terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Que me perdoe Caeiro



Nunca um escrito foi tão directo na crítica, tão objectivo nos dados que fornece, que vão da referência à falcatrua de todo o processo eleitoral, como a casos pontuais de ignorância linguística portuguesa, com erros de palmatória, no novo elenco governativo, que inclui António Costa, e a Ministra da Educação, além de outros exemplares que o Facebook denuncia, de arrepiar os cabelos - mas convenho que nos tempos que passam por nós, há muito tempo que os pruridos ortográficos ou fónicos deixam de fazer sentido no país – em suma sintetizadas as figuras “políticas” do elenco governativo na frase insultuosa ditada pela indignação, mas certamente que credível nas suas afirmações, porque escritas por pessoa intelectualmente e moralmente idónea, não tenho dúvidas em o afirmar, pelos princípios que sempre tem defendido de uma ética escrupulosa e de formulação arguta: «Não vou ao ponto de dizer que a nova ordem é a consagração dos clientes da taberna: é a consagração dos indivíduos que, expulsos da taberna, desataram a frequentar caves maçónicas compatíveis com o seu nível. Privados de uma reles ideia, a não ser a da impunidade "natural", exibem petulância directamente proporcional à rudeza que os define. Por cá, a espécie é igualmente apelidada de "elite". E ninguém se ri, até porque dá vontade de chorar.»
Um país de mentirinha, dirigido por novos “guardadores de rebanhos”, deitados na sua realidade comezinha de «pensamentos que são todos sensações”, e que pensam «com as mãos e os pés» e outras partes do corpo, muito anti metafísicos, porque a sua realidade, que embora só por brincadeira tenha a ver com a de Alberto Caeiro, excluída a intelectualidade deste, parece deslizar também numa de sensacionismo ambicioso e doentiamente falso ou fútil:

A nova ordem nacional
Alberto Gonçalves
DN, 29/11/15
Recapitulemos. A 4 de Outubro, a vitória da coligação de "direita" e da "austeridade" provou que o povo é masoquista e retardado. Horas depois, ou o tempo necessário para contar os deputados, apurou-se que afinal a maioria do povo derrotou a "austeridade" nas urnas e concluiu-se, com alívio, que o povo masoquista e retardado é minoritário. O exercício, então, consistiu em parodiar na internet e na nobre arte do comentário político a falta de competência aritmética da "direita", já que 122 lugares na AR são mais do que 107 - "Qual é a parte que não percebem?", repetia-se por aí. Dada a suprema importância dos parlamentares, exigia-se que o PR indigitasse a aliança de esquerda sem ouvir nenhum. Enquanto isso, insultava-se "o Cavaco", que por sua vez indigitou Passos Coelho. Derrubado Passos Coelho, reclamou-se a nomeação imediata do Dr. Costa, ameaçou-se com baderna pública e decidiu-se que "o Cavaco", entretanto ocupado a receber meio mundo, não respeita a Constituição e o eleitorado, embora o homem agisse de acordo com a primeira e tivesse sido eleito em duas ocasiões pelo segundo (a parcela masoquista e retardada). Tudo, da sagrada "lei fundamental" à plebe, existe apenas para ser torcido a benefício da vanguarda esclarecida.
Hoje, com a cedência do PR à piedosa mentira da "inevitabilidade" do governo PS, enterrou-se (entre insultos) "o Cavaco" e passou-se a biografar os membros da coisa como se os ditos fossem para levar a sério. Não são. Desde logo, são, sem excepção ou dúvida, cúmplices de uma golpadazita - inteiramente "conchcinal", dirá o Dr. Costa -, o que por si define o respectivo carácter. À lupa, são no máximo antigos serviçais da autarquia, zombies "socráticos", favores, flores, emissários de interesses, em suma ninguém. Dissecar o currículo formal de cada um, mesmo agrupando os diversos agregados familiares que por lá andam, tem utilidade reduzida e não será grande contributo para prever o futuro e a essência do novo tempo, do novo homem, enfim da nova ordem emergente. A nova ordem está nos pormenores, e nem se esgota no rancho que tomou posse há dias.
Está, por exemplo, num primeiro-ministro que troca o jargão político por um jargão pessoal vagamente aparentado ao português (se ler conforme fala, o "brilhante negociador" ainda irá a meio do clássico Anita Vai ao Circo). A nova ordem está num ministro das Finanças que parece saído dos flashbacks de Family Guy e entrado no circo a que a Anita foi. Está num candidato presidencial oficioso que promete "puxar por Portugal" e, juro pela minha saudinha, ser "um saca-rolhas". Está no ex-governante suspeito de múltiplos crimes que palmilha o território nacional em missão evangélica. Está numa ex-ministra da Cultura, e vibrante entusiasta da "situação", que avisa no Twitter: "Há [sic] direita prefere-se que não se emitam opiniões." Apesar disso, é "há" esquerda que as opiniões incomodam mais.
A nova ordem está na fresquíssima secretária de Estado da Igualdade ou da Fraternidade, que em tempos explicou no Facebook: "Como sabem eu [sic] não tenho por hábito fazer sensura [sic], mas não tulero [sic] insultos (...)". E está no sensor, perdão, censor que saltitou da ERC para a tropa, com escala pedagógica a norte. E está na sugestão do Sr. Seixas da Costa, personalidade conhecida por zelar pela educação parisiense do Eng. Sócrates e por se indignar com a falta de "estrelas" Michelin em Portugal: "A ideia não será popular, mas não seria a ocasião para se introduzir uma transparência total nas redes sociais acabando com o anonimato?" E está no assombroso Dr. Ferro. E no nobilíssimo Dr. César dos Açores. E em sujeitos que passeiam títulos e pêlos nas orelhas em simultâneo. Quem é essa gente, Deus do céu?
Não vou ao ponto de dizer que a nova ordem é a consagração dos clientes da taberna: é a consagração dos indivíduos que, expulsos da taberna, desataram a frequentar caves maçónicas compatíveis com o seu nível. Privados de uma reles ideia, a não ser a da impunidade "natural", exibem petulância directamente proporcional à rudeza que os define. Por cá, a espécie é igualmente apelidada de "elite". E ninguém se ri, até porque dá vontade de chorar.
Ao que tudo indica, a "direita" ficou sinceramente escandalizada com a jovialidade com que o PS traiu os próprios "princípios", aliou-se às beatas de Lenine e, após 40 anos de ténue civilização, enxovalhou a data fundadora do regime. Ou a "direita" perde a virgindade ou não volta a levantar-se. O único "princípio" do PS é a convicção profunda e feroz de que nasceu para mandar nisto, custe o que custar. E, se custa muito resignarmo-nos à arrogância de rústicos, a eles custa pouco partilhar o poder com quem partilha a descrença na democracia e a crença na superioridade inata. Só espanta que o arranjinho demorasse tanto. A nova ordem, feita de brutalidade, retórica de 4.ª classe (sem exame), intolerância, comparsas, falências, delírios, respeitinho e a terminal anexação do país pelo Estado, é um projecto velho.

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