quarta-feira, 8 de junho de 2016

Uma mesquita estará sempre para aquém do fado




Era em Lourenço Marques, nos tempos de Salazar, havia uma espécie de casa-templo quase à frente da nossa casa, onde muitas vezes - mas sobretudo por alturas do Ramadão – os muçulmanos iam rezar ao seu Alá, ajoelhados, várias vezes curvados, as cabeças a tocar no solo à frente, os pés visivelmente descalços atrás, os braços movendo-se a compasso das suas rezas entoadas em algaraviada que não entendíamos. Não me questionava sobre a religião, nós seguíamos a dos meus pais, centrada no respeito da tradição, sem aliás, grande empenhamento, sem missas aos domingos, embora conhecendo-lhes a eficácia casamenteira, de que estávamos longe de sentir a necessidade, numa adolescência de correrias e jogos por detrás do quintal da nossa casa, a par da prática dos deveres do nosso empenhamento de estudantes e de colaboradoras nas práticas domésticas de limpar o pó e fazer a cama aos domingos, enquanto cantávamos as canções da moda, alto e bom som, tal como a ceifeira pessoana, mas verdadeiramente felizes ao contrário do que pensava Pessoa a respeito daquela, mais, de resto, por simpatia de intelectual necessariamente pessimista, para nos ajudar a ponderar.
Com tudo isto, já me desviei do assunto que tinha em mente, o texto de  João Miguel Tavares sobre a construção da Mesquita na Mouraria, que talvez nos traga riqueza e progresso, na aceitação de culturas, religiões e diferentes templos, que não farão desabar o Carmo e a Trindade, e até favorecem o nosso cosmopolitismo, tais como os restaurantes estrangeiros apoiantes da nossa gula e da nossa intelectualidade.
Não, julgo que uma mesquita na Mouraria – lugar reconhecidamente de privilégio do nosso fado – não vai contribuir para que um qualquer édito faça um dia substituir a religião cristã por essa outra islamita de que tanto se fala agora, por muito que esteja assente em hábitos de degola chocantes. Se o 1º ministro quer uma mesquita, dê-se-lhe a mesquita. É mais imposto, menos imposto. E poderemos ver assim os pés ao Islão.

Uma mesquita na Mouraria
JOÃO MIGUEL TAVARES , por  detrás do quintal
Público 26/05/2016 - 07:49
A laicidade não diz respeito apenas ao catolicismo, pois não?

A primeira notícia que li sobre o assunto saiu no PÚBLICO do passado dia 18, mas a desatenção é minha: em Outubro de 2015 já vários jornais haviam dado conta da intenção da Câmara de Lisboa em construir uma nova mesquita na Mouraria. Deixem-me sublinhar logo à cabeça, que é para não pensarem que receio a infiltração do Daesh na Baixa de Lisboa, que nada me move contra mesquitas. Aliás, se há sítio onde faz sentido construí-las é na Mouraria, como o próprio nome indica. A minha questão é muito mais comezinha, e não tem nada a ver com o papão do terrorismo islâmico. Ela resume-se a duas breves palavras e um ponto de interrogação: quem paga?
A notícia do PÚBLICO centrava-se em António Barroso, proprietário de dois edifícios que a câmara decidiu expropriar e demolir para a construção da mesquita e requalificação da Praça da Mouraria. António Barroso quer mais dinheiro pelos imóveis – a câmara oferece 530 mil euros, ele pede dois milhões. Se valem isso ou não, não faço ideia, mas consigo identificar-me com parte das suas queixas. Argumenta o senhor Barroso que quando avançou com a recuperação dos prédios, em 2006 e em 2009, foi obrigado a cumprir uma longa lista de exigências e restrições para respeitar os traços arquitectónicos originais. Agora, que é para deitar abaixo, a câmara argumenta que os edifícios “não apresentam especial interesse arquitectónico”. Eis, em todo o seu esplendor, o típico duplo critério da burocracia pública nacional.
Mas por muito injusta que seja a situação do senhor Barroso, a questão fundamental para o erário público não é quanto dinheiro vai ele receber, mas quem é que lho vai pagar. Todo o artigo está escrito no pressuposto de que é a própria câmara, até porque foi ela que assinou a “declaração de utilidade pública de expropriação com carácter de urgência”. Ora, vão desculpar-me: eu percebo com muita dificuldade que o mesmo Partido Socialista que no país é tão lesto na defesa da  laicidade – como ainda recentemente se viu a propósito dos contratos de associação com escolas católicas –, seja tão lento na defesa da laicidade em Lisboa quando se trata de construir uma mesquita.
Eu sei que dá certa panache percorrer a Mouraria de tuk tuk enquanto se escuta o muezim no alto do minarete. É um espectáculo bonito, sim senhor, e até poderia ser patrocinado pela Associação Turismo de Lisboa. Mas a laicidade não diz respeito apenas ao catolicismo, pois não? É que às vezes parece. Quando se fala em católicos, a esquerda é toda laica – e quer a Igreja longe dos dinheiros públicos. Quando se fala em muçulmanos, a esquerda é multicultural – e chega-se à frente com o cheque. Alguém me consegue explicar a lógica disto, se faz favor? Ou é uma situação habitual, e a câmara também patrocina igrejas, sinagogas e templos de Shiva?
Infelizmente, a câmara não esclareceu o PÚBLICO sobre o tema. E também não esclareceu a Lusa: “As questões têm de ser analisadas por diferentes serviços, tendo em conta a complexidade do assunto.” Contudo, em Outubro, o vereador Manuel Salgado esclareceu, ao menos, os números: 2,9 milhões de euros para expropriar, requalificar o espaço e construir a mesquita. A cargo da comunidade muçulmana ficariam apenas “os acabamentos”. O presidente da Câmara celebrou o facto como uma “marca de abertura e de que todos são bem-vindos”. Eu, claro, também acho óptimo que todos sejam bem-vindos. Só acho péssimo que sejam os meus impostos a subsidiar o culto de Alá.

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