sexta-feira, 24 de junho de 2016

Palpos de aranha



A nossa entrada na UE implicou a destruição da Agricultura, das Pescas, da nossa Indústria, ao que se informou na época, atrasadas em relação à Europa e que tivemos que modernizar, para podermos vender melhor. O mal foi que gastámos demais, com essa ajuda, que a Banca europeia nos cobra, à sua maneira. Sentimo-nos, pois, em palpos de aranha, sendo o FMI - o bom e o mau – o aracnídio que nos segura a carcaça para sugar – de maneira mais ou menos bárbara, conforme seja mais ou menos forte a economia dos povos a quem empresta. Por isso, ao que se diz também, as medidas com os povos em dívida variam conforme o cumprimento e a responsabilidade desses a quem se dirigem, o que parece justo, como princípio. Bagão Félix, no seu artigo de 18 de Junho, aponta a discrepância entre as políticas monetárias do “Fundo” e as políticas de disfarce do seu acrónimo. Parece-me um justo artigo, que inicio com o passo final de um seu comentador:

(Excerto de um comentário de Mescalito)
… Quando o FMI empresta dinheiro a um Estado, a intenção é sempre a de recapitalizar os bancos para que estes possam, em primeira instância, pagar aos bancos estrangeiros e, por tabela, impedir que os mercados caiam a pique, desvalorizando os investimentos estrangeiros, de social nada, de estrutural nada, de crescimento treta nenhuma.

Terá o Fundo Monetário Internacional dupla personalidade?

Bagão Félix
Público, 18/6/16
 De vez em quando e em crescendo, são publicados artigos e opiniões de quadros e técnicos do Fundo Monetário Internacional que, aparentemente, não comprometem a instituição. Uma espécie de desabafos tecnicamente fundamentados, como ainda recentemente se viu com o artigo assinado (Neoliberalism: Oversold?) por três economistas do departamento de investigação e publicado na revista trimestral da instituição.

Perante a dissonância tão clara entre o que se decide e o que se escreve ou fala, será caso para concluir que o Fundo Monetário Internacional tem dupla personalidade. Por outras palavras e em sentido figurado, Fundo Monetário Internacional não é igual a FMI. Nós é que temos a tendência para associar o acrónimo ao dito Fundo por extenso. Senão vejamos:
O Fundo (por extenso) é o “(des)multiplicador austeritário das crises financeiras” através de clássicos e invariáveis remédios (comparticipados) bem conservados nas câmaras frigoríficas juntos dos “direitos de saque especiais” (DSE). São prescritos por aparentes autómatos, segundo um protocolo-chapa, independentemente do contexto do doente. Tenha ele moeda própria ou não, défices viciosos ou virtuosos, dívida interna ou externa, esteja ou não inserido em espaços económicos. É-lhe indiferente que o mesmo receituário seja aplicado para situações partindo de pontos diferentes ou para países com valor de défice ou de dívida com estruturas produtivas e de desenvolvimento social e educativo dissemelhantes. Para quê o Fundo entediar-se em “customizar” medidas e critérios para países com capacidade assimétrica de choques cíclicos (petróleo, por exemplo) e com diferente grau de especialização de bens económicos? Porquê estabelecer diferenciadas soluções em países que não estão em condições de suportar a mesma pressão tributária e onde as taxas e estrutura da poupança são muito díspares? É o Fundo dos silêncios, dos técnicos alinhados e dos financiadores-sentenciadores sem apelo.
Já o FMI, o acrónimo, é, candidamente, a instituição da aparência e do disfarce. É o lado reverso da moeda (leia-se DSE) do Fundo Monetário Internacional. Só sorrisos e diplomacia. Divulgando estudos dos técnicos e quadros do FMI que não comprometem as decisões da direcção e dos técnicos e quadros do Fundo Monetário Internacional (certamente por mera coincidência, muitas vezes, os mesmos). O FMI passou a ser uma espécie de Relações Públicas do Fundo Monetário Internacional, em versão simpática de ventríloquo do que este último jamais pode admitir, ou seja os seus erros ou rigidezes. É a diplomacia tecnocrática por via de investigado e apurado empirismo. No directório da Europa, o FMI é muito apreciado. Nada como dizer uma coisa, com ar intelectualmente majestático, e fazer outra.
Há quem peça a fusão do Fundo Monetário Internacional (o mau) com o FMI (o bom). Pelo menos, ganhava-se em coerência, abertura de caminhos, escrutínio e verdade. E obrigaria, quem manda, a discutir diferentes vias para atingir os mesmos objectivos, sem vãs metas e ilusórios devaneios.

Agora, que o Reino Unido sai do Euro, que valor terão estes estudozinhos críticos dentro de uns anos, uns meses? Será necessária uma nova consciência de responsabilidade, para fazer face à hecatombe…

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