quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

As pústulas do ano que acaba



Charlie Hebdo e as farsas da sensibilite social, Syriza e as farsas dos pretensiosismos individuais, Sócrates e os seus amigalhaços da rede, o “abcesso” Tap, a irrupção de Sampaio da Nóvoa no tablado das banalidades protegidas, a bacoquice de uma comunicação que faz de Jorge Jesus tema de discussão nacional, as manifestações em favor da Grécia, outra bacoquice alvarmente perpetrada por quem se prepara para furar as malhas do bom senso e da ética no capítulo da auto eleição governativa, e essa farsa e esse governo, e a firmeza de um corajoso ataque de alguém que troça e que sofre, reconhecendo a inutilidade das suas farpas neste país pequenino.

O balanço do ano, de Alberto Gonçalves:

O ano de todos os perigos (e mais alguns)
Alberto Gonçalves
DN, 24/12/15
Janeiro
Em Paris, terroristas islâmicos matam meia redacção do jornal satírico Charlie Hebdo. Os europeus reagem à altura: espalham dísticos pelo Facebook a jurar "Je Suis Charlie" e, em simultâneo, empenham-se em evitar e até a condenar o exacto tipo de "blasfémias" que suscitaram a matança. Só não é a homenagem mais disparatada possível porque, numa espécie de concurso de malucos, também há - há sempre - aqueles que culpam o capitalismo e a "exclusão social".
Fevereiro
A palavra do momento é "Syriza", o partido grego que desafia a austeridade decretada pela Alemanha enquanto roga, por todos os santinhos, que a Alemanha continue a emprestar-lhe dinheiro. Por cá, correm duas teorias. Uma, subscrita por autoconsagrados intelectuais e pelo Dr. Costa, é a de que o Syriza inaugura uma Europa insubmissa e solidária. A outra é a de que, de catástrofe em catástrofe, a Grécia servirá de "vacina" para arroubos extremistas. Chega a espantar que Portugal não exporte videntes, mas em poucos meses se perceberá a razão.
Março
Quem tem amigos não morre na cadeia? Talvez não, mas arrisca-se a viver lá uns tempos. José Sócrates, o preso político mais célebre e imaginário do país, não se livrou de uma temporada em Évora. E tem excelentes amigos, dos que emprestam fortunas, cedem apartamentos de luxo, arranjam empregos de categoria, compram a "tese" aos milhares, amigos enfim como eu nunca tive. Mas também não tive de suportar visitas sucessivas do Dr. Soares, um relativo consolo.
Abril
Enquanto o país se entretém a descobrir eventuais candidatos à presidência, o extraordinário talento de António Costa e o "movimento", algo estático, Não TAP Os Olhos, aproveito a única virtude da "companhia de bandeira" e fujo da pátria amada durante três semanas. Saudades? Aquelas que se têm de um abcesso: embora maçador e escusado, é nosso.
Maio
Sampaio da Nóvoa explica a função do Presidente da República: é o que "abre o futuro quando caminha ao lado das pessoas". Já a função do Prof. Nóvoa é colar palavrinhas umas às outras e produzir o tipo de frases "inspiradoras" que ficam impecáveis nas redacções de crianças de todas as idades. Depois da reitoria, deve haver algum lugar adequado ao homem. Segundo as sondagens, Belém não é um deles.
Junho
Um treinador de futebol troca de clube e o país confunde isso com um assunto. De súbito, toda a gente (não é força de expressão) desata a analisar com detalhe laboratorial as acções, o pensamento, as palavras e os silêncios do Sr. Jorge Jesus. Visto de fora (isto é que é força de expressão), é um espectáculo peculiar. E impossível de acompanhar até ao fim, quer por não haver fim aparente quer por não haver tradução para português do que diz o homem e do que dizem os seus estudiosos.
Julho
Através de referendo, a Grécia volta a dizer "não" à ditadura do capital. No dia seguinte, volta a dizer "sim" a cheques ao portador ou transferências em numerário. Em Portugal, multiplicam-se as manifestações de solidariedade para com a valentia helénica. Escritores partilham o prémio (mas não o respectivo dinheiro) com os gregos. Deputados levantam cartazes (mas não depositam verbas) pelos gregos. "Personalidades" organizam conferências (mas não peditórios) em favor dos gregos. Imperturbável, a realidade avança.
Agosto
Arranca, oficiosamente, a campanha eleitoral ou, no caso do PS, uma sucessão de rábulas cómicas. A tendência nas sondagens leva os media a notar, com espanto, que os socialistas ainda podem vir a perder as "legislativas". Eu também noto espantadíssimo que, com um ex-líder na cadeia e um líder que parece foragido da creche, além da fabulosa bancarrota "socrática", o PS ainda era tido por muitos "analistas" como o vencedor "natural". Subjugar a análise ao desejo causa transtornos assim.
Setembro
Perante a vaga crescente de refugiados do Médio Oriente e arredores, apurou-se com perspicácia que, embora sendo em grande maioria muçulmanos em fuga dos excessos (?) do islão, a solução ideal consiste em culpar a "resposta" europeia, acolhê-los a todos e observar rigoroso respeito pela exacta cultura que transformou as respectivas vidas num inferno. Nos intervalos de tanta lucidez, há vigílias e noticiário sentimental.
Outubro
A "direita" ganha as eleições, facto que confirma de vez a idiotia do povo. Felizmente, em poucas horas percebe-se a iminência de uma golpadazinha a cargo da alegada maioria parlamentar, pelo que o povo volta a ser soberano, lindo e avisado. Passada a surpresa inicial, a "direita" acredita na sensatez dos deputados do PS, exercício semelhante a acreditar na costela feminista do ayatollah Khomeini.
Novembro
Cavaco convoca dois terços da sociedade ao Palácio de Belém. O Dr. Costa conspira com os partidos comunistas a fim de derrubar muros. E a esquerda, que chama coisas irreproduzíveis à "direita", acusa esta de mau perder e má-criação. Nos tempos livres, os comentadores que começaram por achar o arranjinho perigoso e que depois passaram a achá-lo impossível, agora explicam que tudo é normal e democrático. No fim do mês, o Dr. Costa é "primeiro-ministro" (os venezuelófilos ficam dispensados das aspas).
Dezembro
Portugal entra no Terceiro Mundo com galhardia. O Dr. Costa decide afugentar qualquer sombra de investimento estrangeiro ao jurar anular à força o negócio da TAP. De seguida irrompe o "caso" Banif e acabamos o ano a suspeitar que temos um governo do PCP representado por relíquias do PS e suportado pelo PSD, com o BE a providenciar bombos e exotismo. Em 2016 não haverá quem nos apanhe. Até porque todos correm na direcção oposta.

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