Hoje é dia de silêncio. Silêncio para com o mundo inteiro, de atenção apenas para com Amália, que no Além festeja, connosco que a amamos, os dez anos da sua partida. E com ela, todos cantamos o fado, o fado que ela imortalizou. E a ela dedicamos uma lágrima, a lágrima do poema que ela compôs, lágrima de amor do seu coração tamanho, na magia da sua voz inimitável.
Um intróito encomiástico, mas a minha amiga também não poupou o seu elogio:
- O que penso dela é o que toda a gente pensa, nisso não sou original. Bom, ela nasceu tão fadada de dons que nem o tabaco lhe fez mal.
Viu no filme sobre ela que desde pequena fumava e estranha que a voz se mantivesse de tão belo timbre e potência.
- Como é que ela aguentou a voz, pergunto eu!
Concordei:
- Uma voz mais velada, para o fim, mas que encanto, que charme!
Era pequena, mas no palco agigantava-se, os próprios guitarristas o disseram, quando em Nova York resolveram vê-la da platéia, na primeira parte do espectáculo, em que foi acompanhada por orquestra, contou a minha amiga, que o ouviu dos guitarristas de Amália.
Observei que o amplo vestuário que usava, agora em museu, devia contribuir para essa aparência de imortal.
- Quem lhe fez as grandes toilettes foi uma senhora - D. Ilda – que ainda está viva. E o que mais trabalho deu, bordado com metros e metros de folhos, foi o que lhe vestiram na morte.
- Ela merecia esse apreço.
- Acusaram-na de ter sido protegida pelo Estado Novo!
- E que mal tem isso?
- João Braga diz que é mentira! Que ela foi tratada como uma sopeira, no Estado Novo! Uma figura que qualquer país quereria ter!
- Eu não acredito tanto nisso, pois lembro-me do entusiasmo da multidão quando foi a África, era eu pequena. Mas o 25 de Abril embirrou com os bons, que não disseram mal da Pátria. E que até a amaram e souberam prová-lo. Então como agora, somos sempre mesquinhos. Ou invejosos...
- Foi um ser genial e sempre duma simplicidade grande.
- Que começámos a venerar depois de os outros povos a terem descoberto, sobretudo a França. Em tempos traduzi, para uma locutora francesa - Marie-Ange - que veio cá, mas que nunca o chegou a ler, o fado “Lágrima”, que ela mesma escreveu, nessa altura cantado por Margarida Bessa, a qual deixou de aparecer, com grande lágrima minha, que só essa me pareceu atingir os cumes da nossa Amália.
Coloco aqui a minha tradução – talvez não muito correcta – como homenagem a Amália e ao povo francês, que a projectou no mundo – e a Margarida Bessa, que tanto eu gostaria de ver igualmente projectada... para a recolhermos depois, como nossa:
LARME
Pleine de chagrin
Pleine de chagrin je me couche
Et avec plus de chagrin
Plus de chagrin je me lève
Dans mon sein
Elle est restée dans mon dans mon sein
Cette façon
La façon de t’aimer tant.
Désespoir
J’ai pour mon désespoir
En moi
En moi-même la punition
Je ne veux pas de toi
Je dis que je ne veux pas de toi
Et la nuit
La nuit je rêve de toi.
Si je considère
Qu’un jour j’aurai à mourir
Dans le désespoir
Que j’ éprouve de ne pas te voir
J’étends mon châle
J’étends mon châle par terre
J’étends mon châle
Et je me laisse endormir.
Si je savais
Si je savais qu’en mourant
Tu devrais
Tu devrais me pleurer
Pour une larme
Pour une larme à toi
Quelle joie!
Je me laisserais tuer.
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