda; o ministro Portas, que visitou a cidade; Cavaco Silva; Ricardo Salgado; etc. Enquanto, por reles interesses materiais, o poder daqui fechasse os olhos ao poder de lá, a apurada sensibilidade social da dona Mariana nem a deixava dormir em condições. Que mulher enorme.
Infelizmente, bastou um semestre para encolher. Há dias, Luaty Beirão e os seus parceiros foram condenados a cinco anos de prisão e, para que não a acusassem de incoerência, a dona Mariana voltou à carga no JN. Nova crónica, a velha luta pela liberdade de expressão. Pelo meio, nem uma referência ao nosso governo. O governo alterou as relações económicas com Angola? Descontadas as encenações na AR, não consta. Nem consta que a anunciada visita àquelas bandas do PM (e do PR) seja acompanhada por um exército libertador. O que mudou? As conveniências, ou os titulares do governo e o apoio do BE ao mesmo.
Se custa ver PSD e CDS votarem ao lado do PCP, nesta ou em qualquer matéria, custa mais ver as meninas do Bloco passarem por campeãs dos direitos humanos. A menos que a pulhice tenha agora outro nome.

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