domingo, 29 de maio de 2016

“Sol” no “túnel”



Foi do “Sol” de 20/5 que retirei o texto de Dinis de Abreu sobre José Sócrates. Sol, um jornal com notícias  que me pareceram bastante “badaleiras”, a apelar para o sensacionalismo nos comentários ou registos de frases das pessoas da nossa proeminência comezinha, ou até anedótica, que me desgostou. Mas parece que é essa a nossa tendência, revisteira, outros temas mais “sérios”, implicando estudo, sendo menos apelativos das nossas aspirações intelectuais, que naturalmente retirariam eficácia lucrativa às vendas do jornal.
Julgava que Sócrates era caso arrumado, mas não resisto a pegar-lhe na imagem rapioqueira, de pessoa destituída de vergonha, numa ânsia de notoriedade bastante insensata, após um viver de trafulhice que, ao que parece o autoproclamado primeiro ministro pretende “reabilitar”, irmanados na força da mesma.  Voltemos, pois, ao “túnel”. Do Marão.

A ‘reabilitação’ de Sócrates
Sol,  20/05/2016
A‘reabilitação’ pública de José Sócrates deu outro passo no último fim de semana, enquanto a Justiça tarda em deduzir a acusação contra o ex-primeiro ministro, uma folga bem-vinda e zelosamente aproveitada.
Ao comparecer na cerimónia inaugural do túnel do Marão, a convite do Governo, Sócrates recuperou a pose de Estado – e, ao contrário de António Costa, não evitou os jornalistas. 
Esteve disponível para todas as câmaras e microfones e repetiu o discurso que levava estudado. Nada que surpreendesse. Os desígnios insondáveis do destino – e o calendário da Justiça – permitiram-lhe recuperar um protagonismo que não o embaraça. Está como peixe na água. 
Quem o ouviu poderia ser tentado a pensar que a obra fez-se à sua imagem, e que nunca teria avançado sem ele. E, no entanto, ficou longamente encalhada e exposta à realidade dos cofres vazios – e às incertezas das contas do Estado no vermelho. 
O país que o ex-primeiro ministro trespassou em 2011 estava à beira da falência. 
Como a memória é curta, após a subida a pulso para sair do poço, o PCP e o Bloco querem afundá-lo definitivamente, ao preconizarem a saída do euro, como se este fosse a fonte de todos os males e a moeda de troca para a felicidade do povo. É o novo obscurantismo a bater à porta.
Esqueçamos, porém, a romaria e o folclore habituais, bem como as trombetas que logo ressoaram para gabar o túnel que rompeu o Marão, como o maior da península e a maior obra pública da década, a merecer a presença dos notáveis da região e do cortejo ido de Lisboa. 
Esqueçamos, também, que António Costa aproveitou o momento para levar água ao seu moinho da regionalização, no qual anda discretamente empenhado. 
Esqueçamos, por fim, a habilidade do protocolo, delineado para fintar os jornalistas e evitar que estes registassem o momento do ‘reencontro’ do primeiro-ministro com o ex. Não houve foto em conjunto, como não houve do triunvirato das esquerdas na assinatura dos acordos da ‘geringonça’. Há ‘intimidades’ que se escondem. 
A coreografia seguida a preceito (embora o guião fosse negado) separou meticulosamente os dois companheiros de Governo e de liderança do partido, com os papeis perfeitamente atribuídos. 
Do alto do púlpito do Marão, Costa saudou «na pessoa do engenheiro José Sócrates (…) todos aqueles que, de 2007 até hoje, contribuíram nos sucessivos governos para que esta obra tenha sido concluída». Elogio despropositado, desproporcionado, inoportuno.
Sócrates não se fez rogado. Desdobrou-se em declarações, com ligeireza e alvos estudados. Pedro Passos Coelho foi o principal, a pretexto de estar ausente das celebrações. A verdade é que coube ao seu Governo emendar a mão, e resgatar o projeto inacabado até se avistar a luz ao fundo do túnel. 
Mas pouco importa o que Sócrates disse. E menos ainda se tudo foi previamente combinado com António Costa, a quem ‘mimou’ recentemente, noutra entrevista à rádio pública, ao dizer que «nunca seria primeiro-ministro sem ter ganho as eleições». Uma ‘canelada’ que o visado fingiu não perceber. 
Importa, sim, anotar a ‘normalidade’ que exibiu, como se já não estivesse a contas com a Justiça.
Costa está longe de ser ingénuo. Não foi por acaso que apenas se deslocou uma vez ao estabelecimento prisional de Évora, onde Sócrates permaneceu em prisão preventiva. 
Mas antes de convidá-lo para uma cerimónia pública, rodeada de muito simbolismo, o primeiro ministro (e antigo ministro da Justiça) deveria ter lido o acórdão do Tribunal Constitucional, publicado em Diário da República no inicio de março, que não só validou a «excecional complexidade do processo» que envolve o arguido José Sócrates – corroborando a posição do Ministério Público –, como englobou nos pressupostos do documento alguns aspetos concretos da investigação, em parte referenciados na imprensa. 
A natureza e especificidade do acórdão do TC deveriam ter aconselhado António Costa a ser mais prudente.
Afinal, José Sócrates continua indiciado pelos crimes de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais. Nada mudou.
Cautelarmente, é certo, Costa não quis ficar na fotografia ao lado de Sócrates, mas fez questão em dar-lhe palco no meio da girândola festiva. Era esse ruído que lhe fazia falta. 
E falou pelos cotovelos, como se fosse o dono da festa, quando o decoro lhe recomendaria contenção.
Os media são hoje para ele, como foram no passado, o seu balão de oxigénio. Sem eles já não existiria. 
Para os especialistas em ‘reversões’, sobejará sempre a esperança de que o futuro ‘reverta’ os indícios acumulados na Operação Marquês. Ou os arquive. O Marão poderá ter sido mais uma etapa no processo de ‘reabilitação’. Os ‘socráticos’ voltaram a estar ativos, no Governo e fora dele. A Justiça que se cuide!..

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