«Yo no quiero sentir nada
por nadie. No quiero sentir amistad, no quiero sentir ni tristeza ni felicidad
por alguien. No quiero que alguien me importe. Porque al final todos se van y
dejan un vacio que no puedo controlar.»
Eis um escrito encontrado na página das imagens de «Veneno
e antídoto” da Internet, que sintetiza, de modo chão, as dores existenciais
de Ricardo Reis, de reconhecimento fatalista do efémero, que nele conduz a uma
atitude de indiferença estóica perante as emoções, embora os palavrões
filosóficos de fatalismo, estoicismo, ataraxia, apatia, cepticismo, epicurismo,
sejam luxo verbal para estes fenómenos da nossa contemporaneidade, de ausência
de princípios morais e racionais, puros abortos que a difusão e requinte dos
meios bélicos auxilia nos seus actos de terrorismo ou criminalidade gratuita, sobranceira
e sem disfarce, embora com burca. A cada passo os media se lhes referem,
tornando-se tema de crónica como de opinião pública, que assim vão tentando repor
o equilíbrio dos pontos de vista mais racionais e exigentes dos valores morais –
o que é contrabalançado pela própria ambição inesgotável das cínicas potências
mundiais, que fabricam e vendem armas aos tais abortos amorais ou outros, que,
seguidamente, destroem – ou não – acudindo generosamente aos debilitados, com
os seus sacos de farinhas ou de medicamentos e o apoio generoso das prestáveis benfeitoras.
Na Terra, tudo se gera por ciclos, sem parança – o ciclo da água, o
ciclo das rochas, o ciclo das estações do ano, o da reprodução animal e vegetal… Também os
homens estabelecem ciclos – o ciclo da venda e compra de armas, de intenções
cínicas as dos vendedores, criminosas as dos compradores, o ciclo do Bem e do
Mal, do Céu e do Inferno, da Vida e da Morte, da construção e da destruição, da
erosão e da consolidação, do caos e da ordem… mas, como sugere Ricardo Reis, tudo
isso é nada, ou Hamlet morrendo, “O resto é silêncio”
Os textos do Público que seguem, tratam do problema do
terrorismo actual tão generalizado entre a juventude, a propósito de ideologias
fundamentalistas ou, como o texto acima informa, ausência total de sentimentos,
caso de perfeita “abortia” humana:
Covardia
Público, Cartas à Directora
Carlos J F Sampaio, Esposende
25/3/16
Já
vivi em Bruxelas. O meu local de trabalho ficava a escassas centenas de metros
do local onde foi identificada a presença de Abdeslam no passado dia 15/3, em
Forest. Todos os dias entrava em Bruxelas pela Rue de La Loi, onde se encontra
a estação de Maelbeek, alvo de um dos ataques de hoje. Não é que isso tenha um
significado especial. Talvez tenha apenas contribuído para passar a manhã sem
me conseguir afastar muito das notícias que iam caindo, um hábito destes dias,
que ganhei quando vivi na Argélia, onde, por acaso, até me encontro neste
momento. É difícil não repetir as mesmas reflexões das situações anteriores,
sentir a mesma revolta e, felizmente, continuar a achar que isto tem que
acabar.
Obviamente
que a mediatização da perseguição e da captura de Abdeslam foi um espetáculo
acessório, uma celebração tragicamente curta. A sua aparente permanência
clandestina, no seu bairro durante 4 meses, é por si só suficiente para
justificar que não estamos em presença de um lobo solitário e, muito provavelmente,
a ação de hoje não terá sido levada a efeito por um comando chegado na véspera
do Médio Oriente.
Há
uma parte, grande ou pequena, da comunidade imigrada cúmplice e encobrindo a
presença destas redes. A outra parte, supostamente bastante maior, não pode simplesmente
dizer “nada comigo”. Todas as frustrações, as discriminações racistas, que as
há, não deveriam permitir nenhum tipo de contemporização com estes atos
ignóbeis e covardes, sob pena de agravar e tornar irreversível o processo.
Não
sei se iremos ainda a tempo de termos na Europa um espaço comum onde a
comunidade muçulmana esteja integrada e percecionada como respeitadora da
convivência pacífica. Sei que esta frase é politicamente incorreta e algo
injusta no seu fundo. Mas é pertinente. Não sei se iremos a tempo. Sei que
bater na tecla do costume, da exceção, dos “mas” e “também”, vai levar a isso
certamente. Denunciem-nos por favor!
Veneno e antídoto
Público, 25/03/2016
Antes de explodir, Ibrahim deixou
uma mensagem num computador: procuravam-no por todo o lado, e se não fizesse
nada arriscava-se a passar a vida numa prisão. Por causa das pressas, morreram
dezenas de inocentes na Bélgica. Morrer sim, ser preso é que não. Esta lógica
partilha-a Breivik, um rapazola loiro de olhos azuis que foi fotografado há uns
dias num tribunal norueguês a fazer a saudação nazi. Breivik assassinou em
2011, a tiro e à bomba, 77 pessoas em Oslo e Utoya, ferindo 240. Condenaram-no,
por isso, a 21 anos de prisão, o máximo que a lei norueguesa permite. Mas
Breivik está descontente (e aqui se percebe a pressa de Ibrahim), queixando-se
de um “tratamento desumano” na prisão. É que, diz ele, não tem manteiga
suficiente e o café chega à cela já frio. Parece impossível!
Claro que não é só o problema das prisões, também há uns
deuses que os mandam matar, seja para purificar a raça, a sociedade ou outra
coisa qualquer. Tudo isso é compreensível. Agora serem presos? Francamente!
Veja-se o caso de outro rapaz que também foi preso e não gostou nada.
Chamava-se Adolfo e, na prisão, desatou a escrever um livro. Tinha 35 anos e,
para alívio geral, não passou dos 56. O pior é que, antes, encheu o mundo de
dor e sangue. O livro chamou-se Mein Kampf (A Minha Luta) e serviu de guia ao
nazismo, que desceria uma cortina de terror sobre o planeta. Foi recentemente
reeditado em Portugal, pela segunda vez em democracia. Da primeira, lançou-o
Fernando Ribeiro de Mello, em 1976, nas ousadas Edições Afrodite, com
comentários acusadores para Hitler (entre eles, o do historiador A.H. de
Oliveira Marques). Agora voltou com chancela da Guerra & Paz e um relato
dos crimes do nazismo, do terror ao holocausto. Ou seja: veneno e antídoto.
Lido, há paralelos com os fascismos de hoje, “europeus” ou
“islâmicos”: a fanfarronice, a fé cega numa causa, a submissão ao chefe, a
bandeira do ódio, o destemor da morte. Ora a nossa luta, venham maltrapilhos ou
impecavelmente fardados, é impedir que vençam. Outra vez.
Para disfarçar o pesadelo que os textos transmitem, terminemos
em beleza, com Ricardo Reis, que, com um requinte de génio, criou, afinal, uma
figura egoísta, indiferente, espécie de Meursault antecipado, estrangeiro num
mundo de regras e convenções, mundo absurdo em que “passamos como o rio”:
Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos
as mãos).
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais
longe que os deuses.
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena
cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E
sem desassossegos grandes.
Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre
correria,
E
sempre iria ter ao mar.
Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e caricias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo
correr o rio e vendo-o.
Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento —
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos
inocentes da decadência.
Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim
depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te
mova,
Porque nunca enlaçámos as mãos, nem nos beijámos
Nem
fomos mais do que crianças.
E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro
sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim — à
beira-rio,
Pagã
triste e com flores no regaço.
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