Parecem coisas distintas, mas fazem parte do nosso status
quo. Fizessem-se estatísticas e o status quo superiorizar-se-ia, a
revelar degradação – nas mentes, nas políticas, nos truques de sobrevivência, na
boçalidade de um povo que não respeita, industriado por “políticos” que também
não. Ainda ontem ouvi Miguel de Sousa Tavares, entrevistado, salvo erro, por
José Rodrigues dos Santos - o do tique da piscadela de olho noticiarística afável,
com que se despede diariamente de nós, mesmo que não sejamos coniventes, sobretudo
após notícias tão de amargor – ouvimos a afirmação de Miguel Sousa Tavares - de
quem o Público publicou, há meses, foto como de um dos grandes das refeições do
“status” – que o salazarismo fora algo de degradante na nossa orientação
política, (que antes dele – Salazar – andava em rixas constantes e constantes
dívidas). Salazar, ao que parece, pôs cobro a isso, exigindo respeito, e, ao
que se diz, “reduzindo o povo à miséria e à iliteracia”, povo que nunca fora
outra coisa senão isso, desde tempos imemoriais, tempos esquecidos
convenientemente na gaveta para melhor se acusar o ditador. Um ditador a quem
governos posteriores e o povo iletrado – ou menos - vandalizam – ou permitem que
se vandalize – não só nas afirmações de toleima gratuita, como essa que ouvi
ontem de MST, mas nos sítios onde Salazar esteve e onde caiu, para gozo da
maralha e dos governos que se aproveitaram dos dinheiros que ele juntou, por
conta do cotão dos seus bolsos, riscando, igualmente, como suas, de Abril,
iniciativas ou monumentos com o seu nome.
Enfim, o exemplo do forte que desrespeitamos, tanto
como a excelsa figura que lá viveu, coloco-a no mesmo nível com que o governo
de agora, ao que parece, não segue o trilho anterior – não o da austeridade,
mas o das reformas que o de Passos Coelho pensava fazer, após a austeridade, e
que este de hoje já não faz, apesar da austeridade, embora disfarçada em falsa
bonança, segundo Rui Ramos, que explica o caso com muita clareza.
Daí esta junção de textos, aparentemente tão díspares,
mas pertença das mentes de um povo ávido e de patranha:
1º
- A Notícia:
OBSERVADOR,
8/2/18
«Autarquia
lamenta falta de iniciativa para recuperar forte de Santo António da Barra.»
«O presidente da Câmara
de Cascais lamenta a falta de iniciativa do Estado para a recuperação do forte
de Santo António da Barra, que está degradado e vandalizado, sublinhando que a
solução está no Ministério das Finanças
"A tutela está na
Direção Geral de Património do Estado, dependente do Ministério das Finanças.
Se fosse um património privado a câmara tinha mecanismos que podia ativar, como
expropriação ou posse do edifício. Sendo património do Estado, nós que também
somos Estado, mas Estado local não temos capacidade legal para nos pudermos
sobrepor", disse hoje à agência Lusa, Carlos Carreiras. …
Muitos azulejos
históricos foram vandalizados e as janelas e o pouco mobiliário estão
destruídos. ….
Os painéis decorativos
de azulejos instalados no forte de Santo António da Barra são alusivos aos
Descobrimentos, mas a maior parte encontra-se vandalizada: desenhos com temas
marítimos e estrofes de "Os Lusíadas" de Luís de Camões e também um
excerto de "A Mensagem" de Fernando Pessoa.
A referência mais recente
ao mar é o desenho do veleiro "Cutty Sark", mas encontra-se no rótulo
de uma garrafa de uísque estilhaçada junto a uma parede onde está colocada uma
placa de mármore branco descerrada em novembro 1973 pelo então Presidente da
República, Américo Thomaz que recorda que Salazar ocupou o forte "nos
meses de verão" entre 1950 e 1968.
No dia 3 de agosto de
1968, uma queda no chão de pedra do forte de Santo António da Barra provocou um
hematoma a Salazar e a consequente degradação do estado de saúde do ditador que
viria a morrer em 1970.
Junto ao portão do forte,
uma das poucas frases percetíveis pintadas por desconhecidos diz: "esta
cadeira mata fachos", escrita com tinta azul, a única referência política
ao incidente que acabou por vitimar Salazar.
O portão do complexo tem um
pequeno aloquete que aparenta ser novo e que impede a entrada de veículos, mas
a rede ao lado das grades está cortada deixando o espaço exposto de dia e de
noite.»
De Antonio Lobo, in OBSERVADOR
«Uma vergonha
o estado de abandono e degradação em que está o forte de Santo António no
Estoril. Tenho um amigo que já lá entrou e apanhou do chão um azulejo. Não há guardas e há poucos dias puseram
um cadeado que uma criança pode rebentar.»
3º - Eis a Crónica sobre trilhos governativos em paralelo:
Já não estamos no
trilho, Sr. Presidente
OBSERVADOR, 9/2/2018
Esta maioria formou-se
precisamente para mudar de trilho, não em relação à “austeridade”, mas em
relação às “reformas” que a governação de Passos Coelho ameaçava fazer. Era aí
é que estava o problema.
Esta semana, o Presidente
da República resolveu evocar um “trilho”: o “trilho
aberto” com “inquestionável mérito” pela “governação substituída em 2015”,
de “sensibilização para a prioridade nacional do saneamento das contas públicas
e do crescimento da economia portuguesa”. Tudo isso, segundo o Presidente,
teria proporcionado ao actual governo uma “oportunidade única” para “manter o
rumo financeiro” e “ir mais longe nos incentivos à iniciativa privada”.
Eis o que faz Pedro
Passos Coelho já não estar no PSD: pode-se finalmente contar o que aconteceu.
Eis, também, o que faz António Costa estar no governo: não se pode ainda falar
do que está acontecer. E o que está a acontecer é que já saímos do trilho. Mas
depois de ter explorado a ilusão da ruptura (o “fim da austeridade”), a maioria
parlamentar vive agora da ilusão da continuidade (“o mesmo rumo”).
A prioridade de Passos
foi controlar as contas públicas para regressar aos mercados, o que conseguiu,
com a ajuda do BCE. Em 2014, porém, ainda ninguém podia adivinhar o turismo.
Sentiu, por isso, que devia ser cauteloso nas devoluções de salários, pensões e
subsídios. Em 2016, Costa devolveu tudo mais depressa, mas como também não
previu a conjuntura actual, compensou com impostos indirectos e cativações.
Não houve, portanto, o anunciado keynesianismo. Houve, até, mais cortes no
investimento e nos serviços públicos. Foi tentador, por isso, clamar, a partir
do Verão de 2016, que afinal estávamos no mesmo trilho. Não estamos.
Esta maioria formou-se
precisamente para mudar de trilho, não em relação à “austeridade”, que teria
sido sempre remodelada (alguém imagina um governo, com dinheiro, a recusar
“devoluções”?), mas em relação às “reformas” que a governação de Passos
Coelho ameaçava fazer. Era aí é que estava o problema. Agora, o presidente
sugere ao governo que prepare “condições estruturais mais sólidas de
competitividade e produtividade, para converter o conjuntural em sustentável”.
Mas essas “condições estruturais”, como o presidente saberá certamente, não são
politicamente neutras. As chamadas “reformas” consistem na diminuição do
condicionamento estatal da economia. Põem assim em causa aqueles que dependem
desse condicionamento, e que são também aqueles que as esquerdas
decidiram, há anos, transformar em clientelas. Reformar é, portanto, atingir a
actual maioria parlamentar, não apenas na sua ideologia estatizante, mas no seu
eleitoralismo. Daí que as reformas “arrepiem António Costa”. Daí
também que se tenha abstido delas. Agora, porém, a simples
abstinência reformista já não basta ao PCP e ao BE. Exigem a reversão das duas
iniciativas mais notórias da anterior governação, as das leis do trabalho e do
arrendamento urbano. Haverá talvez quem pense que se trata apenas de manobra
pré-eleitoral. Mas mostra por que caminho segue esta maioria parlamentar, e
como certas expectativas só podem ser apreciadas enquanto malícia.
A Comissão Europeia
prevê que a economia portuguesa volte a divergir da Europa. O problema
não é só empobrecermos relativamente. É a economia não corresponder aos
compromissos que temos. Portugal só pode prosperar significativamente através
dos mercados globais, e para isso precisa de uma economia mais competitiva e
flexível. A França, sob Emmanuel Macron, percebeu finalmente isso.
Fazer de Portugal um paraíso fiscal para os reformados da Europa do
norte não chega. Entretanto, o sobressalto das bolsas antecipa um ambiente de
juros altos, menos confortável para sociedades endividadas. Talvez
lamentemos um dia ter saído do trilho.
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