Um artigo do Embaixador Francisco Seixas da Costa,
publicado no “A Bem da Nação”, que tantos outros “reaccionários” actuais subscreveriam
na íntegra:
«Reaccionário me confesso….»
Francisco Seixas da Costa
«A
pressa (qual é a pressa?) de legislar para acabar com o exame da "quarta
classe" (sou de um outro tempo, pois claro) é algo que não consigo
entender. Ou melhor: posso perceber que estas micro-agendas dos
"compagnons de route" do PS possam fazer sentido para eles, mobilizados
por temáticas modernaças e de "contemporaneidade". Mas não entendo
por que é que o PS vai a reboque delas.
O
exame colocava "stress" nas criancinhas? Claro que sim! E depois?
Lembro-me de ter dormido muito mal antes do meu exame da "quarta
classe", de ter tido pesadelos nas vésperas do "exame de
admissão" ao liceu (e fiz também à Escola Comercial e Industrial, não
fosse dar-se o caso de reprovar no liceu). E o que eu passei, entre angústias e
insónias, antes da montanha de exames do 2º ano do liceu, com os meus pobres 12
anos. E as noites longas, a "marrar" temas áridos de História do
Matoso (do outro) no 5º ano? Ou a decorar as funções da Câmara Corporativa, no
exame de OPAN (Organização Política e Administrativa da Nação) do 7º ano? (Saí
com 20 - vinte, ouviram?).
Tive
suores frios, tomei Fosfero Ferrero, desesperei, perdi horas, sublinhei, reli
alto, decorei montes de coisas inúteis, para poder estar preparado para todos
os muitos exames que fiz ao longo da minha vida? Claro que sim. E também
"chumbei" em alguns, perdi um ano inteiro, tive de repetir cadeiras
(em segunda e terceira "época") e, nem por isso, tive depressões ou
me suicidei ou sequer fiquei psicologicamente afectado. E, claro, fiz exames
para o meu primeiro emprego público, passei na prova exigentíssima para a minha
segunda e última profissão e, querem saber?, dei-os a todos por muito bem
empregados. Endureci na vida, "saiu-me do pêlo", aprendi (sem
gravurinhas para amenizar a dificuldade dos temas) o que tinha de aprender, se
calhar ainda menos do que devia mas, de certeza!, muito mais do que aquilo que
observo (e mais não digo!) na esmagadora maioria dos alunos que agora tenho. E,
com tudo isso, construí uma carreira e progredi e tive nela o sucesso que
consegui ter - sempre com todas essas chatices, essas tensões, essas
exigências, essas muitas horas de trabalho e de esforço. Teria tudo sido melhor
se tivesse tido menos exames, se tudo fosse de avaliação mais
"diacrónica" e menos "sincrónica"? Não sou dado a teses de
que "no meu tempo é que era bom", mas que não vejo a menor
desvantagem nessa aferição pontual de conhecimentos que os exames constituem,
lá isso é verdade.
Volto
ao princípio. Percebo que o Bloco de Esquerda tenha esse tipo de agendas. Já
percebo menos que o PS se deixe ir nessa onda "modernaça", que entre
pelo facilitismo, que queira reverter a obrigatoriedade dos exames para a
miudagem, os quais, é sabido, podem provocar stresses, angústias e tremores,
mas que não matam ninguém e ajudam os miúdos a perceber que a vida não é um
armazém do Toys r Us e que não há nenhum direito divino às playstations, às
roupas de marca e aos hamburgers na Disneylândia.
E
já agora, também não percebo que se volte atrás na exigência dos exames àqueles
que querem ser professores. Eu também fiz um exame de admissão profissional,
depois de acabado o curso. Às tantas, talvez valesse mesmo a pena que alguns
dos docentes actualmente em actividade, que por vezes andam aí com um ar que
converte os arrumadores de carros em "gentlemen" do Downton Abbey,
que devem funcionam como "belos" exemplos e modelos para as crianças,
fossem também obrigados a efectuar provas a meio da carreira. E a alguns outros
profissionais, tal como os diplomatas, menos do que avaliação contínua muito
deficiente como a que hoje têm com o famigerado Siadap, talvez uns examezitos a
meio do percurso lhe não fizesse mal e os forçasse a actualizarem-se e a ler
mais.
Isso,
aliás, devia ser obrigatório para os ex-professores que
"sindicalizaram" grande parte da sua vida, por forma a se aferir se
já "perderam a mão". Ou não será estranho que esse tal de Mário
Nogueira, que regularmente agita o bigode, a raiva e o verbo pelas grades da
multidão com cartazes na 5 de Outubro, tenha dado a sua última aula presumo que
ainda antes do novo ministro da Educação nascer?
"Estás
um bom reaccionário, estás!", já estou a ouvir de algumas amigas e amigos,
daqui a horas, quando lerem este post. E então dos corajosos anónimos que por
aí pululam vai ser um fartote. Mas, como costumava dizer uma sobrinha minha, na
sua infância: e a mim que me importa!»
O
tema é antigo, também eu o referi há mais de quarenta anos, nos mesmos moldes
reaccionários, em artigo publicado em “Prosas Alegres e Não” (1974), que
transcrevo, em empenhamento, é certo, inútil. Relendo-o, bem cediço me parece,
a sociedade tendo evoluído de tal forma que nada já é o mesmo, e as exigências
que dantes se pediam de cumprimento ordeiro com vista a um aperfeiçoamento
ou a uma posição futura, afiguram-se hoje risíveis, as crianças impregnadas de
saberes mecânicos que ultrapassam as competências que os mestres se esforçam
por lhes transmitir, embora os livros confirmem uma exigência que em muitos
casos parece brutalmente avançada, a rivalizar com a electrónica que desde cedo
dominam e os tornam desatentos ao resto. Mas, embora dinossáurico já, assim o
transcrevo, como paleontologista empenhado em descobrir as marcas dos fósseis
que esclarecem mais o presente.
«Exames e doçuras»
«Tudo
nesta vida são modas, e uma das modas actualmente em moda é a da contestação,
do ataque às estruturas, de apoio a tudo o que transforme o vale de lágrimas da
vida de antanho num vale de delícias ou jardim edénico, onde tudo seja fácil e
mais doce.
Referimo-nos
especialmente a determinado sector jornalístico desta urbe lourençomarquina,
autêntico oráculo do saber pois, revelando vastidão de cultura em todos os
campos, discute com muitos dados e alguns dardos, todos os assuntos, no
propósito louvável de mostrar que todos somos ceguinhos e só eles vêem. Também
falaram de exames, tendo-os desapoiado.
E
no entanto, esses mesmos que assim contestam a validade dos exames, são os
primeiros a criticar a incompetência e impreparação dos professores e a
deficiência do ensino em geral.
Ora
não nos parece que a eliminação dos exames contribua grandemente para aumentar
o nível mental da nossa gente. De facto, somos dum modo geral, um povo abúlico,
apático, muito de “deixar correr”, com energia e vivacidade apenas para
discutir futebol e saias às esquinas ou pelos cafés. E política também, sim
senhor! Todos somos competentes para construir e orientar os meandros da
política nacional e estrangeira, os que o fazem de facto é que não percebem
nada.
Em
nossa opinião, a eliminarem-se os exames, desaparecerá, ao menos por uns meses,
aquela efervescência natural do período, forjadora de uma nova vida, com o
fervilhar estudantil. A eliminarem-se os exames, mais incompetências se
formarão, pois bem sabemos como transitam alguns alunos aos anos imediatos, com
deficiência aparente numa disciplina, mas na realidade deficientes em duas e às
vezes três, com a nova lei da “nota votada” pelo conselho de turma. A
eliminarem-se os exames, a selecção e apuramento deles resultantes
desaparecerão igualmente.
Ora,
apesar dos atractivos da vida remansosa, não nos parece que seja essa a mais
plena de significado e de realização. E os exames significarão para o estudante
maior apreensão de elementos culturais, desejo de vencer um novo ano, e para
mais briosos, desejo de o fazer com brilho. Os exames trarão a revisão das
matérias, trarão o interesse pela luta, o gosto pelas próprias disciplinas de
estudo.
Se
há desvantagem nos ditos exames, a maior ainda supomos que seja a não
correspondência exacta, em muitos casos, entre o valor próprio e a nota obtida, pois todos sabemos
como o nervosismo próprio da ocasião é tantas vezes desfavorável ao aluno mais
aplicado, enquanto o à vontade e descontracção de outro mais incompetente, o
ajudam na sua relativa ignorância.
Os
estudantes têm sido cada vez mais “beneficiados” com a dispensa de exames para
os que atingem determinada média, com a cada vez maior limitação de matérias,
com a possibilidade de transitarem com deficiências, etc., mas a triste
realidade é que, de ano para ano, o nível intelectual dos alunos vai
diminuindo, transformando a missão docente, tão bela em princípio, cada vez
mais em tarefa de pura frustração e desorientação para o professor mais
cônscio.
Por
isso não concordamos que se eliminem os exames, pois esse facto irá só
favorecer a preguiça, a ignorância, o torpor dos nossos estudantes, para quem
as aulas são apenas sinónimo de aborrecimento, de que reagem por algum caso
mais ou menos anedótico provocador da gargalhada, única forma de os despertar
da passividade com que, dum modo geral, escutam a lição do professor.»
Como
diria o meu marido, neste contexto de massificação em que uma esquerda maniqueísta
deseja afundar a sociedade, parece-nos estar vivendo os tempos da revolta dos
Espártacos contra os seus opressores, esquecidos, esses maniqueístas, de que o Bem
não existe apenas nos humildes – vulgo “trabalhadores” – nem o Mal apenas nos
poderosos - vulgo “capitalistas” – do
seu ódio e da sua provocação. Também essas são ideias mais que ultrapassadas,
de que o próprio Rousseau já riria, hoje mais céptico a respeito das virtudes
do seu bom selvagem. Não será com o abaixamento do nível escolar, pela
supressão de exames, que se protegem os jovens
contra a exigência de competências que lhes será imposta na vida adulta.
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