sábado, 3 de outubro de 2009

Convergência

Estávamos no café das compras, a comentar sobre os poemas do e-mail contidos no texto anterior, onde a minha amiga detectou marcas de conversas anteriores, em que explorámos a nossa impotência perante os desmandos, e o nosso refúgio no encolher de ombros da nossa aparente resignação.
- Não há volta a dar. O ser humano é como é. Cada um vive na sua ilha sem istmos a pegar nas outras...
De vez em quando a minha amiga sai-se com estas metáforas de grande efeito sobre a inferioridade do meu discurso despretensioso.
De repente, uma voz estrídula cortou a manhã da esplanada tranquila, com gente silenciosa ou apenas sussurrante, de acordo com as boas maneiras da nossa polida educação.
A minha amiga sorriu feliz:
- Olha, aqui à esquina de S. João já se ouvem várias línguas. Aquela deve ser russa. Eu gosto de ouvir. Já temos uma série de nacionalidades. Já há muitas, muitas. Gosto deste cosmopolitismo.
Discordei da nacionalidade – mais habituada ao estridor das marchas guerreiras soviéticas, que não das suas vozes descomandadas - e repliquei que as minhas experiências cosmopolitas se reduziam às esmolas extorquidas pelos novos pedintes – os da raça cigana, já que os de África se arrogavam habitualmente dos seus direitos de conquistadores armados. Quanto aos Brasileiros, eles impunham-se com a sua simpatia, deitando a mão aos trabalhos e até ensinando boas maneiras aos nossos donos dos cafés, sérios, na preocupação de pagar vencimentos além da habitual tributação ao Estado usurpador.
Indiferente aos sorrisos que provocava com a sua voz estridente – ilha altiva e desdenhosa - a moça estrangeira - russa na opinião avaliadora da minha amiga – continuava a sua conversa, de pé, no telefone público, de costas voltadas para a esplanada atenta, por falta de motivações dialogantes.
Mas os deveres da domus chamavam, erguemos armas e bagagens, deixámo-la falando alto.
E já no carro, a minha amiga voltou ao tema dos ilhéus sem istmos comunicantes, metáfora da minha embirração, mas que partilhei, devido ao meu “saber de experiências feito”, no capítulo dos truques justificadores da desatenção.
Contou a história referida por uma sua amiga sobre outra amiga desta, que, porque esta entrou em depressão económica e de saúde, também apresenta indícios de depressão, para se esquivar a partilhar, falando na sua própria angústia e no seu desejo de isolamento. Mas a verdade é que vive bem, passeia quando quer, é estimada pela família e amigos, que muitos tem. E a amiga da minha amiga sofre, por uma amizade em que acreditara, quando era rica e feliz, e que perdeu, quando mais precisava de solidariedade e compreensão.
E eu, velho do Restelo, logo rematei, ciente dos casos da minha experiência vivida:
- É um bom truque do nosso egoísmo esse da angústia, da depressão – psicológica ou material, que também há - como refúgio para o não envolvimento. Já o Maiakovski e os outros o disseram: Não nos importamos com os outros. Só que, de repente...
Reconquistámos o optimismo, que a esperança é sempre a última que morre.

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