Só o doce António Nobre me acode, nos arroubos mórbidos
do seu sonhar acordado sobre a donzela que lhe estará destinada, graças a uma fada
madrinha, generosa mas de ambição anquilosada, de acordo com o estado
patológico do poeta, de emoção e pressentimento do fim. Uma donzela purinha,
que acode aos aflitos e é esmoler, e terá com o seu esposo as atenções
convencionais da mulher amante e virtuosa, na casinha aconchegada, embora
sombria das suas maleitas, a que os cravos vermelhos trarão a desejada harmonia
e estímulo:
Meninas, lindas meninas
Qual de vós é o meu
ideal?
Meninas, lindas
meninas,
Do Reino de Portugal!
Do Reino de Portugal!
Assim será o nosso presidente. Virtuoso como a Purinha
do António Nobre. Qualquer deles assim se acha, com os tais predicados à nossa
medida – escassez de brilho, apesar dos meneios dandinescos no caso de Sampaio
da Nóvoa, ou do discorrer profuso que lhe é peculiar, no caso de Marcelo Rebelo
de Sousa, ou dos excursos pessoais de Maria de Belém, acrescidos da
racionalidade q.b. da sua aparente experiência política, de profunda similitude
com a imagem da Purinha do nosso Anto, embora de maior aspiração, ou dos
chavões conscientemente piedosos de Marisa Matias, nas suas sínteses de sebenta
amachucada do muito folhear. Como Anto, mas na questão do presidente, também
procuro e não encontro, por falta de fada madrinha. O meu voto será branco,
assim, a condizer com o imaculado da quimérica Purinha:
Meninas, lindas meninas
Qual de vós é o meu
ideal?
Meninas, lindas
meninas,
Do Reino de Portugal!
Do Reino de Portugal!
E o perfeito retrato de
Sampaio da Nóvoa, no traço de Vasco Pulido Valente, me ajuda a ir excluindo:
Uma vergonha
Dizem que, no fim da vida, Lenine lamentava a falta de
“cultura” dos russos. E, se foi esse o caso, tinha razão: o comunismo não foi
mais do que uma máscara do império dos czares. É evidente que a Frente Nacional
de Le Pen tem uma longa história, que vai da Restauração ao “caso” Dreyfus e do
“caso” Dreyfus a Vichy e ao general de Gaulle. As raízes da maioria de Costa
também já estavam no arcaísmo do Partido Comunista, no espectáculo político e
na insubstancialidade do Bloco e na amálgama da Maçonaria e da classe média
bem-pensante, donde nasceu o PS. Não admira que dessa confusão sentimental,
treinada na intriga e sem ideias, tivesse saído um candidato à Presidência da
República, chamado António Sampaio da Nóvoa. Ontem esse misterioso
indivíduo apareceu na televisão.
Num português impreciso e vago, tentou apresentar a
sua indistinta pessoa aos portugueses. Infelizmente para ele, continuou a
ser um cabide velho em que a esquerda pendurou alguns lugares-comuns, que
começam por não fazer sentido e acabam por não convencer ninguém. O dr. Nóvoa
apresenta como a sua maior credencial o facto de Ramalho Eanes, Mário Soares e
Jorge Sampaio lhe darem a sua bênção e o seu apoio. Mas nenhum dos três se
explicou ainda a esse respeito e o país continua sem saber o que eles, com a
sua suposta clarividência, viram naquela tristíssima personagem. Além
disto, que não é nada, o dr. Nóvoa tentou tomar um arzinho de Estado, coisa
que lhe saiu postiça e aprendida de cor: ele nunca tomou uma única decisão de
Estado, nem nunca decidiu sobre nada de verdadeiramente importante.
A título de recomendação pessoal, o dr. Nóvoa garantiu
que a sua “imparcialidade” resistiria a tudo, que amava a liberdade
extremadamente e que não se candidatava “em nome de tricas políticas”. Há
milhões de portugueses que podiam com a mesma cara garantir o mesmo. Só que o
dr. Nóvoa quer “abrir agora um novo ciclo”, embora não explicasse exactamente
do que se tratava, e acha que Marcelo representa a “austeridade” e o “antigamente”.
Melhor: se o elegerem Presidente, ele abrirá uma “discussão pública” sobre
“três pontos de interesse nacional”: a “qualidade da democracia”, a
importância do conhecimento e da cultura e, calculem, sobre a “Europa”.
A Pátria agradece, porque sem ele não lhe ocorreria falar sobre assuntos tão
originais. Com estas e com outras, o dr. Nóvoa tem 13,2 por cento nas
sondagens. Mas se tiver mais do que um voto (o dele) os portugueses que se
envergonhem e que não se queixem.
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