Um país de um estardalhaço pequenino, que se
iniciou há quarenta e dois anos e picos num estardalhaço grande, que o soterrou
em penúrias de várias dimensões, mas avançando sempre, na diversidade dos
pareceres, diversidade comezinha, desinteressante, sem arrebatamentos, a não
ser para os que procediam às escuras, em conciliábulos de trapaça que ajudaram
à sua destruição e que fazem erguer as vontades de agora, de os castigar. É certo
que essas vontades se erguem presentemente, afundado o país em que elas
prestimosamente colaboraram, gradualmente se aproveitando do miserabilismo que
Alberto Gonçalves tão bem acentua, de redução planturosa e progressiva da
pequenez espiritual acompanhando a pequenez física, e se erguem agora para se
impor, mulherzinhas tão ambiciosas como os que elas condenam, cariátides
sustentando o templo, apoiadas por um povo que as reverencia e nelas crê e
provavelmente as vai escolher para governarem este «templo» absurdo, de governantes
presentes que se divertem macaqueando gestos de pretensa afectividade ou de
pretensa competência governativa, e uma população e respectivos exemplares literários
ou auditivos de divulgação, a extasiar-se alvarmente, como já dantes faziam e
agora ainda mais, que mete governantes em
torno da farsa futebolística para esconder a tragédia que nos está sobranceira.
O artigo de Alberto Gonçalves, de horário diurno
explicitando facetas da nossa parolice, fez-me ir escutar as “Doce” – “Uma
da manhã ei!” – de horário de diversão nocturna, bastante original e
graciosa e bem menos depressiva. E acabei em António Variações -“Quando a
cabeça não tem juízo” – a pensar que, apesar de tão míseros, nos surgiram,
por várias vezes, génios como esse, fogos fátuos a riscarem o céu da nossa
pequenez. E escutei outras canções originais,
sobre glórias antigas que julgara mortas, como “Já fui um conquistador” –
que na altura nos ajudou a elevar o moral e agora reescutamos como unguento
deste sentimento de humilhação provocado
por tanta parlapatice irrisória e que inutilmente a indignação de
Alberto Gonçalves nos traz
dominicalmente ao espírito. Para que mudemos. Mas somos assim. Com “Variações” de mistura, é certo, ou
Albertos Gonçalves, génios de uma sátira desaproveitada, pontinhos a brilhar no
nosso horizonte de desesperança.
Mas dá para comparar sobre a diferença deste nosso inferior “Reino Lusitano”, com uma “nobre Espanha” que soube recuar, quando se apercebeu da parlapatice desses “Podemos” e companhia, os quais não se importariam de desfazer a velha unidade nacional. São bem gente de outra raça, de facto, esses da “nobre Espanha”. Pelo contrário, os do nosso “Podemos” feminino aí está, firme e saliente, desmascarando, finalmente, as suas intenções, no atrevimento vadio de ascensão ao poder, que lhes merece a burrice nacional em que tão bem se integram.
Quarta-Feira de Cinzas
Alberto Gonçalves
DN, 26/6/16
Manhã. Desde cedo - ou, para ser exacto,
desde há semanas - que quase todos os canais televisivos estão sequestrados por
analistas e repórteres desportivos. Os analistas arriscam teses alusivas à
"basculação" e ao "4-4-2". Os repórteres exibem, aqui e em
França, populares aos gritos. Pelas minhas contas, cerca de oitocentas mil
pessoas já foram chamadas a prever quem vai ganhar logo e quem vai marcar os
golos. Que eu visse, ninguém recusou responder.
Hora de almoço. O país discute
apaixonadamente o microfone que o futebolista Ronaldo arrancou das mãos de um
jornalista e depositou, com inegável mestria, no fundo de um lago.
Início da tarde. O ministro das Finanças dá
uma conferência de imprensa para "explicar" (sem explicar nada) a
"recapitalização" (o patrocínio à força) do "banco público"
(a CGD, empresa de prestação de serviços a amigalhaços). O dr. Centeno diz que
ainda é cedo para especificar verbas (cinco mil milhões) e que o investimento
(a loucura) será recuperado a curto prazo (nunca). O único facto esclarecedor é
o momento da conferência, enterrada sob o entulho futebolístico a fim de a
golpada passar despercebida. Passou.
Cinco da tarde. A selecção da bola disputa
um jogo. O país, incluindo os deputados na AR, desaparece de modo a seguir os
acontecimentos.
Sete da tarde. À frente de logótipos
publicitários, o Presidente da República surge nas televisões a comentar a
partida: "Sofremos, mas foi bom e passámos frente a uma equipa que jogou pelo
resultado, naquele que foi um dos jogos mais emocionantes e com muitos golos no
Europeu. Depois, dei um grande abraço a Fernando Santos. Está feito. Os
jogadores mostraram muita genica quando o resultado esteve 1-0, 2-1 e 3-2.
Tivemos 25 minutos excepcionais e os jogadores conseguiram dar três e voltar o
resultado." O PR não garante que possa assistir ao próximo jogo em França,
questão que deixa multidões angustiadas. Há uma espécie de consenso tácito que
obriga a respeitar a figura presidencial. Por isso, e para manter pelo menos o
respeito que a generalidade da opinião publicada dedicou ao prof. Cavaco
durante dez anos, limito-me a notar que o prof. Marcelo se presta a inúmeras
figuras, e que nenhuma é presidencial.
Entretanto,
nas "redes sociais" divulga-se uma fotografia em que o dr. Costa, o
dr. César dos Açores e dois pechisbeques que os costumam acompanhar aparecem de
mãos estendidas, desta vez não a pedir dinheiro aos contribuintes indígenas ou
alemães, mas a indicar o resultado do jogo: 3-3, três dedinhos esticados em
cada mão. E um sorriso destrambelhado nos rostos. Por muito que me esforce, sou
incapaz de comentar a estranhíssima imagem.
Hora de jantar. Após celebrar um empate e
ceder a nova investida dos milhares de repórteres literalmente à solta, o povo
recolhe a casa. Amanhã é outro dia, no qual as sumidades que nos tutelam cairão
com martelinhos na galhofa do São João do Porto. E, também cansado de sustentar
parasitas e rematados malucos, o Reino Unido votará pela saída da União
Europeia. Quando, num futuro não demasiado distante, se escrever a história do
tempo em que Portugal se afundou numa inimaginável miséria, o 22 de Junho de
2016 não gozará de qualquer referência. Justamente: embora os festejos
populares no meio de sucessivos anúncios da desgraça pareçam torná-lo assaz
exemplar, é só um dia habitual no desvario colectivo a que descemos.
Noite. A propósito, alguém suspeitava que
pudéssemos descer tanto? Alguém antecipou uma corte que se assemelha a um
circo? Alguém adivinhou que os pacientes tomariam conta do manicómio? Alguém
podia prever os últimos seis meses, em que perante uma Europa segura por pinças
e rendida ao terrorismo, uma nação pequenina e débil entregou o seu destino
material a partidos comunistas e a sua representação a artistas de variedades
que tiram selfies, acorrem a flash interviews, comunicam pelo Twitter, espalham
"afectos" e riem imenso? Alguém concebeu uma população que, a um
passo certo do abismo, alterna a apatia com o patriotismo em chuteiras?
Não
sei se nos fazem de estúpidos. Não sei se somos realmente estúpidos. Não sei se
os "estadistas" que nos tocaram em sorte são um enorme azar ou a
consequência lógica de uma sociedade irremediavelmente embrutecida. Não sei o
que fizemos para merecer isto. Não sei o que não fazemos para merecer melhor.
Sei que, se imaginássemos o pior dos cenários, não seria tão terrível como o
presente. O presente é mau demais. E do futuro, possivelmente sem os malévolos
burocratas de Bruxelas a limitarem os nossos delírios, perdão, a nossa
"soberania", nem é bom falar
Se
acreditasse em teorias da conspiração, acreditaria sermos cobaias numa
experiência de engenharia social, com cientistas de bata branca a avaliar quais
os níveis de primitivismo, incompetência, irresponsabilidade, alucinação,
arrogância e zombaria que um país suporta? O pior é que, por esse Terceiro
Mundo fora, a experiência já se realizou repetidamente. E, para infortúnio das
cobaias, a conclusão foi sempre a mesma. Mas insisto: não acredito numa teoria
assim. A prática é inacreditável quanto baste.
Nenhum comentário:
Postar um comentário