segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Qual de vós é o meu ideal?



Só o doce António Nobre me acode, nos arroubos mórbidos do seu sonhar acordado sobre a donzela que lhe estará destinada, graças a uma fada madrinha, generosa mas de ambição anquilosada, de acordo com o estado patológico do poeta, de emoção e pressentimento do fim. Uma donzela purinha, que acode aos aflitos e é esmoler, e terá com o seu esposo as atenções convencionais da mulher amante e virtuosa, na casinha aconchegada, embora sombria das suas maleitas, a que os cravos vermelhos trarão a desejada harmonia e estímulo:
Meninas, lindas meninas
Qual de vós é o meu ideal?
Meninas, lindas meninas,
Do Reino de Portugal!
Assim será o nosso presidente. Virtuoso como a Purinha do António Nobre. Qualquer deles assim se acha, com os tais predicados à nossa medida – escassez de brilho, apesar dos meneios dandinescos no caso de Sampaio da Nóvoa, ou do discorrer profuso que lhe é peculiar, no caso de Marcelo Rebelo de Sousa, ou dos excursos pessoais de Maria de Belém, acrescidos da racionalidade q.b. da sua aparente experiência política, de profunda similitude com a imagem da Purinha do nosso Anto, embora de maior aspiração, ou dos chavões conscientemente piedosos de Marisa Matias, nas suas sínteses de sebenta amachucada do muito folhear. Como Anto, mas na questão do presidente, também procuro e não encontro, por falta de fada madrinha. O meu voto será branco, assim, a condizer com o imaculado da quimérica Purinha:
Meninas, lindas meninas
Qual de vós é o meu ideal?
Meninas, lindas meninas,
Do Reino de Portugal!
E o perfeito retrato de Sampaio da Nóvoa, no traço de Vasco Pulido Valente, me ajuda a ir excluindo:
Uma vergonha
Público, 11/12/2015

Dizem que, no fim da vida, Lenine lamentava a falta de “cultura” dos russos. E, se foi esse o caso, tinha razão: o comunismo não foi mais do que uma máscara do império dos czares. É evidente que a Frente Nacional de Le Pen tem uma longa história, que vai da Restauração ao “caso” Dreyfus e do “caso” Dreyfus a Vichy e ao general de Gaulle. As raízes da maioria de Costa também já estavam no arcaísmo do Partido Comunista, no espectáculo político e na insubstancialidade do Bloco e na amálgama da Maçonaria e da classe média bem-pensante, donde nasceu o PS. Não admira que dessa confusão sentimental, treinada na intriga e sem ideias, tivesse saído um candidato à Presidência da República, chamado António Sampaio da Nóvoa. Ontem esse misterioso indivíduo apareceu na televisão.
Num português impreciso e vago, tentou apresentar a sua indistinta pessoa aos portugueses. Infelizmente para ele, continuou a ser um cabide velho em que a esquerda pendurou alguns lugares-comuns, que começam por não fazer sentido e acabam por não convencer ninguém. O dr. Nóvoa apresenta como a sua maior credencial o facto de Ramalho Eanes, Mário Soares e Jorge Sampaio lhe darem a sua bênção e o seu apoio. Mas nenhum dos três se explicou ainda a esse respeito e o país continua sem saber o que eles, com a sua suposta clarividência, viram naquela tristíssima personagem. Além disto, que não é nada, o dr. Nóvoa tentou tomar um arzinho de Estado, coisa que lhe saiu postiça e aprendida de cor: ele nunca tomou uma única decisão de Estado, nem nunca decidiu sobre nada de verdadeiramente importante.
A título de recomendação pessoal, o dr. Nóvoa garantiu que a sua “imparcialidade” resistiria a tudo, que amava a liberdade extremadamente e que não se candidatava “em nome de tricas políticas”. Há milhões de portugueses que podiam com a mesma cara garantir o mesmo. Só que o dr. Nóvoa quer “abrir agora um novo ciclo”, embora não explicasse exactamente do que se tratava, e acha que Marcelo representa a “austeridade” e o “antigamente”. Melhor: se o elegerem Presidente, ele abrirá uma “discussão pública” sobre “três pontos de interesse nacional”: a “qualidade da democracia”, a importância do conhecimento e da cultura e, calculem, sobre a “Europa”. A Pátria agradece, porque sem ele não lhe ocorreria falar sobre assuntos tão originais. Com estas e com outras, o dr. Nóvoa tem 13,2 por cento nas sondagens. Mas se tiver mais do que um voto (o dele) os portugueses que se envergonhem e que não se queixem.

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