Um artigo de Pedro Sousa
Carvalho que historia, de forma simples e rigorosa, o definhamento progressivo
em que a economia portuguesa está mergulhada, segundo os vários indicadores
informam, contrariando as ficções em que andamos envolvidos pelos
representantes pátrios, que, quais meninos brincalhões, mostram as armas não da
sua fantasia, que lhes não é, naturalmente aceite, passada a idade de a sustentar,
mas antes armas da sua grosseria e do seu desprezo por uma nação que
naturalmente só pode pôr em causa o seu patriotismo e a sua eficiência, tanta a
insolência e o mau gosto com que as aplicam. O assunto é grave demais para
merecer essa chuchadeira de um brinquedo tosco a simbolizar as infinitas
capacidades que um qualquer milagre poderia, mais delicadamente, demonstrar, por
igual atoarda que fosse. De toda a maneira, a demonstração de António Costa não
convence ninguém, mesmo que nos abismemos com a sua superioridade no
conhecimento e manejamento de vacas.
O animal spirits e a vaca
voadora
Público, 02/06/2016
Quando chegou, António Costa prometeu um tempo novo. “Um
tempo novo que traga crescimento e prosperidade, um tempo novo para as famílias
e um tempo novo também para as empresas.” Esta semana começaram a chegar as
primeiras estatísticas do INE sobre o “tempo novo” e não é que esse “tempo
novo” é muito parecido com o tempo antigo?
As estatísticas do INE mostram a economia a
desacelerar nos primeiros três meses do ano, com o PIB a crescer 0,9%, o que
constitui um abrandamento face aos 1,3% registados no quarto trimestre de 2015.
O que explica esta travagem? Portugal está a perder investimento a um ritmo
expressivo. Este indicador, que no quarto trimestre de 2015 tinha registado uma
variação homóloga de 4,4%, apresentou agora uma queda de 0,6%. Nos últimos 30
meses, o investimento aumentou sempre.
Sem investimento não há economia que aguente. Carlos
Costa, governador do Banco de Portugal, costuma comparar a economia a um avião
com quatro motores: as exportações, o consumo público, o investimento e o
consumo privado. As exportações, ainda segundo o INE, abrandaram no arranque do
ano para 2,8%, quando há um ano as vendas para o exterior cresciam 7,1%. O
consumo público há muito estagnou e o investimento está a desaparecer. O
consumo privado, graças à reposição de rendimentos, é o único que vai
aguentando o avião no ar. É fácil perceber que com tantos problemas nos motores
este avião não há-de suster-se muito tempo no ar.
Claro que há muitos que não percebem esta analogia dos
aviões. Por isso falemos de vacas voadoras. Uma vaca voadora tem duas asas para
se suster no ar. De um lado a procura externa (exportações – importações) e do
outro lado a procura interna (consumo + investimento). Como as exportações estão
a crescer pouco (2,8%) e menos do que as importações (4,6%), a asa direita da
vaca voadora começa a tremelicar. E como a quebra do investimento, com o tempo,
vai provocando uma erosão no consumo, a asa do lado esquerdo já começa a
tremer. E quem acredita que existem vacas voadoras também tem de acreditar que
há vacas que caem do céu.
Uma economia que dependa excessivamente ou quase
exclusivamente da dinâmica do consumo privado está condenada a definhar com o
passar do tempo. O consumo
privado só estimula a economia no curto prazo e, quando não é acompanhado de
investimento (que gera emprego e rendimento), rapidamente descamba em mais
endividamento, no aumento das importações (que vai desequilibrar mais a balança
comercial) e numa reduzida taxa de poupança que retira capacidade às famílias
para ajudar a financiar as empresas (o que vai aumentar o défice externo). A
taxa de poupança em Portugal ronda hoje os 4%, contra uma média de 12,4% na
zona euro.
Com estes números, a previsão do Governo para um
crescimento da economia de 1,8% já começa a parecer desajustada. É o próprio
Mário Centeno que esta semana veio dizer que a concretização desse valor “está
dependente da retoma do investimento". Já se percebeu que será uma questão
de semanas até termos um orçamento rectificativo.
O Banco de Portugal também está a antecipar uma
travagem a fundo do investimento este ano, cuja previsão passou de 4,1% para
0,7%. A OCDE é ainda mais
pessimista, já que em Novembro previa que o investimento em Portugal crescesse
3% em 2016 e esta semana veio dizer que antecipa uma quebra de 1,5%. Os números
do Governo apontam para um crescimento de 4,9%.
E por que razão é que os investidores deixaram de
querer investir em Portugal? Quer os neoclássicos, quer a teoria keynesiana
fazem depender o nível de investimento do produto marginal do capital e da taxa
de juro. John Maynard Keynes, no seu livro Teoria Geral do Emprego, do Juro
e da Moeda, acrescenta um outro factor que influencia e de que maneira as
decisões de investir dos empresários – o chamado "animal spirits”, ou
seja, um impulso psicológico que está para além da análise quantitativa dos
juros e da rentabilidade do capital que faz com que um empresário decida não
investir num determinado momento. Essa decisão faz travar o emprego e a
procura, conduzindo a um ciclo de recessão. Ao contrário dos neoclássicos que
acreditavam na auto-regulação dos mercados, os keynesianos defendem a
intervenção do Estado na economia, através do aumento dos gastos públicos, para
inverter o ciclo.
Este "animal spirits” ("estados de
ânimo") não tem nada que ver com vacas voadoras. É Keynes a introduzir na equação do investimento uma
componente emocional ou de impulso que pode determinar ciclos económicos e
gerar incertezas na evolução da economia. Por isso é que o economista e
ex-governador do Banco de Portugal Jacinto Nunes descrevia a economia de Keynes
como "a economia da incerteza".
É a incerteza que afasta o investimento. Ainda esta
semana a OCDE veio dizer que “o investimento caiu de forma brusca e continua a
ser um entrave para o crescimento, devido ao elevado endividamento das
empresas, aos balanços frágeis dos bancos, à incerteza nas políticas e ao menor
ímpeto na execução de reformas”.
Em relação aos dois primeiros pontos, os problemas não são de agora e são de
difícil resolução – apesar de os bancos continuarem a dizer que têm dinheiro
para emprestar aos bons projectos.
Já quanto à incerteza nas políticas e ao menor ímpeto
nas reformas depende de o Governo desfazer essa imagem que tanto assusta os empresários
e prejudica a economia. A OCDE não deixa de criticar, por exemplo, a suspensão
da descida do IRC que “poderia dar um empurrão ao investimento e ao
crescimento”, uma suspensão à revelia de um acordo alargado feito no passado
recente entre PS, PSD e CDS. António Costa veio esta semana, perante uma
plateia de empresários, pedir-lhes o seu envolvimento para a construção de
"uma imagem e uma percepção de um país moderno, de um país de confiança.
Só com confiança se conseguirá atrair mais investimento”. Mas a confiança não
se decreta. Constrói-se.
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