«Ninguém aceita uma parcela de
poder sem a condição de uma parcela de malvadeza», (Alain, pseudónimo literário de
Émil-Auguste Chartier, 1868-1951, ensaísta e filósofo francês): Pensamento do «Escrito na Pedra» que encima a última
página do Público de 28/11/15, donde já extraí o “Acabou!!!!
Acabou. Acabou?» de José Pacheco Pereira e a que os artigos que
seguem – «Porque sim», de Vasco Pulido Valente e a “Editorial”
–«A “agenda improvável” de Costa» podem servir de resposta, no
seu conteúdo de responsabilidade feita de amadurecimento cultural e ético, que
a idade ainda não trouxe a José Pacheco Pereira, envolto nas brumas venenosas
de um muito saber destituído da necessária cordura e equilíbrio, impregnado dos
resquícios da doutrinação marxista – necessária, sim, mas sem os radicalismos utópicos
e falsos próprios de todos os radicalismos, tais os que a Revolução Francesa já
igualmente difundira, com muita malvadez, de mistura com as belas teorias dos seus
filósofos enciclopedistas, e ainda os radicalismos que os jihadistas nos tempos
presentes pretendem impor hoje, no desregramento da sua vileza sem tabus, sob
falsos pretextos religiosos.
Na verdade, se o governo de Passos Coelho, a que se
refere o Tri “Acabou” de Pacheco Pereira, foi duro e austero e com
muitas falhas, não podemos deixar de reconhecer que, na camisa de onze varas em
que necessariamente se viu metido, não poderia actuar de uma forma muito
diferente, se queria livrar-se dela honrosamente, como parece que fez. Vasco
Pulido Valente traça o retrato de mais esta vergonha nacional de um Costa
usurpando um lugar que lhe não pertence, com os seus satélites rindo felizes,
sem lhe dar garantias de eficácia colaboracionista, e um país acomodado, alinhando
na falcatrua, no cinismo e na comezaina eufórica. Também Paulo Portas o apontou
no seu brilhante discurso, aquando da moção de rejeição do governo usurpado,
como, aliás, todos os da direita que então se pronunciaram.
É certo que poucos querem saber de pagar dívidas,
neste país em que se foi aumentado com dinheiro alheio, e a iniciativa do
governo anterior de pagar a dívida, os senhores e as senhoras apoiantes de
Costa, desdenham, nos velhos discursos com sabor aos dos reclamantes da nossa
juventude, hippies, se lhes chamava, mas postos na boca de gente que nada tem
de hippie hoje, porque lhe cobre a cabeça antes o véu da sua unção, e lhe enche
as mãos antes o missal da sua devoção e do seu cinismo. Os hippies – e os existencialistas,
que aqueles também eram – contestavam a burguesia endinheirada a que pertenciam,
estes desejam massificar uma sociedade pela igualdade, no seu ódio à diferença,
coisa que por cá, aliás, já conseguiram.
Foi no que se transformou a libertação da “ditadura”. A
liberdade não formou homens, porque lhes faltaram os princípios. E a perversão
veio, gradualmente, manchando o caminho, descambando na irracionalidade dos
pensamentos, nisto, no “porque sim” de Pulido Valente, a que se aplica o
axioma do Escrito na Pedra: «Ninguém
aceita uma parcela de poder sem a condição de uma parcela de malvadeza».
Mas a reposição dos direitos
dos “trabalhadores”, segundo Pulido Valente e a Editorial, parece mergulhar no
vazio de uma utopia que o tempo talvez não tarde em demonstrar. Oxalá que não.
Porque sim…
Vasco Pulido Valente
Público 28/11/2015
A esquerda manifestou ontem a sua alegria, embora
misturada com uma certa raiva a Cavaco, agora absolutamente inútil. Se deixasse
o cavalheiro espernear sozinho em Belém, não tinha estragado a sua festa. Até
porque, como de costume, o conformismo do indígena entrou logo em cena e,
tirando um ou outro caso de convicção e teimosia, os jornais, o Komentariado e
a televisão começaram logo a louvar o inominável governo do sr. Costa e as
felicidades que ele seguramente nos traria. Houve mesmo um originalíssimo
grupo de beatos que resolveu promover um jantar na Casa do Alentejo para
comungar na alegria colectiva da vitória, com o proverbial lombo de porco e
batatas fritas. Deus lhes dê uma longa vida e muitos pretextos para se unirem
assim na sua fé.
Cá de fora, não pareceu que os motivos dessa tão
devota euforia merecessem uma grande confiança. Compreendo muito bem que um subsídio, uma encomenda
ou uma ajudazinha no emprego alegrem a alma. Mas não parece que o “bodo aos pobres”,
como a direita lhe chama, ou a “redistribuição”, como lhe chama a esquerda,
venha a ser uma coisa por aí além. Num país com a dívida pública e privada de
Portugal e uma economia pequena e frágil, em que se investe pouco e mal, não
sobra muito para acabar com a miséria, o desemprego e a pobreza de uma “classe
média” que nunca chegou verdadeiramente a existir. O óbolo que se pretende
dar aos “mais desfavorecidos” não lhes devolverá o optimismo do tempo em que, à
superfície, o mundo se mexia a seu favor e ninguém esperava um percalço ou uma
catástrofe.
Hoje, o dr. Costa e as suas tropas contam, para nos
livrar deste desgraçado destino, com o aumento do consumo interno da gente
encalacrada a quem deram uns cêntimos, com uma extraordinária epopeia científica
e cultural (?) e com os milhões do universo exterior que serão atraídos pelo
PCP e o Bloco e pelo seu conhecido tacto para receber e regular a iniciativa
privada. Quanto ao resto, 19 ministros, 41 secretários de Estado e, como
certeza, umas centenas de assessores saídos direitinhos da América e da
Inglaterra bastam para pôr em ordem a vida portuguesa e a administração, de
acordo com os melhores preceitos da arte. Pena que o Partido Socialista falhe
sempre com Soares, com Guterres, com Sócrates. Mas desta vez não falhará com
Costa. Porquê? Porque sim.
A “agenda
improvável” de Costa
Direcção
Editorial
Público, 28/11/2015
Não é preciso acompanhar de muito perto a política nacional
para perceber que talvez o mais difícil para António Costa ainda esteja para
chegar e que o novo primeiro-ministro vai ter de fazer a quadratura do círculo
para conseguir ultrapassar os muitos desafios e obstáculos que tem pela frente.
O longínquo The Times of India publicava esta quinta-feira, dia de tomada de
posse do XXI Governo Constitucional, uma notícia em que, para além de se congratular
com o facto de o novo primeiro-ministro ser “de origem goesa”, resumia de
uma forma inteligente e informada os tempos “difíceis” que Costa tem pela
frente: “Simultaneamente [terá de] assegurar os compromissos com a União
Europeia e dialogar com partidos de esquerda que rejeitam o acordo desde o
início, insistir num programa socialista que permita uma redução sustentável de
défice e dívida, aumentar salários mínimos e descongelar pensões.” Um
caderno de encargos que o jornal indiano classificava de “agenda improvável”.
No Parlamento, esta sexta-feira percebeu-se as dificuldades
que o líder dos socialistas vai ter para tornar provável essa “agenda
improvável”; a maior parte das propostas mais sensíveis
de alterações às leis que subiram ao plenário acabaram por descer às
respectivas comissões sem votação para serem discutidas na especialidade. Um
adiamento que mostra que ainda há muito trabalho a fazer para que haja uma
convergência à esquerda que seja consequente.
Aliás,
a “posição conjunta do PS e do PCP sobre a situação política”, um dos acordos
que permitiram aos socialistas chegar ao poder, já alertava para uma lista de
temas sensíveis em que, “apesar de não se ter verificado acordo quanto às
condições para a sua concretização, se regista uma convergência quanto ao
enunciado dos objectivos a alcançar”. Dois desses temas sensíveis, a
extinção da sobretaxa do IRS e o fim dos cortes nos salários da função pública,
chegaram ontem ao Parlamento, mas foram remetidos para discussão na
especialidade nas respectivas comissões, sem votação. Aliás, todos os restantes
dossiers levados pela esquerda à Assembleia da República, à excepção do fim dos
exames do 4.º ano do ensino básico, tiveram o mesmo destino, ou seja, o
adiamento. A direita, agora na oposição, não perdeu tempo e tentou transformar
os adiamentos num caso político. “A decisão da esquerda ou das esquerdas é
adiar, adiar, adiar”, comentava Cecília Meireles do CDS.
Os
deputados têm agora 20 dias para fazer a discussão na especialidade para que as
propostas possam voltar a ser votadas. Um tempo que António Costa terá de
aproveitar para se sentar à mesma mesa com Jerónimo de Sousa e Catarina Martins
e tentar chegar a um consenso, sobretudo quanto à velocidade com que se vai
tirar o pé do acelerador da austeridade. A falta de entendimento sobre estes
temas sensíveis numa altura tão precoce da legislatura equivaleria a uma sentença
de morte para este Governo.
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