terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Diáspora


Um curioso texto de história cristã, na China do nosso tempo, que nos informa sobre a existência da Igreja Cristã na China, provavelmente já por efeitos da missionação de S. Francisco Xavier por terras do Oriente, em tempos recuados e por conta da globalização de agora. Mas o facto é que a Igreja da versão católica se tornou ali clandestina, perseguida desde Mao, e se quiser singrar, a Igreja na China só pode ser a patriótica, dos defensores do povo segundo a concepção comunista. Um texto muito elucidativo sobre mais um caso de perseguição e luta por ideais religiosos, que lembra o dos cristãos novos, judeus “convertidos” ao cristianismo por cá, para escaparem aos tentáculos da Inquisição.
«A Igreja no Império de Mao», de P. GONÇALO PORTOCARRERO DE ALMADA, um texto elucidativo sobre mais umas andanças do cristianismo, cujas perseguições pelos romanos pagãos o imperador Constantino conseguiu eliminar, e um pouco mais tarde o imperador Teodósio I conseguiu impor como religião oficial do império Romano. Mas trata-se agora do catolicismo na China, um catolicismo politizado para ser bem acolhido, fruto de outra evolução, naturalmente. Uma curiosa lição de história.


A Igreja no Império de Mao
OBSERVADOR, 10/2/2018
Na China, está-se a tentar a substituição dos bispos clandestinos pelos da chamada igreja patriótica, o que está a causar uma profunda consternação nos católicos chineses.
Reza a história que a actual China era denominada, pelos seus habitantes, Zhong-guo, ou seja, o Império do Meio. O nome reflectia uma visão imperialista do mundo, centrado na própria China, que então estava rodeada de Estados tributários, submetidos ao imperador, o Filho dos Céus. A concepção monárquica deu lugar à actual estrutura republicana, mas a China continua a ser um império, embora eufemisticamente disfarçado de democracia popular. Depois da estrepitosa falência dos regimes comunistas europeus, sobretudo graças a São João Paulo II, a China manteve-se fiel ao marxismo, numa das suas mais mortíferas versões: o maoísmo. Não obstante a liberalização da sua economia, o regime político continua autoritário e contrário aos direitos humanos, como o massacre da praça de Tiananmen evidenciou.
Na China comunista, a Igreja católica é perseguida, principalmente os seus bispos e padres. Muitos, com efeito, estão detidos, ou impedidos de exercerem o seu ministério. Como já acontecera com a Revolução Francesa, as autoridades comunistas chinesas promoveram uma igreja católica cismática, que recebe o nome de patriótica, por oposição à verdadeira Igreja, que seria portanto antipatriótica. Escusado será dizer que só os bispos e padres da igreja patriótica têm liberdade de acção; a Igreja clandestina não goza de quaisquer direitos e os seus bispos e padres só podem exercer o seu sagrado ministério de forma oculta e com perigo da própria vida.
Com São João Paulo II e, sobretudo, Bento XVI, que escreveu uma carta a este propósito, têm sido muitos os esforços do Vaticano para estabelecer boas relações com a China, que se espera que venha a reconhecer a liberdade religiosa dos fiéis da única Igreja católica chinesa, dita clandestina. Com efeito, os bispos da igreja patriótica, ao não terem sido ordenados com mandato pontifício, embora tenham recebido o episcopado, estão automaticamente excomungados, também pela sua atitude cismática em relação a Roma. Bento XVI tentou que as nomeações dos bispos católicos na China fosse feita por acordo entre a Santa Sé e as autoridades chinesas, por forma a pôr termo à existência das duas hierarquias paralelas.
Já no actual pontificado, a diplomacia vaticana parece estar a tentar uma nova solução, mas pela via da substituição dos bispos clandestinos pelos da chamada igreja patriótica. Uma tal medida está a causar uma profunda consternação nos católicos chineses, nomeadamente o Cardeal Zen, bispo emérito de Hong-Kong que, por este motivo, foi expressamente a Roma, para protestar pelo que considera ser a venda, pelo Vaticano, da Igreja católica na China.
O Cardeal Zen, que é um símbolo vivo da resistência católica no seu país, conseguiu entregar uma carta ao Papa Francisco, a quem expôs a situação na China e denunciou as tentativas de substituição da Igreja clandestina pela patriótica. Pequim veria com bons olhos a existência de uma Igreja católica nacional totalmente dominada pelo regime, como até à data tem sido a igreja dita patriótica. O Papa Francisco, depois de ler a carta do cardeal Zen e de o receber, assegurou-lhe que deu instruções para evitar o que o bispo emérito de Hong-Kong denunciou. Também garantiu que segue de perto as diligências do Vaticano sobre este particular.
Contudo, outro parece ser o entendimento do Secretário de Estado da Santa Sé, que chefia a diplomacia vaticana. Numa recente entrevista, o Cardeal Pietro Parolin disse: “Se a alguém se lhe pede um sacrifício, pequeno ou grande, deve ter presente que isso não é um preço político, mas faz parte de uma perspectiva evangélica de um bem maior, o bem da Igreja de Cristo”. Como só a Igreja clandestina obedece a Roma, é óbvio que o sacrifício não pode ser outro que o da substituição da sua própria hierarquia pela patriótica, supostamente “para o bem da Igreja de Cristo”. Só assim se poderia chegar, como Parolin deseja, “a já não ter que falar de bispos ‘legítimos’ e ‘ilegítimos’, ‘clandestinos’ e ‘oficiais’ na Igreja chinesa, mas de um encontro entre irmãos, aprendendo de novo a linguagem da colaboração e da comunicação”.
Ora, como George Weigel recentemente escreveu, sempre que a diplomacia vaticana optou por colaborar com regimes totalitários, os resultados foram desastrosos. Com efeito, as concordatas com Mussolini e Hitler não impediram que o fascismo italiano e o nacional-socialismo alemão perseguissem a Igreja católica, que denunciou aqueles dois regimes por via das encíclicas Non abbiamo bisogno, de 1931, e Mit brennender Sorge, de 1937, ambas de Pio XI.
Também são preocupantes as declarações do chanceler da Pontifícia Academia das Ciências, o arcebispo argentino Marcelo Sánchez Sorondo que, no seu regresso de uma viagem a Pequim, declarou que “os chineses são, de momento, os que melhor põem em prática a Doutrina Social da Igreja”! A afirmação esquece que a China não só desrespeita os mais elementares direitos humanos – recorde-se, por exemplo, o recurso frequente à pena de morte, a sua política repressora da natalidade, a ausência de liberdade política, religiosa, etc. – como também é, na actualidade, um dos países em que os católicos são mais perseguidos.
Sánchez Sorondo permitiu-se até exaltar a ‘superioridade moral’ da China comunista. Segundo o chanceler da Academia das Ciências, Pequim “defende a dignidade da pessoa humana” (!!) e, mais do que outros países, está a levar à prática as recomendações da encíclica Laudato Si, do Papa Francisco, “assumindo uma chefia moral que outros abandonaram”, numa clara alusão aos Estados Unidos da América!!!
Não sei se a China continua a ser o Império do Meio, mas certamente ainda é, infelizmente, o Império de Mao, que em português soa ao que verdadeiramente é. Nesta hora difícil para os heroicos católicos chineses, valha-lhes a oração dos seus irmãos na fé, a solidariedade dos verdadeiros democratas, a promessa do Papa Francisco ao Cardeal Zen e, sobretudo, a divina certeza de que nem o mal, nem o Mao, prevalecerão contra a Igreja de Cristo (Mt 16, 18).


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