Gosto dos artigos de Teresa de Sousa, inspirados num
propósito de isenção política e no bom senso de pessoa bem formada e bem
informada, sempre a par das linhas condutoras da evolução e mudanças no mundo
ocidental. Mais um artigo, este, de interesse, na defesa de um homem que também
admiro, na superficialidade, é certo, e subjectividade da minha ignorância
política, mas na admiração por uma figura de garbo, inteligência e humanidade
que permanece na nossa memória em actuações várias de elegância e discrição e
aparente honestidade, além de sentido amplo de humor. Por isso, guardo com
prazer o texto de Teresa de Sousa, pelos dados do seu rigor informativo, para,
igualmente, render a Obama a nossa homenagem, e sobretudo da nossa amiga, que desde
os primórdios das eleições que alcandoraram Barack Obama no pódio de um cargo
de excelência, achou que o mundo iria tornar-se menos aguerrido, sobretudo lá
pelo Médio Oriente, com a sua demarcação de uma carnificina, que um seu
antecessor – Bush – protagonizara, nos tempos de Saddam Hussein. A paz no mundo
não se fez, é certo, passando os pretextos da guerra a depender mais dos ódios
fundamentalistas do que dos furos petrolíferos ou das ameaças nucleares. Não sabemos
como será a seguir, com uma mulher, talvez, como sua sucessora, num planeta cada
vez mais instável. Foi mais um que passou, Barack Obama, num mundo que Saturno
devora, imparavelmente, deixando rugas e rasgando, ora aqui, ora além. Tout passe.
Vamos
ter muitas saudades dele
Público, 24/04/2016
1. Ontem, em Londres, durante uma conversa com
um auditório cheio de jovens de todas as proveniências e todos os credos, Obama
demonstrou uma vez mais o que significou para o mundo. Quase oito anos depois
da sua extraordinária eleição, o Presidente consegue ser ainda uma esperança e
uma inspiração. Teve de lidar com um mundo em desordem, mergulhado em crises e
em conflitos, e redefinir em parte o papel dos Estados Unidos na cena internacional.
Teve de tomar decisões muito difíceis, em que a realidade se impôs aos valores.
Teve de enfrentar um clima político em Washington dominado por uma única
vontade dos republicanos: já que não conseguiram fazer dele um Presidente de um
só mandato, obstruíram tudo aquilo que quis mudar internamente. Enfrentou a
progressiva transformação do GOP num partido dominado pelo Tea-Party, a versão
americana do populismo radical a cuja ascensão também assistimos na Europa. As
primárias republicanas, que seguimos quase sem ter tempo de fechar a boca do
espanto, são a imagem oposta de tudo aquilo que ele simbolizou para a América e
para o mundo, deixando-nos uma pungente interrogação: como é possível que o
país de Obama seja também o país de Trump ou de Cruz?
2.
O seu encontro com os jovens de Londres devolveu-nos a memória da sua primeira
visita à Europa, em Junho de 2009, para participar em Londres na reunião do G20
e, logo a seguir, em Estrasburgo, na cimeira da NATO. Que me lembre, nunca uma
assembleia de jornalistas, por sinal dos mais reputados órgãos de informação
ocidentais, não conseguiu resistir a uma salva de palmas no fim de uma
conferência de imprensa. Não era só o apreço por aquele Presidente, cuja
eleição só por si fazia História. A diferença esteve na forma como respondeu
às suas questões. Sem a rapidez de uma frase feita ou uma ideia vaga e não
comprometedora, mas com o rigor e o tempo a que um raciocínio obriga.
Ontem, em Londres, falando com os jovens britânicos, mostrou-lhes que as suas
perguntas estavam mesmo a ser ouvidas. No seu discurso de posse, em Janeiro de
2009, tinha prometido afastar o cinismo da política. A obsessão dos
republicanos contra ele acabou por gerar as sementes do que hoje são as
primárias republicanas. Lá como cá, a radicalização política à direita e
à esquerda (ainda que muito diferentes no seu conteúdo) está a abrir um vazio
ao centro que antecipa problemas sérios com que as democracias ocidentais vão
ter de lidar. Como noutros momentos da História americana, o nativismo, o proteccionismo,
a xenofobia, o isolacionismo podem transformar-se em tendências dominantes.
Trump foi dado como acabado mesmo antes do início da campanha, talvez porque
ninguém estava preparado para ele, nem sequer o Partido Republicano. Do lado
democrata, a selecção das primárias é menos controversa, mas igualmente
inesperada. Hillary Clinton voltou a ser vista como imbatível, tal como
aconteceu em 2008. Agora, teve de se esforçar muito para evitar uma surpresa
como a anterior.
Tenho
na minha estante alguns livros sobre as razões pelas quais a esquerda
socialista à moda europeia nunca teve sucesso na América. Bernie Sanders não se
coíbe de defender o modelo social europeu, de querer desligar a política do
dinheiro, de colocar a desigualdade em confronto com a liberdade individual. A
forma como atrai os jovens de todas as origens (Obama também conseguiu esse
efeito há oito anos) é um aviso de que a fome de esperança por uma sociedade
mais justa e mais decente é uma realidade capaz de subverter algumas certezas políticas.
Mas há um traço comum nesta nova realidade americana: a visão de uma América
farta do mundo, da liberalização do comércio, que não quer mais imigrantes
muçulmanos ou mexicanos (não é o caso de Sanders), nem mais produtos chineses,
que lhe rouba os empregos. Hillary acabará por ser a salvação, mas não poderá
ignorar esta nova realidade. Ela própria sempre soube que tudo quanto parecia
fácil para Bill era difícil para ela. Aprendeu a resistir a todas as
adversidades e isso dá-lhe força.
3.
Voltemos a Obama e à sua despedida europeia. Ficámos ontem com o retrato de um
Presidente do qual já temos saudades. A sua popularidade na Europa continua
altíssima. Na África do Sul, na despedida de Mandela, não houve ninguém, mas
ninguém, que conseguisse disputar com ele o entusiasmo e os holofotes. Em Cuba
foi a mesma coisa. Acaba de dar uma machadada preciosa nos defensores do
"Brexit", sem medo das palavras para descrever as consequências.
Disse aos jovens que toda a gente deve estar preparada para ouvir os argumentos
dos outros, sobretudo quando são diferentes dos nossos. Foi o que fez em
Londres. A frase mais dura foi direita ao que dói mais aos britânicos: fora
da Europa, teriam de ir para “o fim da fila” em eventuais negociações
comerciais com os EUA. Os defensores da “esplêndida solidão” britânica acusaram
o toque. Boris Jonhson, o mayor de Londres e rival conservador de Cameron, com
as suas originalidades sumamente irritantes e classistas, foi ao ponto de dizer
que Obama era apenas meio americano, um tema que a direita radical americana
utilizou até à exaustão.
4.Continuo
a considerar que Obama foi das melhores coisas que aconteceram ao mundo nos
últimos tempos. Quase oito anos depois de entrar na Casa Branca, o
Presidente ainda consegue manter praticamente intacto o apreço de “todos os
homens de boa vontade”, como disse Pierre Hassner na altura da sua eleição.
Mesmo jovem, era demasiado culto e conhecedor da História do seu país para não
compreender a extraordinária grandeza de Churchill. Forjou laços de amizade com
muitos dos líderes europeus. Percebe hoje melhor uma Europa onde a História
continua a pesar sobre o destino dos povos. A Rainha, símbolo dessa História
que ultrapassa o tempo, convidou-o para o seu aniversário, multiplicando os
sinais de simpatia, mesmo os que vão para além do protocolo. A sua fotografia,
curvado à altura de um príncipe George de pijama e roupão, antes de um jantar
no N.º10, oferece a Cameron uma imagem mais humana e mais próxima do Presidente
que ainda vive na Casa Branca. Obama vai hoje almoçar à chancelaria de Berlim
(Merkel tem certamente um dos números de telefone para onde mais liga) e
encontra-se mais tarde com Cameron, Hollande e Renzi. A Europa decepcionou-o
muitas vezes, mas continua a ser um parceiro indispensável. Os problemas que o
seu país enfrenta não são muito diferentes dos nossos. Precisamos que continue
a ser uma inspiração.
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