sexta-feira, 6 de maio de 2016

Os Portugueses e as Portuguesas



Não sei o que aconteceu, mas Bagão Félix não participou no «Tudo menos Economia» de 30/4, que subscreve juntamente com Francisco Louçã e Ricardo Cabral. Geralmente o procuro, na sensatez e ironia dos seus comentários, mas foi Francisco Louçã que apareceu, num escrito que me espantou, mais próximo de um pensamento de moderação e equilíbrio, que nem sempre revelou, sobretudo quando despejava ódios contra as gentes – os governos – de direita. Logo supus que, o ter constatado um certo endeusamento das suas partenaires do BE que nitidamente o suplantaram na opinião pública, mais afecta ao vedetismo de jovens atrevidas na sua modéstia garrida, certamente que contra o seu parecer inteligente, na constatação da mediocridade e provincianismo samaritano e monocórdico dos seus discursos balofos, escolheu o tema “sexista” para de certo modo as atacar.
Não sei se foi esse o motivo da sua escolha temática. E, todavia, concordo com ele. Também me parece absurda a pretensa homenagem às mulheres nas retóricas oratórias, que as incluem, qual miminho à gatinha, nos apelos com que dantes o masculino apenas era designativo da generalidade que a todos englobava, em idêntico orgulho de participação. É certo que o “Minhas senhoras e meus senhores”, por ser fórmula de delicadeza com que o machismo de antanho sempre distinguiu a Mulher – talvez por hipocrisia interesseira (a Mulher como Fada do Lar necessária ao equilíbrio social), talvez por delicadeza para com um ideal de beleza e fragilidade, própria de uma sociedade de classes e educações de parâmetros convencionais, em que apenas esse traço realçava a importância da Mulher), o “Minhas senhoras e meus senhores” sempre foi naturalmente aceite, no requinte da dicotomia.
Mas essa Mulher que desejou conquistar a sua igualdade, esse Homem que quer mostrar-se obsequioso e moderno, toda essa luta me parece tola e contrária, como afirma Francisco Louçã, aos desígnios da língua, forjada em práticas consuetudinárias que deveriam ser respeitadas.
É certo que a uma nação que despreza a língua, como se tem visto, formulando novas regras contrárias a todo o bom senso, e sancionadas pelos governos sucessivos, tanto se lhe dá como se lhe deu o ridículo da bifurcação do plural sexista. Marcelo Rebelo de Sousa, como deseja agradar a gregos e troianos e respectivas caras-metades, esmera-se em aplicar a bifurcação, o que soa a ridículo também.
 Em todo o caso, ouvi-o dizer, creio que em Moçambique, que seria preciso rever o Acordo Ortográfico. Se tal fizesse e o conseguisse, desculpar-lhe-ia todos esses aspectos negativos do seu comportamento irrequieto, apelativos da simpatia universal.

A Língua Portuguesa, santificada seja ela nas suas alturas
Francisco Louçã
Público 30/4/16
Ouvi e não consegui evitar o espanto. O espanto, não, mesmo o escândalo, se não a indignação. Pois não é que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, e logo no parlamento, e logo na sessão solene do 25 de Abril, se permitiu dizer o seguinte: “É olhar para a forma como Portuguesas e Portugueses estão a viver a saída de uma crise, certamente uma das mais pesadas desde o 25 de Abril de 1974. Elas e eles sofreram sacrifícios, cortes, penalizações”. Como se não bastasse esta afronta, repetiu a tolice umas frases adiante: “Elas e eles foram os grandes vencedores sobre a crise”.
Estava eu esmagado pelo argumento imperioso dos críticos, essa tal de linguagem inclusiva é um disparate, o masculino plural sempre serviu e sempre há-de servir para incluir homens e mulheres, isto é um problema de gramática e não é de sociedade, está bem como está, o cavalheiro deixe-se de frescuras, a Língua Portuguesa é definitiva, e sai-se o Presidente com uma destas. De facto, com duas destas, ele disse e repetiu, um erro ainda se perdoa mas dois erros é uma estratégia.
Que a coisa foi longe demais, é bem evidente. Tudo começou com uma proposta bastante ingénua e menor (o Cartão de Cidadania, pelo amor da santa, era só isso), armou-se um fuzué tremendo, televisão, reportagem, crónicas, incêndios vários. E, claro, como estas coisas acontecem de onde menos se espera, tive direito a que me expliquem paternalmente que é tudo “treta” (Ferreira Fernandes até decidiu declarar-se ofendido e atirar-me com uma história estrambólica sobre uma candidata de burka algures no norte da Europa) e Nuno Pacheco, imperial, veio impor um definitivo querem mesmo acabar com a linguagem ‘sexista’? Acabem com o Português”. De permeio, citação de Ricardo Araújo Pereira, a quem tiro sempre o chapéu, e de Miguel Esteves Cardoso, que aliás teve a elegância de vir deitar água na fervura e explicar, meio a brincar e meio a sério, que até gosta disso de usar “cidadania” para designar o homem e a mulher e os seus cartões. O assunto teria ficado arrumado, digo eu, se não fosse esta ligeira tergiversação do Esteves Cardoso, mas todas as guerras têm as suas baixas.
Eu não sabia que escolher a designação de “alunos” para uma turma de 25 mulheres e dois homens era uma imposição definitiva da Língua Portuguesa, abençoada seja ela. Ingenuidade minha, aprendi logo com a admoestação. Imaginava que me podia atrever a dizer “enfermeiras” ao tratar de uma profissão que tem, quantas serão: 95% de mulheres? Arrependi-me logo, estaria certamente a “acabar com o Português”.
Pensava eu que podia propor uma abordagem moderada, pragmática, porque me cansa repetir exaustivamente “professoras e professores”, ou “trabalhadoras e trabalhadores”, e por isso gostaria de usar termos inclusivos aqui e além, de modo a respeitar homens e mulheres e que a língua seja o que é, uma forma de comunicação fluida e consistente entre pessoas – nunca mais me atreverei a pensar nisso, é uma “treta”, “a mais tola e inútil das cruzadas” que até pode “acabar com o Português”.
Entendam portanto a minha indignação quando escutei o Presidente a dilacerar a Língua Portuguesa. Ele não leu a Gramática? Ele atreve-se a pronunciar “a mais tola e inútil das cruzadas”? Não ouviu os áugures que nos avisam da desgraça da Língua Pátria? Não sabe que as regras são eternas, que na Língua não se mexe, que o que é “Homem” há-de ser sempre homem e mulher e que o que é “homens” será tudo? Pensará ele que a Língua evolui e que os seus atrevimentos no discurso do 25 de Abril a vão ajudar a mudar, ou que a sociedade é que vai fazendo a língua e não o inverso? Não percebe o que é evidente? E não há impeachment num caso tão sinistro como este?

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