quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

BITCOIN


Já lá vai o tempo das cartas que nos chegavam para enviarmos umas tantas cópias a amigos ou conhecidos com informações sobre rezas obrigatórias a um santo provavelmente da devoção do que iniciou a cadeia, e sobre as consequências em alguns beneficiados, como chamariz para a nossa participação, centrada em crença milagreira, que acompanha a raça humana na sua andança terrena: mas era indispensável não quebrar a cadeia. “Reze a S. Judas Tadeu” foi um texto que escrevi em “Pedras de Sal” sobre a questão, nos idos dos anos setenta sobre a estratégia servil, dirigida então aos devotos, por serem mais crédulos. Entretanto, de outros processos ouvi falar como angariadores de fortuna sem esforço, que me deixavam triste por não poder participar, por falta de verba. Foi o caso da “banqueira do povo” do domínio público, pelos anos oitenta, e até tive um amigo que arriscou cem contos e os perdeu e mais os muitos que renderiam e não chegou a ganhar por já estar na fase repentina do desmascaramento da banqueira. Como o próprio nome indica, dirigia-se virtuosamente ao povo a fraude da “banqueira do povo”, como classe mais desprotegida, quer física quer intelectualmente, e a D. Branca pôde beneficiar de epítetos carinhosos de santidade, enquanto resultou positivamente.
Mas esta de moedas virtuais que se acrescentou ultimamente aos escândalos das moedas reais em que chafurdamos, prova que a inteligência humana é infinita, e que o bom senso não. Diogo Queiroz de Andrade explica o caso e contesta. Eu apenas me benzo, num desejo de partilha, sempre adiada.

EDITORIAL
As moedas da ganância
DIOGO QUEIROZ DE ANDRADE
PÚBLICO, 3 de Fevereiro de 2018
O investimento em criptomoedas é altamente especulativo — a especulação não é feita com base em factos nem em expectativas credíveis. Nesse sentido, nem é sequer um investimento. É uma fé. E quando tomamos decisões baseadas em crenças ficamos à mercê da sorte e do azar. Muitos milionários da bitcoin de que se fala repetidamente só o serão se venderem — e se venderem acima do preço de compra, o que só acontecerá enquanto novos utilizadores continuarem a entrar no sistema.
É verdade que vivemos em tempos de especulações financeiras — e poucas serão tão bem sucedidas como as empresas tecnológicas baseadas em valorizações absolutamente irreais. Mas, para cada startup que triunfa, há centenas que morrem sem sequer merecerem um único tweet viral. O mesmo se passa com as criptomoedas. Já fizeram alguns milionários? Certamente que sim. Mas, para esses o serem, muitos mais ficaram sem qualquer retorno do dinheiro investido, porque já compraram em alta e com medo venderam em baixa.
É importante perceber porque é que tudo isto acontece. Uma das razões para a fama das criptomoedas é a falência do sistema bancário no recebimento e manutenção de poupanças dos cidadãos. Desde a crise financeira de 2008 que o modelo tradicional da banca mudou e deixou de ser atraente para o cidadão comum e para o pequeno investidor, tendo este movimento sido acompanhado por uma mudança da economia em que se deixou largamente de valorizar a poupança e se preferiu dar prioridade ao investimento e até a dívida. Muitos investidores migraram para o mercado de acções e fundos, mas alguns estão agora a aproveitar a loucura das bitcoins e outras criptomoedas para procurar retorno rápido com baixo esforço. Claro que não há nada contra a especulação que permite a alguns obter lucros rápidos — o modelo só se torna negativo porque muitos perdem o que não podiam perder.
Estas “moedas” também são sedutoras porque são algo misteriosas, baseando-se numa tecnologia ainda pouco compreendida: é garantido que a vasta maioria dos utilizadores não tem sequer a compreensão básica do mecanismo de funcionamento da blockchain ou de qualquer uma das mais de 1300 variedades de criptomoedas disponíveis.
O mais irónico de tudo isto é que é bem provável que a tecnologia de base — a blockchain — triunfe, pois ela tem aplicação numa enorme variedade de indústrias e possui princípios interessantes para a economia digital. Mas nada garante — e quase tudo activamente desaconselha — investimentos perigosos nestas criptomoedas, pelo menos para já.
E todo este mercado também pode e deve ser olhado de um outro ponto de vista. Será ético aplicar todo este dinheiro e consumir uma imensa dose de energia para produzir e angariar algo que não tem qualquer valor social? Cada vez há mais vozes a recusar este caminho e é importante que elas se oiçam por cima da ganância que está na moda. 



Nenhum comentário: