Há dias, num seu escrito da «Pluma Caprichosa»,
considerava Clara Ferreira Alves sobre a
inanidade das nossas discursatas ou das nossas discussões, baseadas em assuntos
de uma banalidade torpe, e estes artigos que hoje transcrevo são a confirmação
de uma torpeza mais grave ainda, porque acrescentada de uma cínica manifestação
de bondade que só esconde insegurança e medo, da catástrofe que nos está
sobranceira. São eles «Afogar o défice no Mediterrâneo» de João
Miguel Tavares e «Os islamófilos», seguido de «O
Costa do penhasco», de Alberto
Gonçalves.
Trata o primeiro artigo do Congresso do PS e
das frases de encómio pedante e grotesco que ali se disseram, a bota de oiro
cabendo ao 1º Ministro, minimizando o deficit económico português, face ao
superavit mortuário mediterrânico, para, velhacamente e sob uma aparência de virtude,
reduzir a importância daquele em face da monstruosidade deste, Tartufo
explorando a boa fé alheia – que só os de igual cinismo premeiam – para esconder
a sua própria consciência de incapacidade governativa. Não convenceu, porém
João Miguel Tavares, que sobre isso fez excelente apanhado, expressivo de boa
cabeça e de boa sentença.
O mesmo direi dos artigos de Alberto Gonçalves
- «Os islamófilos» e «O Costa do penhasco» -
que, a par das patacoadas de Catarina Martins refere mais uma de Costa sobre o
conceito de liberdade – segundo Costa, apenas do foro cognitivo dos dos
ideais progressistas, ainda que matem e esfolem em nome dela, (como tanta vez
se viu, a começar nos idos da Revolução Francesa), todos os mais, condenados como
facínoras desses ideais democráticos.
E
o artigo «O Costa do
penhasco» reforçando o sentimento de enjoo que nos toma ante um Costa
burilador de trocadilhos, no desdém das realidades “polifémicas” sobre nós, e que, com as suas
políticas de falsa segurança nos impinge, enquanto vai abrindo o rosto em amplo
riso, não sabemos se amarelo.
Afogar
o défice no Mediterrâneo
No
congresso do PS não faltaram, como se imagina, frases boçais, bajoujas e
bordalengas, mas a Palma de Ouro vai direitinha para António Costa, que atingiu
o zénite da estultice e da desonestidade intelectual com uma comparação
obscena: “Quando só esta semana mil seres humanos morreram afogados no
Mediterrâneo a tentar chegar à Europa, o que a Europa parece querer discutir é
se o anterior Governo português excedeu, em duas décimas, os limites do défice
orçamental.”
É
uma frase extraordinária. Porque só há duas hipóteses. Uma, é António Costa
acreditar realmente que um político, um ministério, um governo ou uma instituição
só deve preocupar-se com uma questão de cada vez, devendo dar atenção exclusiva
à mais importante. Por exemplo: se há sírios a morrer no Mediterrâneo, as
sanções a quem infringiu o Tratado Orçamental terão de esperar até que mais
ninguém se afogue. Afinal, uma vida humana não é mais importante do que as
contas do défice? Claro que é.
Mas,
por outro lado, e seguindo o mesmo espectacular raciocínio do
primeiro-ministro, o desemprego também é mais importante do que o futebol. Ora,
havendo tantos portugueses desempregados, será que António Costa pode aparecer
nas televisões a discutir a forma física de Cristiano Ronaldo? Negativo:
enquanto o INE não anunciar o pleno emprego, o primeiro-ministro deverá
refrear-se de ver jogos da selecção, ir ao cinema ou perfazer puzzles. Podíamos
continuar por aí fora, porque tão admirável lógica é rica em comparações: se há
gente sem casa em Lisboa, não se compreende que a câmara gaste tanto dinheiro a
adornar com vegetação a Avenida da República. As árvores que aguardem por transplante
até todos os lisboetas terem um tecto.
E
porque não fazer extrapolações a partir dos números de António Costa? Mil
sírios afogados permitem que 0,2 pontos percentuais escapem sem sanções. Talvez
dois mil permitam dobrar esse valor. E se houver suficientes vítimas a
afundarem-se no Mediterrâneo, é possível que a política económica do governo
passe em Bruxelas com um encolher de ombros. Eis uma variável que Mário Centeno
deveria apressar-se a introduzir no seu Excel. Ah, e se alguns leitores acaso
acharem que demonstro pouca sensibilidade com contas tão desagradáveis, isso é
apenas porque estou a fazer o mesmo do que António Costa: misturar mortos com
números do défice.
Existe,
claro, uma segunda hipótese para justificar aquela frase, embora tão indecorosa
quanto a primeira: na sua longa carreira política, António Costa já foi capaz
de tratar de mais do que um assunto em simultâneo, e por isso está apenas a
fazer demagogia barata. Barata, sim, mas não inteiramente desnecessária: nesta
altura do campeonato, Costa já precisa de recorrer a tudo para justificar a sua
impotência governativa, incluindo dramas humanitários.
O
que é irónico na sua comparação é ela revelar indirectamente aquela que é a
porta de saída para a situação insustentável em que se enfiou: o regoverno
precisa de tragédias alheias para sobreviver à sua própria tragédia. Sejam as
vítimas sírias, as greves francesas, as eleições espanholas, as manifestações
gregas ou o Brexit, António Costa está com os dedos cruzados para que alguma
coisa na Europa corra suficientemente mal para permitir o relaxamento das
restrições orçamentais. Esta é a triste verdade: os males da Europa e a
acumulação de desgraças são a única salvação possível para a desgraça do seu
governo.
Os islamófilos
Alberto Gonçalves
DN, 19/6/16/6/16
Na sua página do Twitter, a dona Catarina Martins
recomendou um artigo do Público intitulado "Não sou Orlando, sou
LGBT". O artigo, assinado por um "estudante" e
"activista" (leia-se um rapaz do BE), fala em "ataque homo-bi-transfóbico"
(caramba!) e termina a convocar as massas para uma marcha em Lisboa. Ao
citá-lo, a dona Catarina Martins repete o cliché de outros grandes vultos da
humanidade, incluindo a excelência que ocupa o cargo de primeiro-ministro: a
matança naquela cidade da Florida reduz-se a um acto de homofobia, que segundo
o dr. Costa "feriu de morte a Liberdade [sic]".
Apesar de a escrever com maiúscula, o dr. Costa
tipicamente desconhece o significado da palavra. Liberdade é justamente
permitir a existência de opiniões ou sentimentos distintos dos nossos, por
patetas ou grotescos que os consideremos. A homofobia, enquanto pavor da
homossexualidade ou ódio a homossexuais, é uma opinião ou um sentimento,
matérias que só um espírito muito pouco livre pode achar criminosas. Numa
sociedade decente, um indivíduo deve gozar do pleno direito de abominar gays,
ciganos, brancos, banqueiros, esquimós, loiras, drogados, anões, políticos ou
benfiquistas. Não pode é pôr as suas "convicções" (digamos) em
prática a ponto de prejudicar alguém. Isso é que constitui um crime. O resto é,
se assim o entendermos, mera estupidez.
E estúpido também é acreditar nas aflições de tantas
almas perante os "ataques homo-bi-transfóbicos". Sobretudo quando
essas almas defendem em simultâneo o exacto tipo de cultura que, em vez de
ridicularizar a homofobia, incentiva-a. E que, em vez de punir as atrocidades
cometidas a pretexto, legitima-as. Toda a versão "mediática" da
discoteca Pulse ignora o elefante no meio da sala - e que partiu a louça por culpa
de Newton e da gravidade.
A fim de evitar a demência terminal, convém reparar no
elefante: Omar Mateen, o assassino, era muçulmano e afirmou agir em nome do
islão. Os países subjugados ao islão condenam e perseguem legalmente os
homossexuais. Os Estados Unidos, por exemplo, condenam e perseguem legalmente
as criaturas que agridem homossexuais. Não me lembro de nenhuma ocasião em que,
no "confronto de civilizações" ou no que lhe quiserem chamar, a
maioria dos nossos alegados inimigos da discriminação estivesse do lado que
costuma proteger as respectivas vítimas.
Será cisma minha, mas desconfio um bocadinho do
"activista" que, mal termina a marcha contra a homofobia, corre a
marchar pela Palestina (embora, concedo, sejam raríssimos os tiroteios nos
clubes gay de Gaza). Para não fugir demasiado do imaginário, é uma figura tão
credível quanto um entusiasta da Noite de Cristal que se afirmasse amigo dos
judeus. Usar quem morre para alimentar uma "causa" sem nunca
valorizar a causa confessa de quem mata é, no mínimo, um acto de oportunismo
velhaco. No máximo, é patrocinar a chacina. Evidentemente, essa gente não é
Orlando nem LGBT: é, como sempre foi, pela força que representar a maior ameaça
ao Ocidente.
E, conforme se constata pelos alvos quotidianos dos
terroristas islâmicos, organizados ou "espontâneos", o Ocidente não
se esgota nos perversos sodomitas. Temos igualmente galdérias que exibem a pele
na via pública, hereges que assistem a concertos de rock, tarados que aguardam
aviões em aeroportos, infiéis que frequentam restaurantes, blasfemos que
caminham pela rua, todos a pedir para que um mártir os rebente. As fobias, ao
que se vê, são inúmeras, e se ousamos atribuir-lhes um padrão comum ganhamos
mais uma: islamofóbicos.
As acusações de "islamofobia" são a
tentativa de simular escândalo face aos triviais, e compreensíveis, receios do
cidadão comum: lá por conter umas dúzias (ou uns milhões, não importa) de
extremistas, o islão - homessa - é essencialmente moderado. Por mim, tenderia a
crer piamente no islão moderado se este entregasse com regularidade os seus
radicais filhos à polícia ou, na falta de esquadra próxima, os pendurasse no
alto de um poste. A quantidade de desculpas prontas ou pesares tardios com que
trata psicopatas faz-me duvidar ligeiramente do empenho do islão moderado em
justificar a designação. É claro que muitos muçulmanos não sonham com a
explosão de transeuntes. Porém, já que se pretende banir ou castigar opiniões,
seria interessante questioná-los sobre o respeito que dedicam às mulheres, a
certos grupos étnicos, a determinadas religiões e, se não for maçada, aos
homossexuais. Aliás, eles respondem ainda que ninguém lhes pergunte. Os
"activistas" é que fingem não ouvir.
Segunda-feira, 12 de junho
O Costa do penhasco
A sinistra oposição neoliberal quis encontrar
semelhanças entre o infame gesto de Pedro Passos Coelho em 2011, quando sugeriu
aos professores que arranjassem emprego no estrangeiro, e o simpático convite
do dr. Costa em 2016, quando sugeriu aos professores que arranjassem emprego no
estrangeiro. Felizmente, o actual primeiro-ministro não perdeu tempo a desarmar
as más-línguas através das "redes sociais": "A estrada da Beira
e a beira da estrada não são a mesma coisa, pois não?" Com este argumento
fulminante a verdade fica reposta. Conduzido por um estadista tão coerente,
honesto, sofisticado, rigoroso, sábio e autêntico, não admira que o país esteja
a exibir espectaculares indicadores de progresso. E o espectáculo é ainda
melhor se levarmos em conta que o penhasco da costa não é o Costa do penhasco.
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