Charlie Hebdo e as farsas da
sensibilite social, Syriza e as farsas dos pretensiosismos individuais,
Sócrates e os seus amigalhaços da rede, o “abcesso” Tap, a irrupção de Sampaio
da Nóvoa no tablado das banalidades protegidas, a bacoquice de uma comunicação
que faz de Jorge Jesus tema de discussão nacional, as manifestações em favor da
Grécia, outra bacoquice alvarmente perpetrada por quem se prepara para furar as
malhas do bom senso e da ética no capítulo da auto eleição governativa, e essa
farsa e esse governo, e a firmeza de um corajoso ataque de alguém que troça e
que sofre, reconhecendo a inutilidade das suas farpas neste país pequenino.
O balanço do ano, de Alberto
Gonçalves:
O ano de todos os perigos (e mais alguns)
Alberto Gonçalves
DN, 24/12/15
Janeiro
Em
Paris, terroristas islâmicos matam meia redacção do jornal satírico Charlie
Hebdo. Os europeus reagem à altura: espalham dísticos pelo Facebook a jurar
"Je Suis Charlie" e, em simultâneo, empenham-se em evitar e até a
condenar o exacto tipo de "blasfémias" que suscitaram a matança. Só
não é a homenagem mais disparatada possível porque, numa espécie de concurso de
malucos, também há - há sempre - aqueles que culpam o capitalismo e a
"exclusão social".
Fevereiro
A
palavra do momento é "Syriza", o partido grego que desafia a
austeridade decretada pela Alemanha enquanto roga, por todos os santinhos, que
a Alemanha continue a emprestar-lhe dinheiro. Por cá, correm duas teorias. Uma,
subscrita por autoconsagrados intelectuais e pelo Dr. Costa, é a de que o
Syriza inaugura uma Europa insubmissa e solidária. A outra é a de que, de
catástrofe em catástrofe, a Grécia servirá de "vacina" para arroubos
extremistas. Chega a espantar que Portugal não exporte videntes, mas em poucos
meses se perceberá a razão.
Março
Quem
tem amigos não morre na cadeia? Talvez não, mas arrisca-se a viver lá uns
tempos. José Sócrates, o preso político mais célebre e imaginário do país, não
se livrou de uma temporada em Évora. E tem excelentes amigos, dos que emprestam
fortunas, cedem apartamentos de luxo, arranjam empregos de categoria, compram a
"tese" aos milhares, amigos enfim como eu nunca tive. Mas também não
tive de suportar visitas sucessivas do Dr. Soares, um relativo consolo.
Abril
Enquanto
o país se entretém a descobrir eventuais candidatos à presidência, o
extraordinário talento de António Costa e o "movimento", algo
estático, Não TAP Os Olhos, aproveito a única virtude da "companhia de bandeira"
e fujo da pátria amada durante três semanas. Saudades? Aquelas que se têm de um
abcesso: embora maçador e escusado, é nosso.
Maio
Sampaio
da Nóvoa explica a função do Presidente da República: é o que "abre o
futuro quando caminha ao lado das pessoas". Já a função do Prof. Nóvoa é
colar palavrinhas umas às outras e produzir o tipo de frases
"inspiradoras" que ficam impecáveis nas redacções de crianças de
todas as idades. Depois da reitoria, deve haver algum lugar adequado ao homem.
Segundo as sondagens, Belém não é um deles.
Junho
Um
treinador de futebol troca de clube e o país confunde isso com um assunto. De
súbito, toda a gente (não é força de expressão) desata a analisar com detalhe
laboratorial as acções, o pensamento, as palavras e os silêncios do Sr. Jorge
Jesus. Visto de fora (isto é que é força de expressão), é um espectáculo
peculiar. E impossível de acompanhar até ao fim, quer por não haver fim
aparente quer por não haver tradução para português do que diz o homem e do que
dizem os seus estudiosos.
Julho
Através
de referendo, a Grécia volta a dizer "não" à ditadura do capital. No
dia seguinte, volta a dizer "sim" a cheques ao portador ou
transferências em numerário. Em Portugal, multiplicam-se as manifestações de
solidariedade para com a valentia helénica. Escritores partilham o prémio (mas
não o respectivo dinheiro) com os gregos. Deputados levantam cartazes (mas não
depositam verbas) pelos gregos. "Personalidades" organizam
conferências (mas não peditórios) em favor dos gregos. Imperturbável, a
realidade avança.
Agosto
Arranca,
oficiosamente, a campanha eleitoral ou, no caso do PS, uma sucessão de rábulas
cómicas. A tendência nas sondagens leva os media a notar, com espanto, que os
socialistas ainda podem vir a perder as "legislativas". Eu também
noto espantadíssimo que, com um ex-líder na cadeia e um líder que parece
foragido da creche, além da fabulosa bancarrota "socrática", o PS
ainda era tido por muitos "analistas" como o vencedor
"natural". Subjugar a análise ao desejo causa transtornos assim.
Setembro
Perante
a vaga crescente de refugiados do Médio Oriente e arredores, apurou-se com
perspicácia que, embora sendo em grande maioria muçulmanos em fuga dos excessos
(?) do islão, a solução ideal consiste em culpar a "resposta"
europeia, acolhê-los a todos e observar rigoroso respeito pela exacta cultura
que transformou as respectivas vidas num inferno. Nos intervalos de tanta
lucidez, há vigílias e noticiário sentimental.
Outubro
A
"direita" ganha as eleições, facto que confirma de vez a idiotia do
povo. Felizmente, em poucas horas percebe-se a iminência de uma golpadazinha a
cargo da alegada maioria parlamentar, pelo que o povo volta a ser soberano,
lindo e avisado. Passada a surpresa inicial, a "direita" acredita na
sensatez dos deputados do PS, exercício semelhante a acreditar na costela
feminista do ayatollah Khomeini.
Novembro
Cavaco
convoca dois terços da sociedade ao Palácio de Belém. O Dr. Costa conspira com
os partidos comunistas a fim de derrubar muros. E a esquerda, que chama coisas
irreproduzíveis à "direita", acusa esta de mau perder e má-criação.
Nos tempos livres, os comentadores que começaram por achar o arranjinho
perigoso e que depois passaram a achá-lo impossível, agora explicam que tudo é
normal e democrático. No fim do mês, o Dr. Costa é
"primeiro-ministro" (os venezuelófilos ficam dispensados das aspas).
Dezembro
Portugal
entra no Terceiro Mundo com galhardia. O Dr. Costa decide afugentar qualquer
sombra de investimento estrangeiro ao jurar anular à força o negócio da TAP. De
seguida irrompe o "caso" Banif e acabamos o ano a suspeitar que temos
um governo do PCP representado por relíquias do PS e suportado pelo PSD, com o
BE a providenciar bombos e exotismo. Em 2016 não haverá quem nos apanhe. Até
porque todos correm na direcção oposta.
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