Mais uma negociata, parece, das nossas. Calouste Gulbenkian foi um
arménio rico e generoso que se agradou de Portugal e o favoreceu com a sua
Fundação de intuitos culturais importantes, a sua riqueza associada ao
petróleo. Mas não segurámos o negócio, que não somos gente de trabalho, e passamos
a pasta a quem mais possa, tal como temos feito com outras vendas a retalho, no
país. António Barreto esclarece na sua Crónica, como sempre triste e preocupado,
agora com o “Negócio da China”. São bons avisos, parece-nos, receosos de
negociatas que ele acha duvidosas, os chineses não actuando nelas com a lisura
necessária, no esconderijo da sua avidez e desprezo superiores. Mas os avisos
não são importantes para a nossa avidez e servilismo inferiores.
I TEXTO:
Partex: como nasceu a empresa de petróleos
fundada por Gulbenkian
O JORNAL ECONÓMICO, 6 Fev 2018
É detida na totalidade pela Fundação Calouste Gulbenkian. No entanto,
o clã Gulbenkian não tem poder de veto.
A Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) detém 100% do capital da Partex,
fundada em 1938 por Calouste Gulbenkian. A empresa é atualmente liderada por
António Costa Silva. Calouste Gulbenkian, que até então “tinha sido o grande
promotor da criação da Iraq Petroleum Company, uma empresa que reuniu os
interesses das empresas que hoje se chamam BP, Shell, Total, Exxon Mobil, e
onde ficou com 5%, passando a ser conhecido como o “Mister Five Per Cent”.
Foi a Iraq Petroleum Company que iniciou toda a atividade da
indústria petrolífera no Médio Oriente, juntando como parceiros o Iraque,
Qatar, Abu Dhabi e Omã. Calouste Gulbenkian entrou na Iraq Petroleum
Company em nome individual, mas depois criou a empresa Participations and
Explorations, daí o nome Partex, que assinou em 1939 a primeira concessão com
Abu Dhabi.
A Partex detinha activos petrolíferos líquidos no valor de 525,5 milhões
de euros em 2016, mais 47 milhões face a 2015, devido ao aumento do preço do
petróleo. A empresa tem atividade em Abu Dhabi, Argélia, Angola, Brasil,
Cazaquistão, Liechtenstein, Omã e Portugal.
Em Maio de 2015, numa entrevista ao Jornal de Negócios, o presidente
António Costa Silva afirmou o seguinte sobre a exploração de petróleo em
Portugal: “Se nós tivermos uma boa descoberta no offshores (exploração no
mar), isso será uma avenida de desenvolvimento para a economia. A partir daí,
tudo é possível, como prova o exemplo da Noruega.”
Se a venda da Partex aos chineses da CEFC Energy dependesse
exclusivamente da família Gulbenkian, talvez esta não se concretizasse. Segundo o “Jornal de Negócios” esta
terça-feira, a opção tomada pela venda – que cabe só à administração da
Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) – não é consensual dentro da família. “A
Partex não pertence à família, pertence à Fundação Calouste Gulbenkian. A FCG
não é a família Gulbenkian”, disse fonte oficial da Gubenkian ao matutino.
II TEXTO:
Negócio
da China
ANTÓNIO BARRETO
DN, 18/2/18
A Fundação Gulbenkian prepara-se para vender, a uma empresa chinesa, o
seu departamento de petróleo, isto é, tanto quanto sabemos, a Partex, o grupo
de empresas ligadas ao petróleo.
O petróleo da Gulbenkian é da Gulbenkian. Por enquanto. A instituição
fará com esse produto o que bem entender, mesmo se esperamos, de uma fundação
de utilidade pública, que as decisões sejam no melhor interesse das suas obras,
assim como da eternidade, ambição desmedida mas estatutária.
Curioso é que o petróleo da Gulbenkian não é só o problema da
Gulbenkian. É também um problema dos portugueses. O facto de a Gulbenkian ser
privada não faz que o governo não tenha nada que ver com isso. Tem com certeza,
desde que estejamos a falar do essencial e não da sua gestão. Sobretudo se
certas decisões têm implicações para o país. Aliás, as leis sobre as fundações,
do antigo regime até aos dias de hoje, prevêem circunstâncias em que o governo
tem de se exprimir.
Parece que os chineses pagam bem. Também consta que não apareceu outro
interessado. Ao que
se murmura, terá havido contactos, mas ninguém revelou intenção. Dito isto,
onde está o problema? Será por serem chineses? Certamente não. O preconceito,
frequente em Portugal, sobre certas origens de capital, tem muito de racista e
de fidalgote arruinado.
Quando se diz que um investidor estrangeiro é angolano, chinês, árabe ou
russo, há logo quem tenha arrepios! Já tal não acontece quando os capitais são
espanhóis (onde vai o tempo do medo da vizinha?), europeus ou americanos.
É verdade que convém a um Estado não deixar certas coisas ao deus-dará.
A origem, legal ou não, de certos capitais deve ser escrutinada. Será que esse
argumento é bastante? É claro que não. O caso dos investimentos chineses merece
outro exame. Sem preconceitos, pois a China não pode ficar a pagar eternamente
o preço dos rumores do "perigo amarelo", tanto em voga no século XIX.
A verdade é que a maior parte dos investimentos
chineses em Portugal não é privada nem segue as regras dos mercados
internacionais. Dependem do Estado chinês e são gestos de política. Há interesses chineses importantes em sectores
vitais, como na produção de energia, gás e electricidade, na rede eléctrica
nacional, na banca, nos seguros, na saúde, nos transportes aéreos e em muitos
sectores dispersos, como o turismo, a hotelaria, a comunicação e o futebol. Com
esta amplitude e com uma visão estratégica unitária, o governo da China tem a
capacidade de orientar a economia portuguesa de maneira efectiva! O problema
não é a China, o problema é ser um governo estrangeiro, que não pertence à
União Europeia e que não está obrigado às regras e aos costumes dos países da
OCDE.
O governo português tem evidentemente de se ocupar da questão. Tem a
obrigação de dizer o que entende, dado que está em causa uma parte do legado do
senhor Calouste e que a sua alienação não pode ser feita sem autorização do
governo.
A dúvida é pertinente: por que razão o governo português e as empresas
se retiraram de negócio tão interessante? É verdade que, por causa da dívida e
eventualmente de interesses menores, se assistiu a uma venda ao desbarato de
empresas e "utilidades e serviços públicos". Essa tendência foi criticada, então,
pelas oposições. Por isso não se entende que as mesmas forças políticas, hoje
no poder, não olhem para este assunto com mais severidade.
A venda "aos chineses" não é uma venda "aos
chineses". É uma venda "ao Estado chinês", o que não é a mesma
coisa. Este último é já proprietário de enormes interesses em Portugal. Tem uma
influência considerável nas decisões nacionais. É arriscado aceitar que um
governo muito poderoso, ainda por cima de um país que não é membro da União
Europeia, tenha tanta influência. Pode ter más consequências económicas,
financeiras e políticas.
A lei portuguesa obriga e dá ao governo a capacidade e o direito de
autorizar, ou não, a venda de um activo legado pelo fundador. É o caso de
alguns interesses da Gulbenkian em Omã. Não se percebe por que razão o Governo
entende que a participação de Portugal nos negócios do petróleo não é de
interesse nacional.
As minhas fotografias
A Muralha da China e o presidente Mao. Há dias assim, singulares e
com sorte: passear na Muralha da China quase sozinho, naquele que é considerado
o monumento mais visitado do mundo! Obra construída, ao ritmo bem chinês, com
método, autoridade e paciência, desde o século II antes de Cristo, até ao
século XVII da nossa era, sendo que ainda hoje se constroem e reparam pedaços.
Era um muro de defesa, com receio dos impérios vizinhos. Também servia de vigia
e de rede de postos fronteiriços para recolha de impostos e taxas. Uns dizem
que terá cerca de oito mil quilómetros de extensão, outros, que incluem as
ramificações, falam de 20 mil. É feita de todos os materiais imagináveis,
pedra, tijolo, argamassa, barro, madeira... até cimento, numa desastrada
restauração recente que ruiu. Terá 30 mil torres como a que se vê aqui. Durante
anos acreditava-se que era uma das raras obras humanas visíveis da Lua! Sabe-se
agora que era mito. Lá em cima, quase no topo da montanha, uma frase eterna:
"Sê leal ao presidente Mao!" Está dito. E tem implicações, que pode
ser preferível não conhecer.
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