João Miguel Tavares não é dos
que está contido na asserção de Clara Ferreira Alves, reproduzida a negrito em
letras garrafais na sua entrevista da I de 21/11/15, para destacar a originalidade do seu pensamento, que há
muito apreciamos, quer se revele nas intervenções orais quer seja nas
intervenções escritas que ao sabor das suas muitas experiências em várias
frentes, lhe dão indiscutivelmente ademanes de rainha, sensível e superior,
Fénix ardendo em chamas e cinzas para renascer mais esplêndida, no seu
solipsismo, de uma argúcia que a muita leitura ajudou a construir. A entrevista
é sobre o primeiro romance que publica, “Pai Nosso”, que a capa da revista I destaca, juntamente com a
expressiva foto da escritora: «Com todas as letras do terror, “Pai
Nosso”, o primeiro romance de Clara Ferreira Alves é sobre uma guerra que já
está aqui. No meio de nós. Entrevista na véspera dos atentados em França Por
Cristina Margato e Ricardo Costa».
A referência à véspera dos
atentados tem naturalmente um cariz propositado de predestinação, na pose
verbal e hierática de que se reveste, na longa entrevista que concede, sibila
plena de certezas, mas naturalmente de angústias e paixões e desprezos,
próprios de quem muito sabe mas acima de tudo se ama a si própria, no acentuar
de uma egolatria que os entrevistadores não deixaram de explorar. Em letras
garrafais vem, pois, a negrito na página 30 da I, o seguinte destaque que, aliás, eu já sublinhara com
certo espanto, no texto dessa entrevista: “Eu sou independente, sempre
fui. A internet é uma selva, é o frustrado, o ressentido, o fanático. Eu
abomino o fanatismo.» E digo com certo espanto porque não me passara
pela cabeça generalizar afirmação tão drasticamente restritiva a uma potência
mediática de tão variada amplitude de funções e enriquecimento cultural para
quem a queira utilizar na generosidade dos seus múltiplos filamentos,
ignorando, naturalmente o carácter perverso de muita banalidade ou malandrice
sórdida.
Não, a afirmação de Clara
Ferreira Alves não tem a ver com o texto de João Miguel Tavares, «José Sócrates nunca existiu».
Trata-se,
este, de um texto
jornalístico, saído no Público de 26/11, que
aliás a Internet também mostra, que rendeu dinheiro ao que o escreveu, julgo
que sem fanatismo, embora com um sentido de orientação crítica que pelo menos
em tempos – antes do seu «Anticomunista, obrigada» - deveria causar
repulsa a Clara Ferreira Alves. Aliás, João Miguel Tavares faz parte do grupo
humorístico “Governo Sombra”, a que pertence Pedro Mexia, dos literatos
analistas preferidos de Clara, talvez na mira já de uma boa crítica dele, não
iria considerar fanático Tavares, nas suas verdades sobre os do elenco
governativo actual, que desmonta em análises envolvendo um passado já esquecido
pelos que se preparam para a reviravolta conveniente dos novos tempos.
Por mim, não julgo que seja o
fanatismo a mover as opiniões de João Miguel Tavares, mas o bem senso na
análise e a honradez do pensamento preocupado. Quanto a Clara Ferreira Alves,
já a vi mudando de estatuto, ao sabor dos seus caprichos e conforme os interesses
pessoais, sempre me pareceu. Ou talvez sejam as mudanças - quaisquer que elas sejam - apenas uma consequência da própria característica da evolução humana. E de tudo o que existe, afinal. Que andamos cá para isso, já Camões e outros o escreveram:
José Sócrates nunca existiu
João
Miguel Tavares
Público, 26/11/2015
Uma pessoa olha para a
lista de António Costa e não acredita: dois dos três homens do núcleo duro de
José Sócrates - Augusto Santos Silva e Vieira da Silva - estão de regresso ao
governo. Azeredo Lopes, que ao lado de Estrela Serrano se destacou na liderança
da ERC mais politizada de sempre, é agora ministro da Defesa. Miguel Prata
Roque, advogado de Sócrates no processo contra o Correio da Manhã e restantes
publicações do grupo Cofina, é secretário de Estado da Presidência do Conselho
de Ministros. E ainda falta conhecer três ou quatro dezenas de secretários de
Estado - com sorte, talvez se arranje um lugarzinho para Paulo Campos. Mas
sabem o que é pior no meio disto? É que ninguém parece importar-se. Ninguém
quer saber. José Sócrates nunca existiu.
Mas eu lembro-me. Lembro-me que um mês antes de Sócrates ser preso, Augusto
Santos Silva aconselhava Cavaco a não condecorar o ex-primeiro-ministro,
pois essa condecoração seria uma "nódoa" para Sócrates: "Haverá
certamente, dentro em breve, um Presidente merecedor da honra de
condecorá-lo." Lembro-me que Vieira da Silva, invariavelmente
apresentado como "ministro da Segurança Social de José Sócrates", foi
ministro da Economia entre 2009 e 2011, quando o país se afundou economicamente
na bancarrota. Lembro-me que João Soares, futuro ministro da Cultura,
considerou há um ano a prisão de Sócrates "injusta e injustificada" e
uma "perversa tentativa de humilhação". Lembro-me que Capoulas
Santos, futuro ministro da Agricultura, declarou acreditar que ele era
"obviamente" inocente, à saída da prisão de Évora.
E porque me lembro disto tudo, estou até receoso
que a nomeação de Francisca Van Dunem para ministra da Justiça, interpretada
por alguns comentadores como um reforço da autoridade do Ministério Público
junto do governo, tenha sido antes uma escolha de António Costa com o objectivo
de vigiar de perto a actividade da Procuradoria numa era dominada por vários
processos com profundas implicações políticas. Tendo em conta o currículo do PS
no domínio da justiça desde os tempos da Casa Pia, ninguém pode dormir
descansado. Mas se a qualidade da nomeação de Van Dunem é ainda incerta,
isto, pelo menos, já temos como certo: António Costa não retirou qualquer
ilação política nem do desastre de 2011, nem da detenção de 2014.
É que dá para escolher. Podemos defender que a
presença de Santos Silva e Vieira da Silva num futuro governo PS é inconcebível
por eles terem feito parte do núcleo duro de um primeiro-ministro com indícios
fortes de corrupção. Podemos defender que a presença de Santos Silva e Vieira
da Silva num futuro governo PS é inconcebível por terem feito parte do núcleo
duro de um governo que levou o país à bancarrota. Ou podemos defender as duas
coisas. O que não podemos é defender que nada disto se passou, que os políticos
portugueses são inimputáveis, que o que quer que seja que aconteça ou o que
quer que seja que eles façam, nada conta, nada se inscreve, nada permanece na
nossa memória, nada tem consequências.
A própria comunicação social, para meu espantoso
espanto, limitou-se ontem a retratar Vieira da Silva ou Augusto Santos Silva
como políticos "experientes", como se "experiente" fosse um
adjectivo neutro, completamente desligado da qualidade das suas várias
"experiências". Sim, ok, pertenceram ao governo anterior do PS, isso
está nas suas biografias. Mas parece que não faz mal. Não tem importância. Já
foi há quatro anos. Tanto tempo. José Sócrates? Quem é esse?
Nenhum comentário:
Postar um comentário