sábado, 17 de outubro de 2009

Cicutas

O Primeiro Ministro de Portugal fez umas campanhas legislativas e autárquicas – estas sobretudo através dos autarcas designados para o efeito – campanhas enfatizando os serviços que prestara à Nação no seu primeiro mandato, sem nunca acentuar os defeitos de alguns deles, e os serviços que se prontificava a fazer no caso de ser eleito, condenando os outros partidos, embora em reciprocidade de mensagens críticas de parte a partes.
A verdade é que convenceu os Portugueses, pelo esquecimento nacional dos defeitos, esquecimento justificado por paralelismo ou identidade dos defeitos nacionais generalizados, apelativos de encobrimento e, consequentemente, de apoio eleitoral.
Nunca, pois, o PM mostrou interesse em partilhar com outros o seu governo, que desejava maioritário em termos absolutos, sabendo quanto se navega melhor ao comando, com apoiantes dóceis, como se diz que se fazia dantes, e não parecendo desdenhar sequer o prolongamento no tempo como se diz que também se fez e como tantos que o disseram ainda hoje o comprovam, estando.
Os outros partidos pouco mais podiam expor do que críticas ao que estava feito, por não terem na mão a faca e o queijo. Só no caso de lhes caber o naco da governação a que todos aspiravam - embora só um deles com o peso mais certo - é que poderiam pronunciar-se cabalmente, sobretudo nos desígnios económicos, cuja chave lhes não pertencia, bem escondida nos manejos da governação anterior. O resto não passava de propostas, segundo a ideologia de cada um, a direita e a esquerda bem se esforçando por explicar que fariam diferente, mas o que é certo é que não tinham chance de o mostrar e só poderão continuar a condenar e a apontar as diferenças. Porque ganhou quem melhor pareceu aos Portugueses.
Manuela Ferreira Leite prometeu só que actuaria de acordo com a “exequibilidade” de cada proposta, revelou os erros perdulários da vaidade governativa, identificou-se com atitudes de sensatez e equilíbrio financeiro, acentuou os seus princípios para ajudar a salvar uma Nação em derrapagem. Vítima de dissenções partidárias, foi contestada por uns e outros, os jornalistas contribuindo em grande escala para acentuar as críticas dos do Governo e aderentes, de que ela não tinha projecto.
Dentro do seu partido, de igual onda crítica, ressalvando os de carácter, preparava-se a sua destituição, com base nos mesmos dados sobre ausência de projecto, ausência de prestação oral, ausência de dados, mais ou menos farfalhudos, embora inúteis, que outros apresentaram, porque só de posse da chave governamental é que caberia pôr em prática, ou não, esses dados. Modesta mas determinada, a timidez do sorriso de Ferreira Leite, segundo me pareceu, resultou mais do saber-se não protegida mas vilipendiada pelos próprios que se tinham proposto defendê-la.
Quanto a mim, marcou sempre pontos, cuidadosa e sóbria mas eficaz nas respostas, de inteligência pronta mas honesta e sem exibição. E todavia, revelando uma determinação de quem se reconhece superior à turba, facto por que a turba se turva e a repele.
Concordo em absoluto com os dizeres lapidares de Pacheco Pereira, que transcrevo do seu “ABRUPTO”, sem pedir autorização nem desculpa pelo abuso, porque nele admiro, além da inteligência e saber superiores, a lealdade com que defende e reconhece as qualidades da chefe do seu partido:
“Os que acusavam Manuela Ferreira Leite de aceitar fazer parte de um “bloco central” sem qualquer fundamento, como se disse na altura, quando páginas e páginas do Diário de Notícias e do Diário Económico e dos blogues juravam que ia acontecer, são agora os que o defendem. Não me surpreende nada. É por estas razões que Manuela Ferreira Leite é fundamental à frente do PSD nestes dias de todas as tentações. Sabe o que quer e sabe o que não quer. E não vai em cantos de sereia. Nem em promessas de partilha de governo ou de lugares. Nem está ali a pensar na sua “carreira” nem nos interesses que alguns representam no partido, mas no país. Não está na moda mas é uma diferença abissal.”
Abissal, a diferença.
De facto, o PM pôs o problema da coligação aos diversos partidos, para poder manobrar o poder em maioria e estabilidade. Nenhum aceitou, com sinceridade ou sem ela, pois não se importariam alguns de partilhar provavelmente os postos.
Nenhum se dispôs, pois, e agora o PM atribui a responsabilidade de possíveis fracassos governativos futuros aos partidos, revelando que se algo correr mal, a culpa é dos partidos e só deles, que não quiseram partilhar.
Um lavar de mãos já bem conhecido, antecipado, desresponsabilizante, arguto, bem à maneira de Sócrates. Do nosso. Que o outro sempre comeu a cicuta.
Mas há sempre meios de se conciliarem e de partilharem, veremos. Que o que importa, realmente, é o País, apesar destas mascaradas dos jogos políticos.
Só desejo que Manuela Ferreira Leite continue visível à frente do seu partido. Apesar da cicuta que os seus não deixarão de lhe impingir. Encarniçadamente. Provando bem ser abissal a diferença.

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