Mais
um texto que desejo guardar, de alguém do
meu país que admiro na sua escrita desassombrada, inteligente, descodificadora
das realidades sociais, sociólogo inventariador dos muitos casos que aqui e
além são denunciadores de incompetência, trafulhice, vaidade, parolice,
hipocrisia, atrevimento específico de ignorância, falsa bondade, pedantismo
vazio e insensato, embora destruidor da ordem, como pretendem e se admite, em
actuação de demagogia a que se pode conceder a designação de ditadura do
proletariado.
Alberto Gonçalves aí está,
inteiro, no orgulho de quem paira muito acima da mediocridade de um país de
mândria, subserviência e atraso. Foi o caso da conferência de um Varoufakis
convidado – pela esquerda que empunha actualmente a faca e o queijo – para vir
cá mostrar como se faz para desorganizar a Europa, proeza de que os senhores e
senhoras da esquerda de cá também se consideraram capazes, apesar dos nulos
êxitos de Varoufakis no capítulo, mas que o alcandoraram a uma determinada proeminência,
de efémera expressão, é certo, e mais para os costumeiros babados pelos êxitos
da moda. Alberto Gonçalves o desmistifica na sua arrogância, vaidade e tolice,
tal como caricatura actuações de António Costa, de foro familiar ou confessional,
o que para mim é o menos simpático da sua crónica. Mas as referências a uma
Catarina Martins decidindo sobre redução de exames, no facilitismo abjecto de
quem se está nas tintas para um desenvolvimento cultural necessário a um país
ainda hoje na cauda e que mais aí continuará, com estes exemplares de opróbrio,
a quem se entregam os destinos de uma pobre nação, são por demais justas, num
país de brincalhões.
Caras-de-pau
Alberto
Gonçalves
DN, 6/12/15
Mal
chegou ao poder, a entretanto falecida esperança do terceiro-mundismo europeu,
o Sr. Varoufakis, tomou medidas imediatas: uma entrevista, com esposa, varanda
e saladas, à Paris Match. Decerto pela predominância de fotografias em
detrimento do texto, foi das ocasiões em que proferiu menos disparates.
Por
cá, talvez porque os disparates que emite estão em dialecto só vagamente
próximo do português, talvez porque o peso da periferia seja maior em Lisboa do
que em Atenas, o Dr. Costa teve de contentar-se com o que havia. Por um lado,
não havia interesse da Paris Match, da Burda Moden e do suplemento desportivo
do The Guardian. Por outro, os media indígenas têm censurado inexplicavelmente
o Dr. Costa, vergonha manifesta na escassa cobertura das respectivas gafes,
perdão, intervenções. Embora não veja "telejornais", garantiram-me
que, para citar caso recente, as atoardas, perdão, os assertivos bitaites do
Dr. Costa acerca da Turquia e da NATO não foram destacados em nenhum. Sobrava a
imprensa da especialidade, leia-se a especialidade do Dr. Costa, leia-se a
Caras, na qual a espécie de chefe desta espécie de governo apresentou a família
a uma nação ansiosa.
Valeu
a pena esperar. Ao exibir Fernanda (esposa), Pedro e Catarina (filhos), o
"marido atento" e o "pai carinhoso" mostrou a "faceta
privada", precisamente aquela que as pessoas costumam escarrapachar nas
páginas das revistas populares. Pirosice sem limites? Nada disso. Visto que o
Dr. Costa é dado a tropeçar nas sílabas e na verdade, além de
"extremamente inteligente" (palavras de Fernanda), aproveitou uma
entrevista em princípio superficial para permitir à cônjuge revelar em código a
visão que ele possui da realidade, o seu método de acção política e os truques
a que recorre a fim de alcançar qualquer coisa similar a uma carreira.
Ficámos
por exemplo a saber que o Dr. Costa "não constrói projectos sozinho"
e que "os outros estão sempre na sua cabeça" (tradução: derrotado nas
"legislativas", o Dr. Costa ouve vozes - as dos leninistas que lhe
puxam os fios). E que "quando os miúdos eram pequenos, precisávamos de ir
jantar fora uma vez por semana para falarmos" (tradução: os encontros
secretos, as conversas em recato e os acordos conspirados à socapa são passatempos
antigos). E que o Dr. Costa "está sempre a enviar-nos SMS" (tradução:
os jornalistas insolentes que se cuidem). E que, a propósito dos filhos
adultos, o Dr. Costa acha difícil "largar os pintainhos" e
"deixá-los voar" (tradução: à conta de impostos,
"investimento", falências, favoritismos, habilidades,
excentricidades, proibições e silêncios forçados, este Portugal com tiques
venezuelanos não irá longe). E que o Dr. Costa "gosta muito de cozinhar,
mas falta-lhe começar a arrumar a cozinha" (tradução: após instaurar o
pandemónio, é melhor que alguém venha pagar a despesa).
Não
admira que o Dr. Costa "procure sempre ouvir a Fernanda" sobre as
"questões fundamentais". Nós também tivemos de o fazer para confirmar
as piores suspeitas: com a família resignada à necessidade de espalhar o
"bem comum", o novo emprego do Dr. Costa é "uma aventura",
ainda assim irrisória se comparada com a nossa. Acrescente-se, a título
ilustrativo da lisura de processos, que a casa (o "refúgio") onde o
agregado recebeu o fotógrafo da Caras é um palacete alheio, que Sua Excelência
ocupou com a mesma jovialidade com que penetrou o de São Bento.
Quinta-feira,
6 de Dezembro
Rir da desgraça própria
Já
é lendária a meta de Catarina Martins para o ensino básico: providenciar
"as bases de que se faz o conhecimento todo", o que é uma ambição
nobre e típica de quem não tem conhecimento nenhum. Em vez de um lugar de
esforço, disciplina e exigência, a escola deve ser um espaço de felicidade
(cito, juro que cito), onde as crianças crescem a rir dos Monty Python, do
Blackadder e de Ricardo Araújo Pereira até, como será inevitável, chegarem a
físicos, historiadores, filósofos e cirurgiões de renome. Isto enquanto
irrompem às gargalhadas a cada degrau na escada da Sabedoria.
Não
conheço em pormenor o percurso do estudante Pedro Passos Coelho. Mas, a julgar
pela galhofa que dedicou à estreia parlamentar de Mário Centeno, a sua
capacidade de ser feliz não foi maculada por exames da quarta classe. Também é
verdade que o Dr. Centeno ajuda. O homem é engraçado quando repete os
argumentos da "direita" acerca do Novo Banco. O homem é engraçado
quando, à revelia das maravilhosas promessas socialistas, não consegue esboçar
a sombra de uma fundamentação plausível. Sobretudo o homem tem graça quando é confrontado
pelo deputado Miguel Morgado com os próprios trabalhos académicos, em
particular um em que afirmava as consequências negativas do aumento do salário
mínimo na criação e manutenção de empregos: "Não tente transpor conclusões
de artigos científicos para a legislação nacional, porque se tentar fazer isso
é um passo para o desastre."
Numa
singela frase, o ministro das Finanças (desculpem, que isto é igualmente
cómico) demoliu a sua coluna vertebral, a sua competência técnica e a seriedade
das instituições que lhe dão guarida, a começar pela actual. E, ao contrário do
que por acaso (?) lhe é habitual, o Dr. Centeno disse isto sem se rir. Era
impossível que Pedro Passos Coelho e a metade do país imune aos encantos da
Frente Popular não o fizessem. Dado o que nos espera, trata-se, claro, de um
riso nervoso.
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