«Pré-match»,
o artigo de Alberto Gonçalves, que leio neste “domingo à tarde”
soalheiro e cancerígeno e sem esperança de cura
- que nunca Alberto Gonçalves
admite cura, e nos deixa com isso angustiados, no reforço do nosso desânimo. Já
antes acháramos desprovida de senso a execução dos festejos do nosso 10 de
Junho em Paris segundo proposta de Marcelo Rebelo de Sousa, que, incansável a
fazer-se notar, transborda daqui para ali, qual outro Mário Soares cuja frase,
salvo erro em francês, diante duma montra em Itália, em passeata à custa da nação
- que o nosso 25 de Abril pôde proporcionar a todos os altos representantes
dela e continua, com os mais comezinhos pretextos para a nossa sobrevivência
pedinchona – cuja frase, digo, se impôs na minha memória, como refrão aviltante
de irrecuperável infantilidade: “Je suis le président de tous les Portugais”.
Também
Marcelo est le président de tous les Portugais, mas, pelos vistos, sobretudo
dos que emigraram, sem pejo de ir impor num país estrangeiro, indiscretamente,
o nosso blablabla patrioteiro e afadistado, num dia representativo da nação. E foi
com espanto que o ouvi falar dos seus netinhos, também emigrantes, (certamente
que por motivos de ilustração ou bem-estar) como pretexto de assim fazer o
encómio a todos os emigrantes com
idênticos motivos de sobrevivência ou ilustração, ou mesmo repúdio, que Linda
de Suza fixou na “mala de cartão” da primeira leva, a salazarista dos
bidonville, ou talvez já na segunda, das fugas à guerra, a que se seguiram levas
actuais da nossa transumância inquieta e temerosa, bem diferente da de outrora,
nas suas destemidas e arriscadas viagens de naus e caravelas.
E
as patacoadas dos discursos altissonantes em terra alheia das nossas pieguices
lorpas, com futebóis à mistura, mais não merecem que a mordacidade violenta do
sociólogo Alberto Gonçalves, sobre todos esses representantes e os cantores que
os acompanham e o vasto panorama das nossas tolices e histerismos de exaltação
futeboleira, que quase nos fazem preferir, na funda humilhação da vergonha, as
lutas de arreganho futebolístico entre ingleses e franceses, denunciadores de uma
virilidade com origem nos torneios bretões.
Quanto
à “senhora de esquerda”, Teresa Leitão, também a tinha ouvido – ou lido – no seu
repúdio pela beleza artificial, e mais essas coisas que disse, de autêntica
parolice, apoiadas nas regras das suas certezas contraditórias, que levantaram
a questão dos pagamentos aos colégios. Mais um retrato certeiro de Alberto
Gonçalves, que oxalá fosse aguilhão penetrante a espessa camada das nossas
estultícias. Não cremos nisso. A camada lá está, bem espessa, com um Tino de
Rans a chiar, pronto a desferir voo.
Pré-match
Alberto
Gonçalves
Público,
12/6/16
1. Os portugueses são os melhores,
decretou o presidente Marcelo. No progresso económico? No avanço científico?
Nas artes? Na indústria automóvel? Na gestão de bancos públicos? Em receitas de
bacalhau, vá lá? Nada disso, que um chefe de Estado não perde tempo com
ninharias: no futebol, no fundo aquilo que importa. Vem aí o Europeu da
modalidade e há que "mobilizar" os cidadãos para um desígnio a que só
os vende-pátrias serão alheios. Em Belém, o PR aproveitou ainda para informar a
selecção de que já é campeã "à partida", uma adenda pertinente se
tivermos em conta que à chegada as coisas não costumam correr bem.
2. Em vez de receber a selecção, o primeiro--ministro visitou-a. Como é hábito, levou consigo tropeções na língua e ameaças à Europa, especialmente à França, sobre a qual exigiu "vingança". Como é hábito, a Europa tremeu. À saída da Cidade do futebol (?), o dr. Costa confessou-se "menos angustiado" com a situação clínica de Ronaldo. Por mim, confesso-me angustiadíssimo com a situação clínica das pessoas que desprezam momentos assim históricos, preferindo consumir-se com o "resgate" da CGD ou similar assalto, perdão, auxílio ao contribuinte.
3. A fim de conquistar Paris, a selecção apetrechou-se com um hino. Para garantir o sucesso, trata-se de uma cantiga "adaptada" do sr. Abrunhosa, que objectivamente descreve a sua criação: "Tem um efeito coletivo inebriante e quase mágico." Com versos do calibre de "Tudo o que nos dás, nós damos-te a ti e somos Portugal!", não admira. O sr. Abrunhosa acrescenta que a cantiga "já é das pessoas, já não é minha", mas não falou em partilhar os direitos autorais. Dado que temos de pagar os salários sem tecto da administração da CGD, cada cêntimo viria a calhar.
2. Em vez de receber a selecção, o primeiro--ministro visitou-a. Como é hábito, levou consigo tropeções na língua e ameaças à Europa, especialmente à França, sobre a qual exigiu "vingança". Como é hábito, a Europa tremeu. À saída da Cidade do futebol (?), o dr. Costa confessou-se "menos angustiado" com a situação clínica de Ronaldo. Por mim, confesso-me angustiadíssimo com a situação clínica das pessoas que desprezam momentos assim históricos, preferindo consumir-se com o "resgate" da CGD ou similar assalto, perdão, auxílio ao contribuinte.
3. A fim de conquistar Paris, a selecção apetrechou-se com um hino. Para garantir o sucesso, trata-se de uma cantiga "adaptada" do sr. Abrunhosa, que objectivamente descreve a sua criação: "Tem um efeito coletivo inebriante e quase mágico." Com versos do calibre de "Tudo o que nos dás, nós damos-te a ti e somos Portugal!", não admira. O sr. Abrunhosa acrescenta que a cantiga "já é das pessoas, já não é minha", mas não falou em partilhar os direitos autorais. Dado que temos de pagar os salários sem tecto da administração da CGD, cada cêntimo viria a calhar.
4.
Pelos vistos, o lema da selecção é "Não somos 11, somos 11
milhões", um recenseamento apressado que despertou a ira do deputado do PS
Paulo Pisco (decerto um pseudónimo): "Há cinco milhões de portugueses
espalhados pelo mundo que se sentem excluídos." Enquanto, com um nó no
estômago, imaginamos multidões de compatriotas a sofrer os horrores da exclusão
em Nova Jérsia e no Luxemburgo, consola um bocadinho ler que o sr. Pisco
"já alertou o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva,
para esta questão, durante uma audição na comissão parlamentar de Negócios
Estrangeiros e Comunidades Portuguesas". E consola imenso saber que nós
pagamos o salário do sr. Pisco, aliás bastante inferior ao dos administradores
da CGD.
5. Já havia o anúncio da cerveja
patrocinadora da selecção da bola, onde três ou quatro moços alucinados
gritavam "O futebol somos nós!" como se quisessem assassinar o
espectador. Agora há o anúncio do supermercado patrocinador da selecção da
bola, com imagens de tribos bárbaras, cuspidores de fogo, explosões, lobos
ferozes e um tom geral de ameaça ao "estrangeiro": "Ouvem
rosnar/ Sabem com quem estão a lidar/ Temos mais olhos que barriga/ E esta fome
já é antiga." Para a próxima, outro patrocinador exibirá a selecção da
bola a mastigar as entranhas dos adversários. Ou, se quiserem mesmo meter medo,
o "buraco" da CGD.
6. Isto foi apenas o início.
Seguem-se semanas de autocarros, histéricos, bêbados, sardinhas, o "melhor
do mundo", mensagens das vedetas nas redes sociais, berraria, análises de
peritos, a contagem do tempo que o treinador demora nos lavabos do avião (56
segundos, afiançou um "jornalista") e, se a selecção vencer, 609
milhões de euros para a economia nacional, um sétimo da nova
"injecção" na CGD. Há países malucos de todo. Felizmente, não é o caso
do nosso.
Segunda-feira,
6 de Junho
Uma senhora de esquerda
Graças
a uma entrevista na Visão, conheci a secretária de Estado da Educação,
Alexandra Leitão. Que ser humano encantador! Ela é frontal. Ela é fã de Bruce
Springsteen. Ela é do Sporting. Ela é de esquerda. Ela é "mesmo
lisboeta". Ela é "superavessa" (sic) a maquilhagem. Ela foi
aluna (e colaboradora) de Marcelo, que lhe deu um 18. Ela tem Mandela, Soares e
Salgueiro Maia como "referências políticas". Ela não tem medo. Ela
tem duas filhas. Ela sonha com "igualdade e democratização" no
ensino. Ela lembrou-se de acabar com os "contratos de associação" com
os colégios privados. Ela mantém as filhas inscritas num colégio privado. Ela
viu a aparente contradição apontada nas redes sociais. Ela explica: "As
minhas filhas fizeram o jardim-de-infância e a primária numa escola pública. E
agora estão na Escola Alemã. (...) tem a ver com a opção por um currículo
internacional. Para mim era importante que elas tivessem uma educação com duas
línguas que funcionem quase como maternas, digamos assim. Se assim não fosse,
andariam obviamente numa escola pública."
Ficou
claríssimo. A dra. Leitão quer providenciar aos rebentos um "currículo
internacional", distinção que, no seu entender, o ensino público,
"obviamente" fantástico, não assegura. Mas isso é ela, que além de
dotada intelectual e financeiramente possui consciência social. Sem dinheiro
nem cabeça, a ralé não pode alimentar "opções" assim. Não se espera
que, em vez de patrocinar escolas e sindicatos, o Estado patrocine uma educação
melhorzinha para a descendência dos simples, a qual deve saber o seu lugar e
perceber que daí não sairá. De resto, ao povo basta meia língua e um currículo
nacional, ou o nível de instrução suficiente para aplaudir o fervor igualitário
e democrático de sua excelência, a senhora secretária de Estado.
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