domingo, 18 de outubro de 2009

O testo da panela

A fábula que segue,
Do La Fontaine,
Parece-me que tem aplicação
Aos tempos correntes
Em que se diz que as gentes
Devem saber tocar todos os instrumentos
Para variar de profissão
Bastante insegura actualmente,
Embora a antiga gente
Usasse também o rifão
- “Quem te manda a ti, sapateiro,
Tocar rabecão”? -
Para se escusar dos enganos
Que a cada passo cometemos
Porque forçamos o passo
Ao compasso
Da nossa ansiedade,
No desemprego,
Em busca de um emprego,
Seja ele qual for,
De valor maior ou menor,
Devido a uma realidade
Que não protege o cidadão.
Tocamos, pois, rabecão,
Quando devíamos pregar sola
E em vez de uma boa aula
Temos que atender ao problema
Da droga na escola
Ou da psicologia
Que é precisa hoje em dia
Para justificar insucesso e descortesia...

Mas a fábula tem também
Um alcance diferente,
Mais especificamente
O diferente acolhimento
Que merecem A ou B
Do seu superior
Conforme o valor,
A amizade, o interesse
O jeito de se impor.
Por isso devemos assentar,
- Não há que enganar -
Que ao burro compete o zurro
E ao cãozinho o miminho.


O burro e o cãozinho

O talento nunca se deve forçar:
Nada faríamos com graça.
Nunca um boçal, por muito que faça
Por galante poderá passar.
Poucas são as pessoas a quem o céu protege,
Além de muito as amar,
Que se poderão gabar
De agradar
Por dom natural
Que recebem ao nascer.
É ponto fundamental,
Para não se quererem parecer
Com o burro da fábula
Que para se mostrar amável
E mais querido ao seu dono,
Com ele desagradável,
O quis acariciar.
“Como – dizia ele de si para consigo –
Este cãozinho
Vive como um companheiro,
Muito queridinho
Do senhor e da senhora
Só por ser jeitosinho,
Quando comigo
Só me dão pauladas
Sem demora, bem danadas.
Que faz ele? Dá a pata,
Com miminho,
E a seguir é beijado.
Para ser acarinhado,
O mesmo vou eu fazer
Não parece complicado!”
Vendo o dono bem disposto
Chega-se a ele
Sorrateiramente
Levanta o casco coçado
Para no rosto o acariciar,
Amorosamente,
Acompanhando o gesto ousado
Por um canto gracioso
Que pôs o amo furioso:
“- Oh! Oh! Que carícia! Que melodia!
Que berreiro! Olá marmeleiro!”
Acode o marmeleiro, o burro muda de posição.
A comédia acaba, para o burro toleirão,
Como sempre: em pura danação.”

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