quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Gaivotas por Terra

- Estes cremes da marca Vichy são caros p’ra burro.
- Vai aos sítios caros!... À farmácia... Porque é que os compra?! Os produtos naturais são muito mais em conta.
- Que creme usa para a cara?
- Eu é o Aloé Vera, que faz o mesmo efeito.
- Eu comecei com a marca Vichy há muitos anos, quando uma amiga minha me disse que a minha cara estava melhor. Foi pelos trinta anos. Desde aí, ganhei uma tal confiança na marca Vichy que nunca mais pus outro creme. Mas é caro p’ra burro. E nem sei se resulta.
- Agora já não importam tanto os cremes. Aparece aí um médico inglês que tem muita fama. Porque trata as grandes figuras do mundo. Porque é que a Rânia e a Letízia precisam de se tratar? Agora que são novas, que estão bonitas... Mas as fotografias da Letízia mostram que está linda, linda, linda. E depois são umas elegantérrimas, vestem-se muito bem. Este médico é um médico novo. Diz que trabalha de manhã à noite. E não faz segredo nos preços. Também já vem a Portugal tratar das ricas senhoras. Porque há aqui as ricas senhoras que iam a Espanha tratar-se com ele, e perguntaram-lhe porque é que não vinha cá a Portugal e ele disse logo que vinha. Acho que já está tudo marcado. Isto só prova, por a mais b, que a ciência vai conseguir rejuvenescer.
- Mas só as ricas senhoras.
- Ah! Também quem ele tratou foi a Camila. A Camila é difícil. Já não se nota tanto. Mas ficou melhor. Resumindo e concluindo: o que faz falta é ter dinheiro. Não, o Nosso Senhor castiga. Quando a saúde falta, o dinheiro não resolve.
- Às vezes, sim.
Passou por nós uma senhora conhecida da minha amiga.
- É rica, tem filhos e netos e é viúva. Caiu na rua, não se sabe porquê.
- Devem ser as lombas do costume. Ou tropeçou nalgum cano, daqueles pilaretes dos passeios deitados abaixo por algum carro, e que ficam tempos indefinidos estendidos no chão. Já eu tropecei num, por nessa altura não estar a olhar para o chão.
- Não, foi qualquer coisa que lhe deu. Mandámo-la ao médico, mas ela não vai.
“Não me interessa nada, nada, zero”. Eu fiquei parva. E quando lhe propusemos ginástica e viagens, que ela pode, respondeu: “Eu sei que engano muito, mas sei que não estou cá a fazer nada. Detesto ginástica desde pequena, não me interessa viajar”. Nunca pensei, pois ela até tem um ar sereno e altivo.
- Tem a ver com o estatuto de capitalista, o ar altivo. E o sereno é capaz de também.
Passou outra amiga da minha amiga, que se sentou connosco. Falámos de África, dos matos, das campanhas de auxílio, que não se sabe, muitas vezes, para onde vai o resultado delas... Da dedicação de umas quantas figuras públicas, lá pela Guiné, em serviço de voluntariado...
Ainda lembrei que a amiga da minha amiga, a tal desligada da vida e da família, se fizesse voluntariado, talvez vivesse com mais apego. Mas o que é certo é que somos livres, já o cantámos antes, mesmo sem filosofia que prestasse:

Uma gaivota voava, voava
Asas de vento, coração de mar.
Como ela, somos livres,
Somos livres de voar.

Não admira, pois, como chegámos aqui, ao desapego da vida, através de cançonetas deste calibre de idiotia. Foi por isso que a conversa descambou em futilidades.
Mas eu admiro sempre os conhecimentos da minha amiga, a forma como ela se desenvencilha a respeito do high life, tu cá tu lá com o mundo do fascínio, nacional e internacional.
E depois pergunta-me, com superioridade, se eu sei quem é a Letízia! Francamente! É muito injusta! E cruel!

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