Todos os anos, por esta altura, é certo e sabido que
temos de ouvir as mais variadas formas de protesto e indignação da nossa amiga
contra o algodão que voa nos ares, o algodão proveniente dos plátanos ou dos
choupos plantados na sua rua e em muitos
outros espaços próximos, que também afectavam a nossa casa quando lá vivíamos,
e que provocavam os comentários relativos à penetração dos algodões pela casa,
que nós, que não tínhamos alergias, admirávamos e juntávamos, até ficarmos de
saco cheio. Parece que os plátanos são árvores que crescem depressa e dão boas
sombras, não requerendo muita água, e é por isso que as câmaras os mandam
plantar, sem terem em conta as alergias de alguma população.
A nossa amiga, que é alérgica, mostrou-nos mesmo uma carta de protesto, que
enviou ao presidente da Câmara de Cascais, na sua letra firme:
«Ex.mo
Senhor Presidente da Câmara de Cascais
Peço
a V. Exª que venha à Rua Egas Moniz em
S. João do Estoril (ao pé do Pingo Doce) e também no outro Pingo Doce e veja o
algodão que andamos a engolir.
Será
preciso chamar a TV ou fazer uma manifestação de máscara na cara para se mandar
cortar as odiadas árvores?
E
as crianças, Senhor? Há duas Escolas Primárias exactamente ao pé dessas
árvores.»
Quando, em tempos, ia ao Norte, pela estrada velha,
passávamos por zonas de cheiros tão vincados provenientes de fábricas ou de
pocilgas, que me espantava como pudessem viver ali as pessoas das povoações
próximas e os governos não verem isso. Não sei se ainda acontece, mas sentia o
horror que as gentes deviam sentir. De vez em quando ainda, se fala em
descargas poluentes e tudo isso é criminoso.
Quanto a estas árvores algodoeiras, não se compreende
como insistem em plantá-las se afectam a saúde das pessoas. Eu costumo pensar
em almas ou espíritos que voam, quando vejo os tufos brancos pelos ares fora, e
também que será coisa passageira, que uma chuvada forte poderá amortizar, ou
até eliminar, mas compreendo que quem tenha alergias e febre dos fenos ou doenças
parecidas se sinta indignado com a teimosia das câmaras em as plantarem. Mas as
árvores são seres vivos, custa pensar em “abate”, como já Júlio Dinis referira no
corte do velho castanheiro do tio Vicente, para a construção da estrada que
melhoraria a aldeia da Morgadinha dos Canaviais, e como vamos fazendo, no delírio
da construção, que não poupa, mesmo, as florestas, a começar pela da Amazónia.
A plantação de árvores faz-se para repor
o equilíbrio e oxigenar os ares, nas cidades, e perfumadas e floridas são tantas
terras do norte. As pessoas não se
amofinam com as folhas caducas do outono, porque as câmaras mandam varrê-las,
mas na primavera, não há quem apanhe os algodões do ar, só depois de estes
poisarem no chão se podem varrer e as pessoas não conseguem esperar, cada olhar diferente dos demais. Como
diria o António Gedeão, na sua «Impressão Digital», “ Os meus olhos são uns
olhos, / e é com esses olhos uns / que eu vejo no mundo escolhos, / onde outros, com outros olhos, / não vêem
escolhos nenhuns”.
Realmente, as árvores são seres vivos e amigos, “Corações, almas que choram, / Almas iguais à minha, almas
que imploram / Em vão remédio para tanta mágoa!”, diria a Florbela.
Sem ser poeta, penso também nas plantas como seres vivos, “almas que
imploram”, no caso presente, apenas uns dias mais de paciência, pois são
bonitas e dão sombra, não exigindo muita água. Quanto à insistência das câmaras
em as plantarem, acho condenável esse desprezo pelo bem-estar ou a saúde das gentes.
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