quarta-feira, 11 de maio de 2016

Nunca será demais referir



Não voltei a ouvir falar de praxes, desde há tempos, depois das últimas referências a crimes sucedidos cá no "Meco", sinais demonstrativos, na opinião de muitos, do mesmo atraso e tendências selváticas que nos levam a apreciar as touradas, gingando corpos e arrostando cornos. Mas talvez possamos inferir também que foram essas tendências que fizeram de nós pioneiros na conquista dos mares, estes de cornos mais aguçados ainda que os dos touros. Quanto às “touradas” impostas pelos veteranos aos caloiros – excluído o sentido específico atribuído à “tourada coimbrã” de ridicularização do professor catedrático no seu primeiro dia de aulas – elas poderão ter muitos adeptos, defensores da mediocridade, da prepotência, do oportunismo, da vileza, etc, ainda que poderes efémeros, na transitoriedade de um ano escolar que os concede ao veterano para se engrandecer impunemente na humilhação do caloiro. Eu vejo isso apenas como um meio tosco e cobarde de passar o tempo, que o estudante devia passar estudando que a isso se destinou, e que a sociedade dele espera, sem, evidentemente, o coarctar na liberdade de se divertir também, sadiamente.  Não me parece sadio, isso das praxes, que um antigo e longo historial condena, começando por Luís António Verney, em “O Verdadeiro Método de Estudar”, de grande actualidade “iluminista”, ainda hoje.
O Editorial do Público de 23/4 retoma o tema que a mim repugna, na bestialidade que dele se infere. E não resisti a transcrever da Internet um seu «apanhado» - «Da praxe ao trote» - no intuito de apoiar a intenção condenatória dos autores do editorial excelente, o título deste bem demonstrativo do desequilíbrio de uma sociedade que permite tal primitivismo impune, para mais em futuros “doutores”.

Haverá um assassino chamado “praxe”?
Público, 23/04/2016
Segregação sexual nas escolas portuguesas? Não há. Pelo menos oficialmente. Fonte oficial do Ministério da Educação garante que a Inspecção-Geral de Educação e Ciência “nunca foi chamada a averiguar nenhum caso” desses. Claro que, caso haja indícios de discriminação, os estabelecimentos de ensino devem denunciar esses casos à tutela. E denunciam? Não. Porquê? Porque não existem? Porque não acham necessário? Porque isso seria dar um peso exagerado a coisas que até podem ser passageiras? Haverá mil e um argumentos, mas neste caso, a segregação ou discriminação sexual é como a velha história popular vinda do castelhano: “No creo en brujas, pero que las hay, las hay”.
A verdade não será propriamente esta: crêem, mas desvalorizam. E isso beneficia os infractores, que tiram partido do silêncio e da impunidade. O caso do Colégio Militar, onde os novos estatutos (agora que também são admitidas raparigas) vêm reforçar as exigências morais, proibindo qualquer manifestação de afecto “que possa comprometer os princípios inerentes a um ambiente pedagógico saudável”, é controverso, e as argumentações de ambos os lados não são conclusivas. Haverá mesmo discriminação? Um ex-aluno relata um “código de honra” não escrito, mas ensinado aos estudantes: “Um código onde roubar, drogar-se e ser homossexual eram três actos imperdoáveis”. Não é isto homofobia? Sim, talvez, mas não há provas. É palavra contra palavra.
É neste “palavra contra palavra” que se tem refugiado um outro monstro que ainda não conseguimos debelar: os efeitos perversos e, nalguns casos, criminosos, das praxes. A princípio é tudo uma brincadeira, pretexto para integração, uma coisa que passa. Mas talvez não passe assim tão facilmente. Quando o PÚBLICO publicou, em 2014, um inquérito que fez a estudantes sobre este tema, relatavam-se nele episódios grotescos, deploráveis ou até assustadores. Mas, na maioria dos casos, tais “sacrifícios” eram suportados com nojo apenas para garantir a pertença ao grupo, para evitar ficar de fora, ou no futuro serem olhados pelos colegas como estranhos. Os limites de tais práticas ficam sempre atrás dos “muros” do silêncio conivente, inclusive das universidades.
Quando é que ouvimos falar de tais desmandos? Quando acabam mal. Foi o que sucedeu, em Outubro de 2001, com um estudante em Famalicão. Morreu após uma praxe, mas a morte foi atribuída a uma hemorragia cerebral. Até que um médico desconfiou, um tribunal interveio, e uma autópsia revelou um hematoma extenso no cerebelo, uma fractura da primeira vértebra cervical, duas escoriações no lábio, uma escoriação na orelha direita, múltiplas equimoses no tórax, múltiplas equimoses na região lombar e uma equimose no testículo. E a universidade foi condenada a pagar à mãe uma indemnização. Mas não houve processo-crime. E a mãe, certo dia, chamou “assassino” a alguém na televisão. Esse alguém não gostou e agora é ela que vai a tribunal, acusada de difamação. Um processo que noutros casos seria “normal”, aqui surge como um enorme absurdo. Tudo porque a praxe se sobrepõe, mais uma vez, a qualquer justiça. Haverá um assassino chamado “praxe”? Se houver, acusem-no.

O texto que retirei da Internet:

Publicado por «Da praxe ao trote»
«A praxe consiste no conjunto de práticas, costumes e tradições de uma determinada comunidade académica portuguesa, tais como as serenatas, a queima das fitas, festas e jantares, as touradas e o polémico “gozo ao caloiro”;
Muitas vezes confunde-se praxe com o “gozo ao caloiro” que consiste em brincadeiras colectivas ou individuais em que são necessários pelos menos um caloiro e um superior hierárquico;
O mote da praxe “Dura praxis, sed praxis”, é inspirado no mote latino “Dura lex, sed lex”, que significa “A lei é dura, mas é a lei”;
Tem origem na Universidade de Coimbra, inspirada no “foro académico”, uma espécie de jurisdição aplicada nas faculdades pelos Archeiros, uma força policial especial, que patrulhava o perímetro e impedia não-docentes e não-estudantes de lá entrar. Esta força policial termina em 1834 e, durante o Salazarismo, os estudantes tratam de organizar uma força própria destes, que imitava os Archeiros e que evolui para a praxe tal como a conhecemos hoje;
 Teófilo Braga, Eça de Queiroz, Ramalho Ortigão e outros intelectuais do seu tempo eram contra a praxe, sendo que estes dois últimos assinam um “manifesto anti-praxe”;
Durante a Implantação da República, a praxe foi abolida, até ser readmitida em 1919;
Durante os finais do Salazarismo, e durante algum tempo após o Salazarismo, a praxe foi pesadamente contestada pelos alunos mais interessados na política que pendiam para o bloco de esquerda, anti-salazaristas. Até finais dos anos 70, estes alunos pensavam que a praxe era repressiva e retraía os seus colegas do pensamento político;
Retomada da praxe nos anos 80. Tem núcleo em Coimbra, onde os alunos interessados na política começam a perder seguidores, e esta retomada alastra-se para o Porto, Coimbra e Évora. Existem mesmo Faculdades com seus próprios Códigos de Praxe, como a Faculdade de Ciências e de Farmácia de Lisboa;
No século XVIII, O Rei D. João V proibiu as investidas dos veteranos sobre os caloiros;
Ainda nos dias de hoje, assiste-se à criação de associações anti-praxe, como  o Movimento Anti “Tradição Académica”  e o Antípodas.  Estes movimentos desejam que os alunos sejam recebidos de igual para igual, e não de uma forma hierarquizada, como fazem na praxe.  A MATA inclusive escreveu um manifesto anti-praxe de 2003, que foi assinado por várias celebridades como Pedro Abrunhosa e Pacman.
O ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Mariano Gago, enviou duas cartas, no início dos anos lectivos de 2008 e 2009, avisando de que os veteranos deveriam ter calma aos praxados, para impedir casualidades; 
”Praxistas extremos
Casos principais de praxes letais ou danosas:
-Aluna em Santarém coberta com fezes, no início do ano lectivo 2002/2003, por se declarar anti-praxe. Seis alunos foram levados a julgamento por isto;
-Estudantes de escolas superiores agrárias de Coimbra e de Elvas, espancados até à incapacitação;
-Aluno faleceu após espancamento, em 2001, na Universidade Lusíada, quando quis sair da Tuna (uma das tradições de praxe é cada faculdade ter uma Tuna, ou seja, um grupo musical com as suas próprias canções e músicas). A praxe de despedida resultou em morte, e nenhum dos alunos da Tuna envolvidos foi acusado. Quem foi responsabilizado foi a própria Faculdade, com uma indemnização de 90 mil euros à família. Este acontecimento causou imensa polémica;
E com isto damos por encerrada a nossa lição sobre Praxe. Esperamos que tenham gostado, e se tiverem alguns reparos a fazer sobre a informação que vos demos, deverão fazê-los.»

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