domingo, 13 de dezembro de 2015

Rir é ainda o melhor remédio



Figuras, figurões, figurantes, figurinos, modelos do nosso estar no mundo, representantes que surgem ao sabor das nossas mudanças de repasto, que vamos deglutindo com maior ou menor fruição, com maior ou menor sofreguidão. Mas Vasco Pulido Valente é dos que analisa a composição dos sabores de cada prato e os retratos aí ficam, exactos, a emparelhar com outros que a nossa literatura estilizou, sobretudo pela pena de Eça, e que na de Vasco Pulido Valente é igualmente perspicaz, mas mais ferozmente vexatória.
O primeiro artigo – «Uma história à portuguesa» -  é sobre uma figura que passeou os seus ócios à sombra benfazeja de um pai igualmente ocioso – nunca, contudo, de palavras vagamente abstractas, com alguns actos concretos da sua figuração de arrogância optimista e egocêntrica. Mas o que assusta mesmo, mais do que a banalidade da personagem que Pulido Valente desarticula, são as promessas do seu programa: «O programa do Governo, num gesto de loucura, promete: a) descentralizar as decisões sobre o património cultural, o que é o melhor e o mais rápido caminho para o destruir; b) regular o “estatuto do artista”, com que ficarão armados os vigaristas do costume e uns milhares de novos vigaristas, que aparecem nas “revistas” de alguns jornais que se dedicam a atrair a juventude; c) criar um “cartão + cultura”, para o patronato atribuir aos trabalhadores e os trabalhadores poderem ir à ópera e lerem Proust com um confortável desconto; e finalmente d), estabelecer a gratuidade universal para o acesso aos museus (sejam eles quais foram) e aos monumentos nacionais. O patronato pagará esta caridosa campanha, a título de mecenato.» O vazio de um projecto cultural, a insignificância de propostas , o salientar do nosso useiro e vezeiro recurso a patrocínios ou apoios mecenáticos segundo os moldes habituais do compadrio, certamente, ou da saliência mediática. E assim vamos continuando, besteiros desafiantes, como os da lenda de S. Frei Gil, “cá por aqui é honra”. A nossa.
Quanto ao artigo sobre Jerónimo de Sousa - «Cretinismo parlamentar» - ele prova o desprezo de Pulido Valente por uma esquerda inepta que se alia ao PS numa fusão que nunca poderá efectivar-se, com um PCP parado no tempo, sociedade secreta que António Costa tentou penetrar a seu favor, e que olha de olhos esbugalhados provavelmente o atoleiro em que se meteu, habituada que está aos balbucios ou rugidos da sua discursata monocordicamente esmoler e acusatória. E um país que nada soube dessa junção de impenetrabilidade, e que tudo desconhece da penetrabilidade possível …
Riamos, então, disto tudo.                                                   

Uma história à portuguesa
Público, 05/12/2015
Não gosto muito de João Soares, nem como homem, nem como político. Mas, de qualquer maneira, reconheço que, já perto da reforma, ele merecia uma recompensa pela sua constante fidelidade ao PS e pelo recato em que viveu à sombra protectora do pai. Feito finalmente ministro da Cultura, um cargo insignificante e sem futuro, os jornais descobriram que ele era também um rival menor de Miguel Sousa Tavares e de José Rodrigues dos Santos. Enquanto andava por aí a perorar na televisão e em S. Bento, Soares aproveitava os tempos livres para escrever romances de que não sei nada, excepto que são assinados por pseudónimos, Hans Nurlufts e John Sowinds, duas cómicas traduções do seu próprio nome. Quem os leu, diz que tratam do submundo da intriga internacional e que, de quando em quando, para espevitar o leitor, têm algumas cenas que roçam o pornográfico.
O programa do Governo, num gesto de loucura, promete: a) descentralizar as decisões sobre o património cultural, o que é o melhor e o mais rápido caminho para o destruir; b) regular o “estatuto do artista”, com que ficarão armados os vigaristas do costume e uns milhares de novos vigaristas, que aparecem nas “revistas” de alguns jornais que se dedicam a atrair a juventude; c) criar um “cartão + cultura”, para o patronato atribuir aos trabalhadores e os trabalhadores poderem ir à ópera e lerem Proust com um confortável desconto; e finalmente d), estabelecer a gratuidade universal para o acesso aos museus (sejam eles quais foram) e aos monumentos nacionais. O patronato pagará esta caridosa campanha, a título de mecenato.
No meio disto tudo, o dr. João Soares declarou que o “seu objectivo”, muito pessoal, é “transformar a cultura num factor de desenvolvimento”, embora por enquanto não se desse ao trabalho de explicar a mecânica desse extraordinário e nunca visto milagre. Mas não se deve esperar dele o que ninguém até hoje conseguiu: uma visão clara do papel do Estado numa área que vai da gravação da música clássica portuguesa até à reabilitação do centro histórico de algumas dezenas de cidades, a começar por Lisboa. Apesar das generosas palavras do programa do Governo, João Soares não irá com certeza contar com muito dinheiro. O que fatalmente o reduzirá a distribuir subsídios para frivolidades sem sentido e a pagar um ou outro favor eleitoral. Uma penúria que, no fundo, não prejudica o país. Quando mais depressa se perceber a inutilidade do Ministério da Cultura, mais depressa ele acabará.

“Cretinismo parlamentar”
Público,6/12/2015

É triste dar esta notícia ao Partido Comunista, mas Lenine passou a vida a desaprovar o que ele está a fazer agora. Claro que o Partido Comunista já não sabe quem foi Lenine e naturalmente não leu uma palavra dele. De qualquer maneira, não deve ser agradável descobrir que o homem, com a sua proverbial delicadeza, achava que alianças como as de agora com o PS eram puro “cretinismo parlamentar”. Claro que Estaline e alguns sucessores o permitiram meia dúzia de vezes (e tarde de mais), com o fim altruísta de fortalecer a posição interna da URSS, coisa que, infelizmente, não se aplica ao Portugal de 2015. Só que nenhuma autoridade se atreveu a abolir o princípio, e Jerónimo de Sousa deve olhar hoje com melancolia para as bancadas da extrema-esquerda cheias dos seus queridos cretinos votando no PS.
Entretanto, os portugueses que não pertencem à seita ficaram na simpática situação de não saber quem os governa. O dr. António Costa não, porque depende do PC, e o PC também não, porque é uma organização semi-secreta. Ninguém conhece o nome ou viu a cara dos membros da Comissão Central ou do Secretariado. Ninguém tem a mais remota ideia sobre as finanças do partido, sobre quem verdadeiramente manda lá dentro ou sobre o que ele quer e para onde vai. E menos se ainda vive em 1952 ou 1989 ou se, por acaso, conseguiu com esforço descobrir que está noutro século e noutro mundo, facto que o deixará maravilhado. Mesmo quando se chocalha, o PC não dá sinais de agitação. Continua quieto e calado, sem mostrar vestígio de uma ideia ou de uma simples comoção.
Deus, se puder, lhe perdoará. Mas sucede que, neste momento, e esperemos que por pouco tempo, nós somos governados por uns senhores sem cara, que decidem o que lhes convém à nossa revelia, por razões que não nos comunicam. Ora, por enquanto, nós não somos mujiques da Grande Rússia, nem o Exército Vermelho resolveu acampar no Terreiro do Paço. O dr. António Costa, que usa o título de primeiro-ministro, tinha a obrigação de informar o público sobre o que anda ou não anda a negociar (não é ele um homem de negócios?) com o PCP. A maioria dos portugueses com certeza que se interessa pela conversa e, por uma vez, Costa cumpriria as regras de um velho e desusado regime que se chama democracia. Mas Costa adoptou os costumes dos seus presentes patrões e não abre a boca. “Cretinismo parlamentar”, mas muito útil.

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