Dois estudos que, divergindo, se
complementam: o primeiro, de Vasco Pulido Valente, revelador do que há muito se
sabe a respeito da nossa penúria intelectual e de princípios éticos,
justificativa da eterna atrofia em que nos remexemos, sempre manipulados por
circunstâncias e seus aproveitadores na condução dos destinos pátrios, pondo e
dispondo de acordo com a doutrinação ou os interesses próprios das diferentes chefias.
Mas se Vasco Pulido Valente o historia, desde os circunstancialismos que
ditaram a mudança do regime absoluto em regime pretensamente liberal, e que resultaram na
indignidade de uma irresponsabilidade contínua, o artigo de Alberto Gonçalves
mais uma vez põe o dedo na ferida revelando um tal guia de acolhimento
segregativo dos refugiados feito pela DGS – julgo que por ordem de comandos
alheios – que apontam bem a abjecção e a
indignidade de uma Europa a ser manipulada por um Islão de repugnantes leis
rácicas, que pretendemos aplicar a esses, no respeito solidário pelos seus
fundamentalismos que, todavia, reprovamos. O guia alternativo do sociólogo, de
evidente exagero, é, todavia, uma lufada
de ar fresco na hipocrisia do mundo – o oriental como o ocidental. Quanto à questão da Tap e os desígnios de
António Costa e seus parceiros, é demasiado perigosa para este mísero país,
para que possamos rir das graças de Alberto Gonçalves. Mas admiramos-lhe, como
sempre, a coragem e a eficácia do seu humor.
A
educação de um povo
Vasco Pulido Valente
Público, 12/12/2015
O primeiro regime supostamente “representativo” que houve
em Portugal não foi o resultado de nenhum movimento interno. Foi resultado da
guerra contra os franceses, do exílio de D. João VI no Rio e da perda do
monopólio colonial. Um pronunciamento militar, o “24 de Agosto”, conseguiu
impor aos portugueses uma Constituição “radical” e a burocracia, a Igreja e o
exército escolheram os deputados, depois de um simulacro de eleições. Nem a
“classe média”, nem evidentemente o povo que vivia da terra participaram no
exercício. Entre tentativas de rebelião armada, as Cortes Soberanas duraram
pouco tempo (um ano e uns meses) e não trouxeram a ninguém qualquer educação
para a liberdade e o respeito da lei. Portugal voltou ao antigo regime até à
morte de D. João em 1825.
Em
1826 começou uma guerra civil que durou até D. Miguel desembarcar em Belém,
vindo de Viena. A seguir a uma insurreição armada da gente de 1820, o Infante
impôs com dureza as regras da Monarquia tradicional. E, em 1832, o “liberal” D.
Pedro apareceu perto do Porto com uma expedição, paga pela Inglaterra e a
França, e começou uma guerra que só acabou em 1834 com a derrota do
“miguelismo”. A situação que saiu desta “vitória”, perante a indiferença do
país, não passou de “uma balbúrdia sanguinolenta”, em que os regimes se
sucederam até a uma nova guerra civil, a da “Patuleia”. Em 1851, surgiu por
miséria e cansaço um arranjo chamado “Regeneração”, que domesticou o exército e
os políticos, pedindo dinheiro no estrangeiro em grandes quantidades. Anos
relativamente felizes, com que a crise financeira de 1892-1893 definitivamente
acabou.
Ao
fim de 70 anos de “liberdade legal”, como se dizia, os portugueses não sabiam
ainda o que eram os seus direitos, nem os seus deveres, e o poder permanecia
ilegítimo e arbitrário. A dívida custou a Portugal a relativa tolerância da
“Regeneração”, a interferência inconstitucional do Rei na política partidária,
15 anos do corpo a corpo geral da República e a ditadura de Salazar e de
Caetano. Um preço alto. Pior ainda, entrou na III República sem a mais vaga
noção da espécie de cidadania que um Estado democrático implicava e requeria.
Uma coisa dessas, para se aprender, precisa de uma longa tradição histórica, que
por acaso ou por desgraça a nossa história não nos deu. Em 2015 não devemos
esperar muito do futuro, porque nós próprios somos responsáveis pelo nosso
destino e a nossa responsabilidade, talvez não por nossa exclusiva culpa, não é
muita.
Como receber refugiados: um
guia alternativo
Alberto
Gonçalves
DN,
20/12/15
A
Direcção-Geral de Saúde (DGS) concebeu um guia de acolhimento das
(aparentemente poucas) dúzias de refugiados que aceitaram mudar-se para cá. Com
as melhores intenções, 112 páginas e a colaboração de "nutricionistas, dietistas,
médicos, veterinários, psicólogos e especialistas em relações
internacionais", o guia diz-se "inovador a nível nacional". Não
admira, dado que é também uma das mais violentas manifestações de racismo,
xenofobia e segregação que um Estado dito democrático é capaz de produzir.
Dominado
por "imperativos de ordem cultural e religiosa", o curioso documento
limita-se a reproduzir um pedacinho do fundamentalismo que afugentou os
refugiados para a Europa, quer estes tenham ou não tenham consciência disso.
Exemplos? Vamos a eles: nas consultas médicas, as mulheres só devem ser
atendidas por mulheres. Os alimentos devem estar circunscritos à lei islâmica,
leia-se nada de porco e derivados, álcool, sangue. O abate dos animais deve
obedecer aos métodos considerados halal. O jejum do Ramadão deve ser
equilibrado por uma dieta adequada (o guia inclui receitas e tudo). Etc. E isto
versa apenas matéria clínica. Espera-se a qualquer momento que diversos
organismos públicos publiquem códigos de vestuário, organização familiar, boas
maneiras, hábitos sexuais e o que calhar, sempre com mil cautelas - ou as
cautelas necessárias para impedir que os nossos convidados se possam ofender
connosco. O guia da DGS, convém notar, destina-se aos indígenas.
Ouvi
por aí que semelhante toleima é consequência natural do
"multiculturalismo". É uma razão parcial. Sendo verdade que constitui
um refúgio (sem trocadilho) de idiotas, é igualmente verdade que o problema do
"multiculturalismo" passa pelo modo muito "unicultural"
como é entendido: a regra obriga inevitavelmente à compreensão do
"outro", mas nunca se lembra de obrigar o "outro" a
compreender-nos a nós. Por vários motivos, era útil que o fizesse.
Aliás,
já cumprimos a primeira parte do compromisso durante séculos. Portugal e o Ocidente
em geral lembram-se perfeitamente do que é proteger por lei o tratamento
discriminatório das mulheres. E perseguir criminalmente homossexuais. E
legitimar a escravatura. E punir a ciência que questione a
"realidade". E executar apóstatas no meio da praça. E, em suma,
colocar a religião no centro da existência enquanto se castigavam os ínfimos
vestígios de dissidência ou distracção. Experimentámos as actividades referidas
e, salvo pelos raros tradicionalistas que terminam a falar sozinhos ou na cadeia,
não gostámos particularmente delas e decidimos trocá-las por hobbies menos,
digamos, radicais.
Sucede
que a vasta maioria dos muçulmanos não beneficiou de oportunidade idêntica. Ao
contrário do que acontece connosco, a "cultura" que a DGS exige que
respeitemos é a única que eles conhecem. Em nome da hospitalidade, da abertura,
da tolerância e de palavras assim lindas, importa ajudá-los a conhecer o resto.
Julgo que foi o escritor francês Michel Houellebecq quem sugeriu o
bombardeamento das nações islâmicas com minissaias, contraceptivos e
pornografia. É um princípio, e cabe-nos garantir que não seja o fim.
Desde
logo, a circunstância actual dos refugiados facilita imenso o processo: os
muçulmanos encontram-se à mão de semear. Semeemos pois entre esses infelizes o
exacto tipo de "licenciosidade" que tanto eriça o Prof. Freitas do
Amaral. Há que iniciá-los no prazer da blasfémia, nas virtudes do deboche, nos
meandros da pouca-vergonha, no gozo da excentricidade, nos apelos do vício e
afinal no pleno exercício da liberdade terrena, que para a celestial não
faltará tempo. Se coubesse um pingo de humanidade nas cabecinhas da
administração pública, o guia de acolhimento recomendaria médicos de acordo com
a especialidade e não com o género, piropos em vez de pudor, pândega em vez de
Ramadão, risco em vez de medo, arte em vez de cartilha, Nabokov em vez de
castigos, mundo em vez de gueto, século XXI em vez do XI, factos em vez de
superstições, cabidela em vez de tofu. É dever de todos os portugueses e
ocidentais responsáveis mostrar aos refugiados o que andam a perder. Até porque
a alternativa é perdermos nós.
Sexta-feira, 18 de Dezembro
Pelos ares
António
Costa, que a Providência colocou ao nosso serviço, garantiu que o Estado tomará
posse da TAP a bem ou a mal. Será, naturalmente, a mal, o que além de permitir
que possamos voltar a optar por viajar pelo triplo do preço para um vigésimo
dos destinos disponíveis, terá o divertido bónus das indemnizações. É que os
actuais proprietários, gente decerto mesquinha, não devem encarar o assalto -
chamemos-lhe reivindicação patriótica - com bonomia, pelo que talvez recorram
aos tribunais por pirraça. E a menos que o Dr. Costa a pague do seu bolso, ou
do bolso dos companheiros de luta que o ampararam até ao poder, a despesa recairá
sobre o fatal contribuinte. Por sorte, e a dádiva de 60 cêntimos na sobretaxa,
não nos custará muito amealhar uns milhões adicionais para reaver a
"companhia de bandeira" (sic) e, cito de novo, as caravelas do século
XXI. De resto, precisaremos destas para rumar à Venezuela, o inevitável destino
de um país entregue a alucinados e que, de futuro, o mundo civilizado tratará
com nojo. Adeus, Ocidente: Portugal vai pelos ares.
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