terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Comunidade Vida e Paz


Tenho dois filhos e um genro –  o Ricardo, a Paula e o Quim – que de quinze em quinze dias fazem voluntariado na Comunidade Vida e Paz, o que para mim é acto heróico que nunca me passaria pela cabeça praticar, a vida que levei bem cheia de trabalho a pedir descanso nos fins de semana. Admiro-os, todavia, achando que, pelo menos esses praticam a abnegação por cá, sem tanta indiscrição como os que o fazem lá fora, seguidos pelas televisões, como exemplo de charme para o mundo se inteirar. No fundo, o que eu condeno, é esta situação de “sem abrigo” que pede a caridadezinha, que dantes, no tempo dos “pobrezinhos” tão criticada era, favorecida pelas senhoras sociais, na altura do Natal, sobretudo. Os que condenavam a caridadezinha, entendiam que o que era importante era abolir a pobreza e conceder direitos e haveres – e deveres - aos excluídos sociais, já tão badalados pelos nossos poetas de oitocentos, em tons de meiguice e pesar, as mais das vezes aureolados pela coroa do martírio e da resignação, esperando o Paraíso que a Bíblia lhes prometia – “Bem aventurados os que sofrem, porque deles é o Reino dos Céus”.
Mas o problema social, em vez de diminuir, multiplicou-se escandalosamente, numa perversão incontornável, de muitos factores na raiz do problema.
O Ricardo está feliz, pelo número dos “sem abrigo” que acederam a uma cura, nestes festejos da Comunidade Vida e Paz, como escreveu, no texto a seguir. Deve ser gratificante contribuir para elevar o nível de vida de quem se desviou dele, mas são tantos os casos hoje, que eram necessários reforços dos governantes, em termos de criação de estruturas morais, económicas, de trabalho… coisa de que muitos não querem ouvir falar, habituados a viver na sua liberdade de animais sem deveres nem dignidade, no parasitismo da sua atrofia moral e social.
Mas o texto do Ricardo é bom, porque se sente compensado no seu trabalho de conversor de almas perdidas.






Aí está mais uma festa de natal passada com a Comunidade Vida e Paz, a 27ª


Gostei de novo. Não há como não gostar. Desde o primeiro ao último dia, pelo segundo ano na equipa da Motivação, sempre a circular pelo recinto, de olhos bem abertos, tentando observar, sempre com um sorriso no rosto, quem estará disposto a dar o passo, conversando, oferecendo, encaminhando, acompanhando. Tudo aquilo que se faz na rua durante o ano inteiro, é aqui potenciado pela presença permanente dos técnicos do Espaço Aberto ao Diálogo.
Depois há a alegria enorme de reencontrar os voluntários que nos acompanham neste caminho mas que ao longo do ano se tornam invisíveis. Fico maravilhado pelas potencialidades por eles demonstrada na preparação cuidada de todas as áreas em que se centra o apoio às pessoas que nos visitam, o carinho que colocam em todas as tarefas e a alegria com que recebem.
Por fim vem o testemunho que nos é dado pelas pessoas que frequentam atualmente os centros de reinserção e por aquelas que, tendo já terminado o seu período de tratamento, se encontram hoje normalmente integradas na sociedade, trabalhando, tendo a sua vida familiar normalizada.
Recordo aqui três histórias que têm tudo para dar certo:
No primeiro dia, a arregimentar convidados no Rossio deparou-se-me com um que não tinha convite. Convidei-o ali, acompanhou-nos no autocarro, fez o check-in, acompanhei-o ao EAD e, espanto meu, nem queriam ouvir falar dele; foi atendido e reencaminhado para a Vitae onde ficará nos próximos dias em observação com vista à sua eventual reintegração num dos centros de tratamento da CVP.
Também nesse dia salvei uma pessoa do duche pois achei que primeiro teria de cortar o cabelo e aparar a barba; no Olhó passarinho, já depois do duche tomado, ficou irreconhecível pois parecia o padrinho da noiva; no dia seguinte voltou, acompanhei-o durante a hora do almoço convencendo-o a ir ao EAD e vislumbra-se a possibilidade de vir a integrar o centro da Sapataria.
No domingo, um miúdo no meio de outros, esses já agarrados, cheio de projetos de vida, do não querer para si a vida de drogas ou o rendimento mínimo mas sim a possibilidade de trabalhar num projeto seu, também as portas do EAD escancaradas. Voltei a encontrá-lo no final da festa, rodeado dos mesmos amigos, e os olhos brilhavam-lhe de alegria por ter acedido a partilhar os seus projetos com os técnicos.
É assim a festa de natal - de forma invisível, no meio de um mar de alegria, cerca de 90 pessoas foram atendidas com qualidade durante os três dias na cantina da cidade universitária de Lisboa.
Ricardo

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