domingo, 20 de dezembro de 2015

Curtas bondades



Um artigo do Embaixador Francisco Seixas da Costa, publicado no “A Bem da Nação”, que tantos outros “reaccionários” actuais subscreveriam na íntegra:

«Reaccionário me confesso….»
Francisco Seixas da Costa
«A pressa (qual é a pressa?) de legislar para acabar com o exame da "quarta classe" (sou de um outro tempo, pois claro) é algo que não consigo entender. Ou melhor: posso perceber que estas micro-agendas dos "compagnons de route" do PS possam fazer sentido para eles, mobilizados por temáticas modernaças e de "contemporaneidade". Mas não entendo por que é que o PS vai a reboque delas.
O exame colocava "stress" nas criancinhas? Claro que sim! E depois? Lembro-me de ter dormido muito mal antes do meu exame da "quarta classe", de ter tido pesadelos nas vésperas do "exame de admissão" ao liceu (e fiz também à Escola Comercial e Industrial, não fosse dar-se o caso de reprovar no liceu). E o que eu passei, entre angústias e insónias, antes da montanha de exames do 2º ano do liceu, com os meus pobres 12 anos. E as noites longas, a "marrar" temas áridos de História do Matoso (do outro) no 5º ano? Ou a decorar as funções da Câmara Corporativa, no exame de OPAN (Organização Política e Administrativa da Nação) do 7º ano? (Saí com 20 - vinte, ouviram?).
Tive suores frios, tomei Fosfero Ferrero, desesperei, perdi horas, sublinhei, reli alto, decorei montes de coisas inúteis, para poder estar preparado para todos os muitos exames que fiz ao longo da minha vida? Claro que sim. E também "chumbei" em alguns, perdi um ano inteiro, tive de repetir cadeiras (em segunda e terceira "época") e, nem por isso, tive depressões ou me suicidei ou sequer fiquei psicologicamente afectado. E, claro, fiz exames para o meu primeiro emprego público, passei na prova exigentíssima para a minha segunda e última profissão e, querem saber?, dei-os a todos por muito bem empregados. Endureci na vida, "saiu-me do pêlo", aprendi (sem gravurinhas para amenizar a dificuldade dos temas) o que tinha de aprender, se calhar ainda menos do que devia mas, de certeza!, muito mais do que aquilo que observo (e mais não digo!) na esmagadora maioria dos alunos que agora tenho. E, com tudo isso, construí uma carreira e progredi e tive nela o sucesso que consegui ter - sempre com todas essas chatices, essas tensões, essas exigências, essas muitas horas de trabalho e de esforço. Teria tudo sido melhor se tivesse tido menos exames, se tudo fosse de avaliação mais "diacrónica" e menos "sincrónica"? Não sou dado a teses de que "no meu tempo é que era bom", mas que não vejo a menor desvantagem nessa aferição pontual de conhecimentos que os exames constituem, lá isso é verdade.
Volto ao princípio. Percebo que o Bloco de Esquerda tenha esse tipo de agendas. Já percebo menos que o PS se deixe ir nessa onda "modernaça", que entre pelo facilitismo, que queira reverter a obrigatoriedade dos exames para a miudagem, os quais, é sabido, podem provocar stresses, angústias e tremores, mas que não matam ninguém e ajudam os miúdos a perceber que a vida não é um armazém do Toys r Us e que não há nenhum direito divino às playstations, às roupas de marca e aos hamburgers na Disneylândia.
E já agora, também não percebo que se volte atrás na exigência dos exames àqueles que querem ser professores. Eu também fiz um exame de admissão profissional, depois de acabado o curso. Às tantas, talvez valesse mesmo a pena que alguns dos docentes actualmente em actividade, que por vezes andam aí com um ar que converte os arrumadores de carros em "gentlemen" do Downton Abbey, que devem funcionam como "belos" exemplos e modelos para as crianças, fossem também obrigados a efectuar provas a meio da carreira. E a alguns outros profissionais, tal como os diplomatas, menos do que avaliação contínua muito deficiente como a que hoje têm com o famigerado Siadap, talvez uns examezitos a meio do percurso lhe não fizesse mal e os forçasse a actualizarem-se e a ler mais.
Isso, aliás, devia ser obrigatório para os ex-professores que "sindicalizaram" grande parte da sua vida, por forma a se aferir se já "perderam a mão". Ou não será estranho que esse tal de Mário Nogueira, que regularmente agita o bigode, a raiva e o verbo pelas grades da multidão com cartazes na 5 de Outubro, tenha dado a sua última aula presumo que ainda antes do novo ministro da Educação nascer?
"Estás um bom reaccionário, estás!", já estou a ouvir de algumas amigas e amigos, daqui a horas, quando lerem este post. E então dos corajosos anónimos que por aí pululam vai ser um fartote. Mas, como costumava dizer uma sobrinha minha, na sua infância: e a mim que me importa!»

O tema é antigo, também eu o referi há mais de quarenta anos, nos mesmos moldes reaccionários, em artigo publicado em “Prosas Alegres e Não” (1974), que transcrevo, em empenhamento, é certo, inútil. Relendo-o, bem cediço me parece, a sociedade tendo evoluído de tal forma que nada já é o mesmo, e as exigências que dantes se pediam de cumprimento ordeiro com vista a um aperfeiçoamento ou a uma posição futura, afiguram-se hoje risíveis, as crianças impregnadas de saberes mecânicos que ultrapassam as competências que os mestres se esforçam por lhes transmitir, embora os livros confirmem uma exigência que em muitos casos parece brutalmente avançada, a rivalizar com a electrónica que desde cedo dominam e os tornam desatentos ao resto. Mas, embora dinossáurico já, assim o transcrevo, como paleontologista empenhado em descobrir as marcas dos fósseis que esclarecem mais o presente.

«Exames e doçuras»
«Tudo nesta vida são modas, e uma das modas actualmente em moda é a da contestação, do ataque às estruturas, de apoio a tudo o que transforme o vale de lágrimas da vida de antanho num vale de delícias ou jardim edénico, onde tudo seja fácil e mais doce.
Referimo-nos especialmente a determinado sector jornalístico desta urbe lourençomarquina, autêntico oráculo do saber pois, revelando vastidão de cultura em todos os campos, discute com muitos dados e alguns dardos, todos os assuntos, no propósito louvável de mostrar que todos somos ceguinhos e só eles vêem. Também falaram de exames, tendo-os desapoiado.
E no entanto, esses mesmos que assim contestam a validade dos exames, são os primeiros a criticar a incompetência e impreparação dos professores e a deficiência do ensino em geral.
Ora não nos parece que a eliminação dos exames contribua grandemente para aumentar o nível mental da nossa gente. De facto, somos dum modo geral, um povo abúlico, apático, muito de “deixar correr”, com energia e vivacidade apenas para discutir futebol e saias às esquinas ou pelos cafés. E política também, sim senhor! Todos somos competentes para construir e orientar os meandros da política nacional e estrangeira, os que o fazem de facto é que não percebem nada.
Em nossa opinião, a eliminarem-se os exames, desaparecerá, ao menos por uns meses, aquela efervescência natural do período, forjadora de uma nova vida, com o fervilhar estudantil. A eliminarem-se os exames, mais incompetências se formarão, pois bem sabemos como transitam alguns alunos aos anos imediatos, com deficiência aparente numa disciplina, mas na realidade deficientes em duas e às vezes três, com a nova lei da “nota votada” pelo conselho de turma. A eliminarem-se os exames, a selecção e apuramento deles resultantes desaparecerão igualmente.
Ora, apesar dos atractivos da vida remansosa, não nos parece que seja essa a mais plena de significado e de realização. E os exames significarão para o estudante maior apreensão de elementos culturais, desejo de vencer um novo ano, e para mais briosos, desejo de o fazer com brilho. Os exames trarão a revisão das matérias, trarão o interesse pela luta, o gosto pelas próprias disciplinas de estudo.
Se há desvantagem nos ditos exames, a maior ainda supomos que seja a não correspondência exacta, em muitos casos, entre o valor  próprio e a nota obtida, pois todos sabemos como o nervosismo próprio da ocasião é tantas vezes desfavorável ao aluno mais aplicado, enquanto o à vontade e descontracção de outro mais incompetente, o ajudam na sua relativa ignorância.
Os estudantes têm sido cada vez mais “beneficiados” com a dispensa de exames para os que atingem determinada média, com a cada vez maior limitação de matérias, com a possibilidade de transitarem com deficiências, etc., mas a triste realidade é que, de ano para ano, o nível intelectual dos alunos vai diminuindo, transformando a missão docente, tão bela em princípio, cada vez mais em tarefa de pura frustração e desorientação para o professor mais cônscio.
Por isso não concordamos que se eliminem os exames, pois esse facto irá só favorecer a preguiça, a ignorância, o torpor dos nossos estudantes, para quem as aulas são apenas sinónimo de aborrecimento, de que reagem por algum caso mais ou menos anedótico provocador da gargalhada, única forma de os despertar da passividade com que, dum modo geral, escutam a lição do professor.»

Como diria o meu marido, neste contexto de massificação em que uma esquerda maniqueísta deseja afundar a sociedade, parece-nos estar vivendo os tempos da revolta dos Espártacos contra os seus opressores, esquecidos, esses maniqueístas, de que o Bem não existe apenas nos humildes – vulgo “trabalhadores” – nem o Mal apenas nos poderosos  - vulgo “capitalistas” – do seu ódio e da sua provocação. Também essas são ideias mais que ultrapassadas, de que o próprio Rousseau já riria, hoje mais céptico a respeito das virtudes do seu bom selvagem. Não será com o abaixamento do nível escolar, pela supressão de exames, que se protegem os jovens  contra a exigência de competências que lhes será imposta na vida adulta.

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