O artigo seguinte, de António
Barreto, vem complementado com uma foto com contentores que fizeram época em
1974, de gente obrigada a regressar ao país a que pertencia, encimando um
comentário de «As minhas
fotografias», que igualmente transcrevo, de um acontecimento que parece
recente, tão vincado ficou na nossa memória, mas que recua quarenta e dois anos
na realidade da História:
«Retornados e seus caixotes à
chegada a Lisboa»: «Durante os
meses de 19474, chegavam os últimos vapores das colónias. Uns traziam soldados,
outros repatriados, refugiados ou retornados que abandonavam definitivamente
África. Com eles, ou em cargueiros, vinham caixotes e contentores. Muitos dos
que regressavam não eram retornados, isto é, não tinham nascido em Portugal.
Eram angolanos e moçambicanos. Não foi assim que os quiseram cá, queriam-nos
retornados. Não era assim que os queriam lá, eram colonos. Parecia que
ninguém os queria. Mas foi um dos acontecimentos mais importantes dos últimos séculos:
num só ano, chegaram perto de 700 000 pessoas, naquela que foi uma das maiores
deslocações humanas da história da Europa em condições de paz. Mal ou bem,
integraram-se e recomeçaram tudo. E muito fizeram pela recuperação económica
dos anos 80. Sem nada ou com pouco, traziam uma energia infinita, não perderam
tempo com lamúrias nem acreditaram em revoluções idiotas: fizeram-se à vida.
Realmente, quando penso num
passado em que tinha menos de metade da idade que hoje tenho, na forma como
para cá viemos, de cambulhada, para um país autodestruído, que liquidara
quinhentos anos de História, sob comando alheio, na liquidação, o qual fizera a
construção por conta própria e prolongada no tempo e no espaço, apesar do
minúsculo tamanho – a merecer admiração - o sentimento é, apesar de tudo, de gratidão.
É certo que tive que me desfazer do carro, pois não raro este me denunciava as origens,
com o seu volante à direita que me valou algumas instigações dos condutores, habitualmente
interpeladores, para voltar para a minha terra, embora eu me sentisse por essa
altura quase apátrida, na frustração e revolta contra o que se me afigurara realidade
monstruosa, embalada que fosse ao som da Grândola e de cravo vermelho na
botoeira – ou talvez por isso.
Apesar de tudo, a nação
portuguesa respeitara compromissos, e abrira as portas aos retornados que se
amanharam como puderam e recomeçaram, segundo a lei das transformações de
Lavoisier. Mas o comentário de António Barreto, lembrando uma realidade que se
opõe à indiferença demagógica dos muitos cérebros, antigos e actuais, satisfeitos
e impulsionadores da tropelia, trouxe à baila esse passado, embora por motivos
de comparação com o que se está passando numa Venezuela que poderia viver com
riqueza e bem-estar e está a passar por uma assustadora crise, provocada pelas
ambições desvairadas de alguns líderes desprezíveis na sua ambição, arrogância
e saloiice inomináveis – caso de Chávez, caso de Maduro .
O poder, de facto, corrompe,
também se viu isso por cá, vê-se no Brasil, e até um Donald Trump, não se
contentando com ser rico, quer a omnipotência desse poder, talvez para mais
outro trambolhão do mundo, no desajeitamento do seu linguajar atrevido a quem o
dinheiro dá o direito de o ter, o linguajar, mas que o poder talvez modere, no
âmbito do “politicamente correcto”.
Veremos como se sai do fosso.
A destruição de um país
António Barreto
DN, 22/5/16
Ninguém
poderá dizer o que será a Venezuela dentro de um par de anos. Tudo pode
acontecer. Assiste-se a uma destruição sistemática das instituições de um país
e dos seus equilíbrios básicos. Mais de 75% da população vive em estado de
pobreza e destituição. O produto nacional reduziu-se mais de 5% no ano passado
e vai diminuir 8% em 2016. A inflação está a quase 200% e será de 400% até
Dezembro. As organizações internacionais prevêem que atinja os 700% já para o
ano.
Os
funcionários públicos são obrigados a trabalhar apenas dois dias por semana.
Sem medicamentos, os hospitais fecham e os equipamentos degradam-se. As
autoridades alteraram a hora legal a fim de não gastar energia. Sem gestão
competente, as barragens, entre as quais uma das maiores do mundo, estão secas
ou próximas dos níveis de catástrofe. No país que possui uma das grandes
reservas de petróleo do mundo, a energia está racionada. Como racionados estão
quase todos os produtos alimentares, o que de nada serve, pois a maior parte
dos géneros desapareceu dos mercados. As principais fábricas vão fechando por
falta de matéria-prima e de energia. Maduro manda fazer manobras militares e
ameaça nacionalizar quem não tiver matéria-prima ou energia!
Na
rua, sucedem-se as manifestações, as pilhagens, os raptos, as cargas policiais,
os espancamentos, os motins de toda a espécie e as investidas da Guarda
Bolivariana. Há presos políticos às centenas, ninguém sabe bem quantos. Com o
dinheiro do petróleo, enquanto houve, gastou-se tudo, compraram-se amigos,
pagaram-se milícias, organizaram-se forças armadas fiéis. E distribuíram-se
benefícios sociais. O dinheiro diminuiu, mas não se pense que acabou. Com o
petróleo a metade do preço, há muito dinheiro para pagar a amigos e seguidores.
Espere-se pois o pior. Ainda não houve bancarrota porque a China decidiu
financiar a Venezuela com milhares de milhões de dólares. Em troca de petróleo
barato, já se percebeu.
Maduro
decretou o estado de emergência por 60 dias e diz que vai acabar com a assembleia
nacional. A revolução bolivariana criou uma das mais elevadas criminalidades do
mundo. Nos últimos três meses, foram assassinadas 4800 pessoas. No ano passado,
17 700 tiveram a mesma sorte. Na Venezuela, hoje, mata-se mais do que no
Afeganistão! As comunidades de origem estrangeira residentes na Venezuela vivem
aflições. Mas muitos, há mais de uma geração, não têm sequer para onde ir.
Apesar
da pobreza, da desigualdade e dos barrios miseráveis, piores do que favelas, a
Venezuela é uma das nações mais ricas da América Latina. Esta sistemática
destruição de um país deve--se à demagogia populista, à corrupção e ao
desperdício. Segundo Maduro, a crise deve-se à queda dos preços do petróleo, à
seca, ao El Niño, a Barack Obama, aos americanos, aos fascistas, ao patronato,
à burguesia venezuelana e à Colômbia.
Este
desastre venezuelano poderia passar despercebido em Portugal. A Síria, a nossa
crise e a da Europa são suficientes. A verdade todavia é que a Venezuela não
nos é assim tão estranha. Vivem lá mais de meio milhão de portugueses. Tem
havido, desde os anos 70, relações estreitas entre governos. Já houve mesmo,
nos anos 1970, ajudas financeiras a partidos portugueses. Sem falar das
amizades intensas do presidente Chávez com os governantes portugueses, em
particular José Sócrates.
Sejam
quais forem os antecedentes, por que razões as esquerdas portuguesas pouco ou
nada dizem sobre o despautério venezuelano? Será que o consideram de esquerda e
solidário?
E
as autoridades? Existe algum programa oficial de acompanhamento? Há planos de
assistência? O que acontecerá às comunidades portuguesas da Venezuela? O que
está Portugal pronto a fazer para ajudar? Era bom não assobiar para o lado...
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