O texto de Miguel de Sousa Tavares – “Lista exaustiva das ideias
espectaculares de Rui Rio” – prova decididamente que todos os
homens são iguais, sem o melindroso senão de que uns são mais iguais que
outros. Afinal, todos leram pela mesma cartilha, com a convicção – e a comoção
- de que o catecismo dessa cartilha é que está a dar, todo dedicado a nós, povo
da vila morena, no nosso lindo país de homens incendiários e poluidores de
praias e de rios, e de clima amenamente castigador da Terra. Que importa, pois,
que todos os dirigentes ou mesmo dirigíveis, sejam a favor das acções virtuosas
que têm o homem e a mulher na meta da sua virtude socioideológica? A verdade é
que os blocos esquerdinos fizeram escola na defesa dos sacrificados e agora
todos os imitam, pelo menos nas tiradas sociais, mesmo que seja à custa de
dinheiros com que outros povos nos desenrascam.
É certo que ainda se vêem homens e mulheres à esquina do Pingo Doce –
refiro-me ao da Parede, onde alternam, com a sua traquitana de vestes e abrigos
enxovalhados – não sei se dormiram lá, na esquina, – ora um mendigo, ora uma
mendiga com aparência indiferente ao mundo, e esses não são referidos pelos
governantes, apoiantes ou candidatos a governantes da lista que JMT apresenta,
jovem arguto e despachado no seu descrever.
No tempo de Cesário Verde, os
mendigos manetas e sórdidos, ou mesmo o professor de Latim de Cesário,
arrastavam-se por outras bandas, por exemplo, nas esquinas, mas não de Pingos
Doces, o que seria anacrónico referir, como se comprova em “O Sentimento dum
Ocidental”: «E, nas esquinas, calvo, eterno, sem repouso, Pede-me sempre
esmola um homenzinho idoso, Meu velho professor nas aulas de Latim!”, e demonstra
uma certa imutabilidade na via da nossa mendicidade, que essa não faz parte do
nosso Estado social, pois não está contida nas propostas de gestão dos tais
governantes, apoiantes e candidatos, apesar da promessa de “lutar contra a
pobreza”, mas, definitivamente, só a mais disfarçada - o que nos rebaixa
bastante na questão social. Felizmente, estamos habituados.
OPINIÃO
Lista exaustiva das ideias espectaculares de
Rui Rio
Destas 22 propostas, quantas poderiam ser subscritas pelo PS de António
Costa? Vinte e duas.
22 de Fevereiro de 2018
Ontem dediquei-me a analisar em detalhe o discurso programático de Rui
Rio no encerramento do congresso do PSD. Eis a lista exaustiva daquilo que ele
propôs ao país: lutar contra a pobreza; combater a fraca natalidade; apoiar
a terceira idade; combater a desertificação do interior; promover a
sustentabilidade da Segurança Social; promover a solidariedade intergeracional;
defender os princípios do Estado social (e a sua “dimensão humana”); combater a
deterioração do Serviço Nacional de Saúde; implementar cuidados hospitalares
domiciliários; reforçar a rede nacional de cuidados integrados e de cuidados
paliativos; garantir um SNS sustentável e moderno; melhorar as escolas e as
condições de ensino e aprendizagem; promover a ascensão social; apostar numa
política para a infância que promova a igualdade de oportunidades; alargar o
acesso ao ensino superior; apostar numa sociedade do conhecimento e inovação;
apostar numa economia mais competitiva; insistir na ligação das empresas às
universidades; levar a cabo políticas públicas promotoras do investimento, da
poupança, do emprego de qualidade e capazes de induzir o crescimento económico;
proporcionar aos portugueses um nível de vida idêntico ao da média da União
Europeia; descentralizar (a “longo e médio prazo”); olhar para as franjas mais
abandonadas do interior.
Destas 22 propostas, quantas poderiam ser subscritas pelo PS de António
Costa? Vinte e duas. Quantas
poderiam ser subscritas pelo CDS de Assunção Cristas? Vinte e duas. Quantas
poderiam ser subscritas pelo Bloco de Esquerda de Catarina Martins? Vinte e
duas. Quantas poderiam ser subscritas pelo PCP de Jerónimo de Sousa? Vinte e
duas. É curioso que Rui Rio tenha prometido no congresso “resistir ao
discurso fácil e politicamente correcto”, porque aquilo que nos ofereceu na sua
intervenção programática foi um conjunto de banalidades que merecem a
concordância de qualquer pessoa, de Marcelo Rebelo de Sousa a Arnaldo Matos,
passando pela Miss Portugal. Rui Rio disse também: “Não é preciso inventar
diferenças, as que existem já são suficientemente marcantes para todos nós nos
distinguirmos.” É mesmo? A mim parecer-me-ia útil arranjar algumas, porque
até agora vi nenhuma.
Aliás, não foi só no seu último discurso. O primeiro foi igual.
Rui Rio falou a maior parte do tempo para dentro do PSD, mas no final deixou
algumas propostas para o país: inverter o distanciamento entre
cidadãos e partidos; reformar a justiça para obter mais celeridade,
transparência e melhor qualidade legislativa; reformar o Estado e optimizar os
seus recursos; descentralizar e desenvolver o interior; reforçar a
respeitabilidade das instituições; reforçar os direitos e garantias dos
cidadãos; combater a demagogia. Destas sete propostas quantas poderiam ser
subscritas pelo PS de António Costa? Sim, são sete, e dispenso-me de incomodar
o leitor com mais uma ronda pelos partidos e pela Miss Portugal.
As intenções que Rui Rio manifesta constam de qualquer problema
partidário desde 1974, e podem ser resumidas em quatro palavras: “Queremos
um país melhor.” Obrigadinho. A questão não está na qualidade dos
desejos, porque todos somos óptimos a desejar, mas na forma como se
concretizam, tendo em conta a limitação dos recursos e os constrangimentos
políticos e sociais do país. E sobre isso Rio disse nada. Se não quer ser
acusado de ser o António Costa cor-de-laranja, convinha que se esforçasse um
pouco mais.
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