Do Blog “A Bem da Nação” ouso retirar o texto
de Adriano Miranda Lima «A NOSSA CIVILIZAÇÃO CAMINHA
PARA A ENTROPIA?» que, pela sua gravidade e elegância de expressão e
pensamento, desejo guardar, como advertência sobre as catástrofes eminentes no
nosso planeta, sentindo quanto são inúteis, no panorama de um mundo
descomandado e regido por ambições descontroladas e fracamente combatidas, apesar
do farfalhudo dos escândalos, os rigores da Justiça sendo dificilmente aplicáveis,
por conta dos telhados de vidro multiplicados em progressão geométrica, sem
mais direito a um encaminhamento segundo os velhos preceitos da Moral e do Bom
Senso.
Os
países ricos não descansam na descoberta de armas, a par de outras produções da
ciência, cada vez mais ambiciosa nos seus fins. Mas os lixos nucleares não são
recicláveis, como os outros, e vão ser armazenados em cemitérios marítimos, que
um dia um qualquer incauto desmontará, nos seus estudos de arqueologia.
Enfim, talvez não cheguemos lá, a Terra, entretanto,
autodestruída, que soube construir tanta beleza.
A NOSSA CIVILIZAÇÃO CAMINHA PARA A ENTROPIA?
No dia 12 do passado mês de Maio, assisti no Convento de Cristo, de Tomar, a
uma conferência proferida pelo coronel Nuno Lemos Pires sobre geopolítica − “Ameaças
e riscos tangíveis e intangíveis, do global ao nacional”. O conferencista,
fazendo uso de uma linguagem clara e elucidativa, e servindo-se de ilustrações
convincentes, descreveu e analisou o cenário das múltiplas ameaças que impendem
actualmente sobre o homem e o planeta: a degradação ambiental; a exploração
económica irracional dos bens naturais; o esgotamento das reservas de água
doce; a explosão demográfica nas regiões mais carenciadas; o terrorismo
internacional e os conflitos regionais incontroláveis; o êxodo das populações
em direcção às regiões mais ricas, etc.
Confirmou-se-me a impressão pessimista de que o geossistema (conjunto formado
pelo sistema ecológico e o sistema social) é neste momento um compósito
perigoso e pouco recomendável para o futuro da humanidade.
Recentemente, li um artigo de José António Saraiva intitulado “INTERCÂMBIO
TÊXTIL”, publicado no jornal Sol. Nele afirma que “há diversas provas de que
a nossa civilização está a chegar ao fim. Uma delas consiste na perda de
referências que durante séculos permitiram organizar o pensamento”. E
fundamenta o seu diagnóstico apontando a arte e as suas tendências actuais,
desde a pintura e a música ao cinema e à literatura, como a maior evidência
desse fenómeno. Mas não chega a insinuar se essa perda de referências exprime
ou não em si mesma uma intenção de arte.
Depois adianta que “não só nas artes se perderam as referências”. E então cita
comportamentos sociais aberrantes que denotam falta de nexo: cabelos
cuidadosamente despenteados; fralda da camisa por fora das calças; sapatos a
que se retiram os atacadores. Tudo sinais a aparentar desprezo pelas
convenções, “mas que no fundo representam exactamente o contrário: um
seguidismo cego em relação à moda”. E remata assim: “As calças compradas na loja já rotas constituem o exemplo máximo de
uma civilização que chegou ao fim da linha e já não consegue inventar mais
nada. Então põe-se a rasgar deliberadamente a roupa nova. É o nonsense no seu
máximo esplendor!”.
Mas esse olhar de José António Saraiva abarca apenas a espuma da realidade, e é
por isso que lhe basta a arte para fundamentar os seus juízos. De outro modo,
teria de descer ao terreno da antropologia e da ciência política. Sim, a
arte permite toda a metáfora possível, porque os nossos preconceitos culturais
são incapazes de lhe impor limites, quer ao seu abstraccionismo quer à sua
ânsia de transgressão. O fenómeno das “calças rotas” e outros comportamentos
similares são indícios do esgotamento dos nossos padrões de satisfação, de
ruptura com as convenções, e de algum modo enquadram-se numa prosaica intenção
de arte ou filosofia de vida, talvez reivindicando um qualquer
“neo-existencialismo”. É como se a História e a Cultura nos tenham colocado
num beco sem saída.
No entanto, só o homem ocidental se pode dar ao luxo de querer subverter
as referências do real, trocando as voltas ao mapeamento da sua caminhada.
Resolvidos quase todos os seus problemas, incapaz já de se surpreender com o
que a sociedade de consumo lhe oferece, sobra-lhe disponibilidade mental
para a alienação e até para a mistificação de si próprio. Isto porque
subjaz ao mundo das futilidades a espessura de uma realidade outra, bem crua e
tenebrosa, onde é inútil usar subterfúgios para iludir o que quer que seja. É,
com efeito, a realidade dos lugares do mundo onde o viver custa e dói imenso,
onde escasseia a comida, a água e os medicamentos, onde, enfim, a vida se
prende por um fio. Aí não sobra tempo para interpelar o sentido da
existência, a razão de se estar vivo ou morto, quanto mais para subir a
proscénios do ilusório.
Nada mais ilustrativo que esta tirada final do discurso do José António
Saraiva: “Entretanto, para dar algum sentido útil a uma moda sem sentido
nenhum, arrisco-me a fazer uma sugestão. Sugiro às empresas de confecção têxtil
que façam convénios com ONGs actuando em países do terceiro mundo para enviarem
para lá jeans novos – recebendo em troca jeans velhos e usados. Que têm mais
valor do que os que se vendem nas lojas, porque foram envelhecidos pelo uso e
não de modo artificial. E que podem inclusive ter andado na guerra, exibindo
rasgões feitos em combate ou mesmo buracos de balas.”
Eis, pois, a verdade dura e crua sobre a realidade de um mundo assimétrico,
esquisito e cada vez mais instável e perigoso. No
conforto das nossas latitudes “primeiro-mundistas” podemos ter dificuldade em
lobrigar que tudo se agravou nas últimas décadas e que a ameaça generalizada
não é uma ficção: em breve faltará água no planeta para matar a sede da
totalidade dos seus habitantes; a produção alimentar não acompanhará o
desmesurado crescimento populacional, enquanto os ecossistemas vão destruir-se
sem remissão; hordas de milhares e milhares de seres humanos demandarão os
territórios onde supõem encontrar a segurança e a sobrevivência, como aliás já
está a acontecer; de permeio, os conflitos regionais e de expansão imprevisível
poderão ser a pólvora para acelerar a derrocada.
Todo este cenário resulta da acumulação de sucessivas transgressões que o
homem vem cometendo no ecossistema planetário, para satisfazer os seus modelos
económicos e sociais. Existem neste momento mais de 7 bilhões de seres humanos
no mundo, em que 25% estão abaixo da linha da pobreza e 75% consomem mais
recursos do que permite a capacidade de recuperação do planeta. É inimaginável
a dimensão que pode vir a atingir a disputa dos espaços vitais. Há quem preveja
que o cenário para as próximas décadas é de caos ambiental e humano. Já em
1972, a equipa londrina de The
Ecologist publicava um documento cuja conclusão não deixava de ser
inquietante: “É lógico recear que, num futuro próximo, ultrapassaremos o
limite, na brutalidade dos nossos empreendimentos sobre o meio, e que, por uma
série de efeitos acumulados, provoquemos a derrocada da nossa civilização”.
Ora, quarenta e quatro anos decorridos, quem pode desmentir a severidade
angustiante daquela previsão? O homem aperfeiçoou as ferramentas da ciência e da
técnica e no entanto paradoxalmente parece mais longe de si próprio, como o
demonstram as aberrações do seu comportamento cultural, de que o fenómeno das
“calças rotas” é apenas um exemplo menor. Invocando Jeremy Rifkin, cabe
perguntar se não estamos já às portas da entropia, ou seja, da desordem
irreversível.
Tomar, 6
de Junho de 2016
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