Um email enviado por João Sena – «As
Mulheres-soldado curdas» - é um texto escrito em francês, com imagens de
mulheres curdas – belas mulheres – cujas fotos não sei transpor, de ar
sorridente e decidido, jovens que naturalmente causam admiração, nas suas
vestes militares, não isentas de garridice, longos cabelos arrumados em
trança, ou mesmo soltos, nos seus corpos altos e estilizados, tapados com o
boné ou com colorido lenço. Para melhor
compreender o fenómeno, passado nos nossos tempos, da organização de um
exército feminino, que pretende lutar pelo seu direito à independência e,
simultaneamente responder aos actos de terrorismo dos jihadistas, começo, antes
de traduzir o texto, por transcrever umas notas da Internet sobre o Curdistão,
como página importante da história universal do nosso tempo, que nos conduz aos
tempos em que, na História Universal, líamos sobre Medos e Persas, e Assírios e
Caldeus na Mesopotâmia…
«O
Curdistão, também denominado Grande Curdistão, é uma região geocultural
maioritariamente povoada pelos curdos. Com cerca de 500.000 km² está, em sua
maior parte, ocupado pela Turquia, e o restante dividido entre Irão,
Síria e Iraque.
A história do
Curdistão começa em cerca de 6.000 a.C., na região da antiga Mesopotâmia,
onde foram encontrados os seus primeiros registos arqueológicos. Sempre
habitando as regiões montanhosas e acostumados ao frio intenso que acompanha a
altitude, os curdos da Antiguidade dividiam-se em clãs com nomes como gutis,
kurti e mushku e viviam em cidades-estado.
Com o passar dos
séculos, outros povos indo-europeus, como os Medos -
cujo império, há 2,6 mil anos, englobava boa parte do que hoje é o Curdistão - fixaram-se
na região. Os curdos são, portanto, o produto da miscigenação de todos os
povos invasores ou migrantes para a sua região.
Em 612 a.C., os
curdos conquistaram a cidade de Ninive,
na antiga Assíria, mas em 550 a.C. foram conquistados pelos persas. Xenofonte
(430 a.C.), referiu-se aos curdos no Anabasis
como "Kardukhi... um povo bárbaro e defensor da sua “residência na
montanha" que atacou os exércitos gregos em 400 a.C. Um reino curdo
chamado Corduena, tornou-se uma
província do Império Romano em 66 a.C. e permaneceu sob
controle romano por quatro séculos até 384.
No século VII, os
árabes tomaram os castelos e fortificações dos curdos…. Finalmente os
árabes conquistaram as regiões curdas e converteram a maioria dos curdos ao
Islão.
Nos
séculos seguintes, as suas terras são ocupadas por mongóis, turcos, e,
no século XIII, por otomanos. Apesar de nunca terem constituído um
estado independente, os curdos desfrutaram de relativa autonomia até 1639.
Neste ano, o Curdistão é repartido entre os impérios Persa e Otomano, pelo
Tratado de Zuha.
A
partir daí, sucessivos arranjos foram realizados em território curdo de acordo
com as disputas políticas entre os dois impérios. Após a Primeira Guerra Mundial, com o
desmembramento do Império Otomano, o Tratado de Sèvres delimita as fronteiras
para um Curdistão autónomo, mas é rejeitado. Em 1923, com o Tratado de
Lausanne, parte do Curdistão é integrada ao Iraque e à Síria
e a outra permanece ocupada pela Turquia e no Irão.
Em
1924, com o novo regime turco, a língua, a cultura e as instituições curdas
são suprimidas, tendo em vista o seu aniquilamento como cultura e etnia
diferenciada. Em 1927, curdos da região do Monte
Ararate proclamaram uma república independente, durante uma
onda de revolta entre os curdos no sudeste da Turquia. O exército
turco, posteriormente, esmagou a República de Ararate, em setembro
de 1930.
Durante
a Segunda Guerra, os curdos sob domínio do
Irão empreendem uma luta armada pela sua independência, e chegam a criar a
efêmera República de Mahabad, em 1946, estado
reconhecido pela União Soviética, mas logo revertido ao domínio iraniano.
Desde então, movimentos separatistas curdos são constantemente
reprimidos com violência nos quatro países que ocupam o território do
Curdistão.
Os
curdos no Iraque, liderados por Mustafa
Barzani, estiveram em luta contra os sucessivos regimes
iraquianos de 1960 a 1975. Em março de 1970, o Iraque anunciou um acordo de paz
contemplando a autonomia curda, que seria implementado em quatro anos.
No entanto, ao mesmo tempo, o regime iraquiano iniciou um programa de
arabização nas regiões ricas em petróleo de Kirkuk e Khanaqin. Mesmo após o
acordo, as guerras entre o Curdistão e o Iraque tiraram boa parte da soberania
que os curdos gozavam anteriormente.
O
cenário mudou radicalmente a partir de 1971, quando começaram a entrar
em vigor as primeiras medidas de uma campanha anticurda, oficializada em
1986 sob o nome de Operação Anfal, no governo de Saddam
Hussein, e que só terminou em 1989. O objetivo
era eliminar as aspirações de criar uma nação independente ou mesmo de se
organizar como uma etnia de cultura e linguagem próprias. As formas de
repressão começavam com a expulsão dos curdos que viviam próximos às fronteiras
iraquianas com as da Turquia e do Irão.
Entre 15 e 19 de
março de 1988, durante a campanha Anfal e em meio à guerra entre Irão e
Iraque, os curdos sofreram um dos piores ataques a sua etnia. Em
represália às forças iranianas, que haviam fornecido suporte militar aos
rebeldes curdos, o Iraque lançou um ataque de armas químicas à cidade
curda de Halabja, na época com cerca de 80 mil
habitantes. Liderado por Ali Hassan Al-Majid, mais conhecido como Ali Químico,
integrante do governo de Saddam Hussein, o ataque usou o gás
sarin, que ataca o sistema nervoso, e o gás
mostarda, que abre feridas quando em contato com a pele. Não
há registros precisos sobre as mortes, estimadas em 10 mil.
A repressão aos
curdos não foi restrita apenas ao Iraque. Até 1991, eles estavam proibidos
de falar o curdo na Turquia. Ali, atualmente, programas de rádio ou TV no
idioma são vetados, assim como o aprendizado da língua nas escolas. No Irão e
na Síria, o quadro é similar. Na Síria, muitos não conseguem tirar passaporte,
votar, registar os seus filhos com nomes curdos, comprar terras ou casar-se com
sírios.»
A partir de
meados do século XX, ocorrem rebeliões curdas na Turquia e no Iraque.
O projeto de um Estado curdo tem opositores dos governos da região, que
reprimem com violência os separatistas.
Curdistão Sírio: O PKK com o YPG (Unidades de Defesa do Povo - ou popular), atualmente
está conseguindo vitórias sobre exércitos do Estado Islâmico, no Curdistão
Sírio. Outras sete cidades também fazem parte de Rojava, localizada na
fronteira entre Síria e Turquia. Um dos maiores destaques é a brigada de
mulheres do YPG, a YPJ (Unidade de Defesa das Mulheres), que conta com cerca de
sete mil guerrilheiras. A cada dia, novas combatentes se graduam e
ingressam nas unidades do exército guerrilheiro, organizam com outras mulheres
comitês de defesa e têm sido essenciais na defesa de Kobani contra a tentativa
de invasão do Estado Islâmico.
O Confederalismo
Democrático vêm sendo aplicado nessa região
pelo YPG. O professor de Antropologia (London School of Economics) David
Graeber passou 10 dias em Cizire – um dos acampamentos em Rojava, zona ocupada
pelo curdos ao norte da Síria. Junto com estudantes, ativistas e académicos, ele
teve a oportunidade de observar a democracia confederalista curda. Em
uma entrevista à Pinar Öğünç’s, entre muitas outras perguntas, qual foi a
coisa mais impressionante que testemunhou em Rojava nos termos práticos desta
autonomia democrática, ele respondeu:
"Existem tantas coisas impressionantes. Acho que nunca
ouvi falar de nenhum outro lado do mundo onde tenha existido uma situação de
dualidade de poder, onde as mesmas forças políticas criaram ambos os lados. Existe
a “auto-administração democrática”, onde existem todas as formas e armadilhas
de um Estado – Parlamento, ministros, e por aí –, mas criada para ser
cuidadosamente separada dos meios do poder coercivo. Depois há o TEV-DEM (o
Movimento da Sociedade Democrática), raiz das instituições, dirigido via
democracia direta. No final – e isto é fulcral – as forças de segurança
respondem perante as estruturas que seguem uma abordagem de baixo para
cima, e não de cima para baixo. Um dos primeiros locais que visitámos foi a
academia de polícia (Asayis). Todos tiveram que frequentar cursos de
resolução de conflitos não violenta e de teoria feminista antes de serem
autorizados a pegar numa arma. Os co-diretores explicaram-nos que o seu
objetivo final é dar seis semanas de treino policial a toda a gente no país,
para que em última análise se possa eliminar a polícia.»
E a tradução do
texto enviado por email mais perceptível após a transcrição da história curda,
como homenagem às mulheres curdas, que, na sua independência e destemor, como
outrora as Amazonas, servem de exemplo num mundo de piedades tantas vezes mescladas de cinismo. Faltam as
fotografias para realçar os comentários que as acompanham, alguns dos quais as
descrevem, nas suas fardas airosas e variadas, os cabelos mais curtos ou entrançados,
imagens de juventude e beleza, empunhando as suas armas com leveza:
«- Combatentes curdas enviam jihadistas do Estado
islâmico para o Inferno.
- As forças armadas curdas contam mais mulheres
soldados do que a média dos países muçulmanos do Médio-Oriente.
- Ser morto por uma mulher seria o pior receio dos
jihadistas do Estado islâmico.
- «Nós somos iguais aos homens», declara Zékia Karhan,
uma combatente originária da Turquia e membro do Partido dos trabalhadores do
Curdistão.
- Nupelda, uma Francesa que combate ao lado das
Curdas. Tem só 28 anos e já três anos de guerra atrás de si. Uma guerra que ela
leva no Rojava com as YPJ, as unidades combatentes de mulheres curdas na Síria.
- Ela chamar-se-ia “Rehana”, esta jovem e bonita
mulher curda da base de Kobané: tornou-se em poucos dias uma ícone da guerra na
Síria, após a difusão de uma sua foto brandindo o V da vitória no Twitter.
Segundo informações retomadas na rede social, “Rehana” teria matado mais de 100
combatentes do EI.
- Elas têm entre 17 e 30 anos. Fazem parte da mesma
brigada feminina batizada de «Sun Girls»
- As mulheres curdas, ícones da luta armada no Irsaque
e na Síria.
- Estas mulheres são verdadeiras peshmergas – termo que
significa «os que afrontam a morte» - e é o que as torna temíveis para os jihadistas
do exército islâmico.
- Estas mulheres que nos fascinam… de tranças ao vento
e de sorriso nos lábios manejam com habilidade a kalashnikov e seriam as
condutoras das tropas contra as forças armadas do Daech.
- Retrato de uma mulher Peshmerga no quartel militar
após um exercício.
- No Iraque, os combatentes curdos podem contar com o
empenhamento das mulheres para combater os jihadistas do Estado Islâmico. Às
dezenas, elas treinam-se a fazer prisioneiros em campos especializados como
aqui em Sulaimaniya no norte do país.
- Eis o pior pesadelo dos homens de barba do Estado Islâmico…
os comandos femininos curdos (não há paraíso para o soldado de Alá abatido por
uma mulher).
- As raparigas do sol no seu abrigo contra as tropas do Daech.
- Xate Shingali, 30 anos e antiga cantora yazidie,
formou a sua brigada no passado 2 de julho.
- Segundo os Yazidis, os jihadistas teriam medo de ser
mortos por uma mulher, o que os impediria de conhecer as «72 virgens no
paraíso». «O Estado islâmico nunca irá para o paraíso!».
- Nós vamos matá-los.
- Gulnaz Karatas Beritan foi uma das primeiras
comandantes de unidades não mistas no seio do movimento armado. Ele protagonizou
uma resistência acerada contra o inimigo e utilizou até à sua última munição.
Quebrou a sua kalachnikov para não cair nas mãos do inimigo e lançou-se duma
falésia para não ser apanhada.
- De uniforme ou
de jeans, com bonés de camuflagem na cabeça, cabelos soltos, as mulheres
soldados curdas libertas das imposições
islâmicas tornaram-se ícones.
- Elas reivindicam o seu combate para libertar as
mulheres da “empresa extremista”.
- Vemo-las limpar as suas kalachnikov, de cabelos
descobertos e de unhas pintadas.
- Mostrar estas lindas mulheres dá-nos uma bem mais
bela imagem do que uym homem de barbas, é uma (comunicação não oficial”.
«O “Partido
das Mulheres Trabalhadoras do Curdistão”, que seguidamente se transformou no
“Partido da Libertação das Mulheres Curdas”: O movimento armado curdo nasceu em
1992. Foi neste mesmo período que a
participação activa das mulheres nas filas da luta armada tomou uma envergadura
mais ampla e representativa: imediatamente unidades de defesa femininas foram
estabelecidas. E desde 1999 as mulheres tiveram o seu próprio exército com o
seu próprio comando.
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