Como sempre, Vasco Pulido
Valente acerta em cheio nas suas análises
enriquecidas por um saber histórico que distende a nossa visão pelos
cordelinhos dos comos e dos porquês das nossas andanças políticas. Desta vez é
sobre a impossibilidade visceral de uma aliança do PS à esquerda, dentro dos
moldes clássicos de um PS risonho e franco e dado às benesses da vida, como foi
o estabelecido por Mário Soares, que prezou a liberdade folgazã e necessitou da
Europa para a estabelecer – a liberdade em bonança. Daí que, se António Costa desejar
defender a mesma dama prazenteira, terá que se haver com o seu novo patrão,
daqueles patrões que ganharam o mesmo fácies e até a mesma voz do primitivo, de Álvaro Cunhal,, resultado
da muita insistência num discurso jamais mudado da sua doutrinação fechada a
quaisquer achegas, apesar do abate da muralha em má hora erguida e em boa hora
destruída, por esse homem superior que se chamou Gorbachev. Não, tanta é a
fervente comunhão de António Costa com o seu amo e senhor, embora finja ser
livre, que até inventou uma metáfora de sentido inverso: o muro derrubado não fora, afinal, o criado pela URSS, de significado separatista e amputador da paz, fora o criado por uma Europa inimiga figadal da ideologia russa, que ele, Costa, se propôs
aniquilar, mesmo em condições pouco dignas de aceitação e que todos acabámos
por aceitar, em mansidão de apreço e relaxe.
Contrariamente, pois, a Vasco Pulido Valente, que
ainda se indigna – porque talvez tenha vivido em euforia o 25 de Abril e não tenha
atentado nos que viraram rapidamente para a nova ordem - eu não me indigno, nem
admiro, experiente que sou dessas démarches de viradeira, que vivi em
desconfiança - nem condeno Costa por preferir a esquerda, que lhe proporcionou
o bem-estar de que usufrui presentemente, por concordar, afinal, com os pontos
essenciais da doutrinação comunista: os direitos dos trabalhadores –
assim entendendo sobretudo os das classes desprotegidas, que os que mais
estudaram parece não terem direito – às vezes até com razão, embora a
incompetência seja um traço comum nosso - a esse estatuto distintivo - a
condenação da propriedade e do capital e por isso da Europa rica e dos
ricalhaços, incluindo os trabalhadores de lá que proporcionaram o
bem-estar de cá – a defesa dos velhos e de todos os pobrezinhos e isso
tudo são traços de bom carácter, de muita bondade, até já apercebidas em Cristo
e no Buda e nos dois S. Franciscos.
De resto, ao ouvir o “ponto final parágrafo”
com que Marcelo Rebelo de Sousa, o nosso próximo presidente, apimentou a sua
entrevista ontem, julgo que não foi nada inferior a Costa em vilania e
banalidade no seu discurso de “fala-barato”, como lhe chamava a minha mãe. Sendo
apoiado pelo PSD, propõe-se desligar-se do partido, para melhor se definir como
“presidente de todos os portugueses”. Apartidariamente. Um homem contente
consigo, igual a todos os outros concorrentes ao cargo, um amigo de todos, um amigo
de si. E nada mais: «ene a, dê, a», como frisou em certo contexto, muito
comum, muito saloio, muito nervoso: NADA - «ene a, dê, a». O mesmo.
Os dois governos
Vasco Pulido Valente
Público, 4/12/2015
Depois
dos temores do professor Vítor Bento, ninguém se deu ainda ao trabalho de
examinar o que resta hoje do partido de Álvaro Cunhal, que sempre seguiu,
dentro das suas fracas forças, a ortodoxia da Internacional ou, se quiserem, da
Igreja Comunista. Nesta última crise, nunca se tocou em alguns pontos que, no
entanto, são essenciais. Um deles é o chamado “centralismo democrático”. Quando
se discutia a ilegitimidade da “frente de esquerda” ou a “legitimidade” da
coligação CDS-PSD, em nenhuma das gritarias que por aí houve se mencionou o
facto de o PC continuar solidamente a ser um partido antidemocrático, em que os
dirigentes superiores decidem e determinam tudo, desde o pessoal ao que dizer
em cada altura e em cada lugar. Se o PS existe, se todo o socialismo existe, é
por terem recusado esta espécie de tirania.
Não
vale a pena fazer aqui a longa lista da gente que saiu do partido por não
conseguir aguentar a vida de caserna que ele universalmente impunha e os
métodos policiais com que vigiava os seus vários suspeitos de indisciplina ou
dissidência. Mas vale a pena registar para memória futura que o PS procurou e,
mais do que isso, aceitou depender de uma máquina que só dura hoje em Portugal
e que é sem dúvida uma das piores aberrações do século XX. António Costa
insistiu na “democratização” dos socialistas (ou seja, nas “primárias”) para
remover Seguro e se instalar ele no cobiçado assento de secretário-geral.
Infelizmente os resultados 4 de Outubro apagaram esses compromissos, que se
julgavam sérios, para permitir uma aliança torpe e o levar depressa a
primeiro-ministro, dignificando de caminho um método político, o “centralismo
democrático”, que matou milhões.
Mas,
tarde ou cedo, Costa pagará esse erro infame. Está agora suspenso das lutas da
meia dúzia de potentados que mandam no PC. Nem ele pode por puro
desconhecimento intervir nelas, nem se pudesse o deixariam intervir. Fica assim
à mercê de um corpo estranho que ele próprio instalou na sua maioria,
insensível a qualquer argumento que venha de fora ou a qualquer tipo de
sedução. Não há em última análise um governo socialista. O que há são dois
governos sob a estranha designação de “maioria”: um do PS, sem força própria
para se sustentar, e outro do PC, que estará quieto e cooperante, enquanto lhe
derem o que ele pedir (conste ou não conste o que ele pedir das ridículas
“posições conjuntas” que por formalidade assinou). Costa e a sua gente vão
aprender muito nos próximos meses.
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