Artigo de Vasco Pulido Valente:
Uma campanha
Público, 19/12/2015
Com a sua infalível tendência para a “gaffe”, o dr.
Cavaco sugeriu que aproveitássemos o Natal para reflectir sobre as
presidenciais. Confesso que isto me deixou um pouco embaraçado porque não sei
nada ou sei muito pouco sobre os candidatos da esquerda. Sei que o dr. Nóvoa é
de esquerda e um minhoto zeloso e militante; sei que foi reitor da Universidade
de Lisboa, um cargo obscuro e sem poderes; sei que escreveu um livro medíocre
sobre professores; sei que nos promete uma “política nova” e um grande futuro.
Em suma, sobre esse inteiriçado benemérito não sei coisa nenhuma. Ah!, já me
esquecia, sei que o general Eanes, Jorge Sampaio e o venerando Mário Soares
resolveram apoiar a estranhíssima ascensão do dr. Nóvoa: três testemunhos que
não se recomendam.
Quanto
a Maria de Belém Roseira também admito a minha absoluta ignorância. Sei que
passou pelo IPO e pelo ministério da Saúde (o que provavelmente lhe deu uma
certa experiência administrativa); sei que andou pela Assembleia da República e
pelo PS; e sei que, durante Seguro, era presidente dessa extraordinária
agremiação. Desconfio, apesar dos veementes desmentidos dela, que se tornou
agora a cabeça de uma candidatura de facção, que junta a oposição a Costa
dentro do partido e os “sociais-democratas”, como ela os chama sem perceber que
a espécie se extinguiu, que não gostam do PC, nem do Bloco. Chega? Não chega.
Maria de Belém oferece ao cidadão comum o mesmo vazio que o dr. Sampaio Nóvoa.
Ninguém descobriu ainda o que ela quer ou o que tenciona fazer, se por acaso,
muito por acaso, a elegerem.
De
resto, estas duas personagens quase fictícias, quando abrem a boca, é sempre
para “dizer mal” de Marcelo. O que dá alguma realidade a Marcelo, mas lhes
retira qualquer realidade a eles. As gracinhas, censuras, insinuações, que
nunca se esquecem de meter a propósito e a despropósito em cada frase sobre
Marcelo (principalmente, apesar da sua doçura, a dra. Maria de Belém Roseira)
dão à conversa dos dois candidatos da esquerda uma ar de intriga torpe e
mexerico de escritório. E, assim, a campanha acabou por se tornar num enorme
buraco, em que Marcelo, muito calado, espera. O dr. Cavaco que me desculpe, o
acto de reflectir exige matéria de reflexão. Não há maneira de reflectir nada,
embora ele esteja habituado a esse insólito exercício. O que existe neste
momento são dois candidatos que não gostam de Marcelo; e Marcelo que vai
serenamente ignorando.
Ainda bem que o Dr. Cavaco nos mandou a todos reflectir
no Natal, que é época de muita reflexão em família, enquanto mastigamos as
rabanadas e lembramos com unção o das palhinhas, bem longe ainda destes
presentes de doçuras e de tais reflexões,
embora talvez o previsse já, omnisciente que nasceu. Felizmente que o Dr.
Cavaco já não precisa de se incomodar com isso que nos recomenda a nós, que a
ele bastar-lhe-ão as rabanadas para se entreter na quadra festiva, pois já
muito fez ele por nós e por ele, não tenho dúvidas, em muitos Natais, resta-nos
aguardar o substituto, que fará parecido, todos fazem parecido. Mas a sua
recomendação teve como mérito a criação de mais uma bela prosa de Vasco Pulido
Valente, e esse é o melhor presente. De resto, cá por casa prefiro seguir o
politicamente correcto, entregando-nos apenas aos sabores gastronómicos e às
facécias da boa disposição familiar, na incomunicabilidade democraticamente
livre de aceitarmos as reflexões de cada um, compartimentos estanques nas
questões políticas que também ajudaram ao isolacionismo próprio dos muros em
moda, de uma falsa fraternidade.
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