Ou preconceito na
sensibilidade, é o que se me impõe referir acerca do seguinte artigo de Alberto
Gonçalves -
“Os
filhos da boa gente” - para
justificar todos os conceitos – pré ou pós - de forma compreensiva e tolerante, que para o atrabiliário
articulista são sintoma de primitivismo (igualmente expresso no nosso desancar
futeboleiro agora também televisivo), só
porque um certo escreveu e outro comentou sobre uma qual região portuguesa,
como em todos os tempos se fez, não só através do didáctico “ridendo
castigat mores”, como da descarga da sabedoria popular, por vezes eivada de
termos escatológicos da nossa cultura autodidáctica, e ultimamente até mesmo de
armas mortíferas nas disputas ditas familiares ou outras da nossa frequência criminológica
progressivamente exacerbada.
O povo, afinal, não “é
sereno”, contrariamente à expressão já quadragenária de um dos timoneiros
da nossa nau de solas como alimento, (de resto intragável), expressão que se me colou à memória como denunciante
– apelativa – de uma não verdade, previamente desmascarada pela cantiguinha
também da mesma época – “o povo é quem mais ordena”.
Mas tudo isso, afinal, são
sintomas de raça que, se nos reduzem ao cordeirismo humilde já antigo, não só da
aceitação milagreira, como da de leis desfeiteadoras de direitos, nas
manipulações dirigistas, igualmente são sintomáticas de arrojos e valentias passados,
de admiráveis consequências na dimensão dos mundos, como se viu.
Mas o sociólogo Alberto
Gonçalves é que não vai nestas cantigas, exacerbado ele com esses trejeitos das
nossas maroscas de embrutecimento, e apontando a dedo tantos desses trapaceiros
da boa formação moral no seu terçar armas por conta dos aparentes igualitarismos
sociais.
Os filhos da boa gente
Alberto Gonçalves
DN, 5/6/16
O
livro de um colunista sobre o Alentejo. As atoardas de um cançonetista sobre
Trás-os-Montes. Em poucos meses, estas duas trivialidades tão
distintas despertaram a fúria de inúmeros naturais de ambas as províncias,
incluindo ameaças aos respectivos autores e afirmações de orgulho regional.
Tanto o "povo alentejano" (?) como o "povo transmontano"
(?) fizeram questão de dizer a Henrique Raposo e a José Cid que não engoliriam
palpites alheios, por muito que os do primeiro merecessem um debate adulto e os
do segundo nem merecessem comentários.
Não
se trata de uma especificidade territorial: caso os alvos fossem minhotos ou
algarvios, ribatejanos ou beirões, tenho a certeza de que a reacção seria
semelhante. É o velho chavão do "Quem não se sente não é filho de boa
gente", que por cá atravessa geografias. Em Portugal, quase todos os
progenitores devem ser gente maravilhosa e impecável, já que quase todos os
filhos passam a vida a sentir-se, além de que sentem com impressionante
intensidade. Desde que, falta acrescentar, se sintam contra um alvo isolado ou
fácil.
Não
é por nada, mas os valentes portugueses que despejam indignações em cima do
Henrique ou do sr. Cid parecem-me, assim por alto, os mesmos que toleram,
quando não aplaudem, tudo o que de facto importa. São os mesmos portugueses
que acham normal, ou desejável, o PS costurar uma tramóia
"constitucional" para tomar o poder e subordiná-lo a estalinistas ou
aparentados. São os mesmos portugueses que acham razoável, ou, a acreditar
nas sondagens, espectacular, que o governo recupere o prodigioso legado
económico de José Sócrates, agora sob orientação sindical e com adornos
"fracturantes". São os mesmos portugueses que acham adequado, ou
louvável, que um balão sorridente disfarçado de primeiro-ministro brinque com
as organizações internacionais que, em última e penúltima instâncias, nos têm
aguentado uns furos acima da Roménia. São os mesmos portugueses que acham
correcto, ou excelente, o uso das escolas públicas para perpetuar as
desigualdades e alimentar a obediência do bom povo. São os mesmos
portugueses que acham normal, ou oportuno, que um rapazito que vê na
iniciativa privada um sintoma do Terceiro Mundo esteja no Parlamento e não no
hospício. São os mesmos portugueses que acham razoáveis, ou
"giras", propostas legislativas que deixam as crianças mudar de sexo
e os idosos serem abandonados. São os mesmos portugueses que acham
compreensível, ou fabuloso, que uma deputada denuncie os inimigos da
"laicidade" e a discriminação dos gays enquanto exalta a mesquita que
os contribuintes pagarão em Lisboa. São os mesmos portugueses que acham
pertinente, ou radiosa, a nova mesquita de Lisboa.
Os
insubmissos portugueses submetem-se, mudos ou felizes, a um presidente que
confunde a função com um circo de irresponsabilidades. A polícias que
lhes explicam o sistema de multas criado para os pilhar. A "estadistas"
que os "aconselham" a andar de autocarro, ou a pé, ou de jumento. A
sindicalistas que escarnecem diariamente do seu trabalho. A tiranetes
colocados em cada esquina ou ministério. E, nas próximas semanas, ao fervor
patriótico da selecção da bola, para gritar "Portugal! Portugal" e
ignorar que o país verdadeiro se afunda sem remédio.
Filhos
de boa gente e de quem calha, os portugueses sentem-se. O problema é que, com
as prioridades do avesso, sentem-se mal. E não tarda vão sentir-se pior.
Quinta-feira, 2 de Junho
Dilema do dia
Acho
as touradas um espectáculo idiota, quase tão idiota quanto alguns dos sujeitos
que se opõem às touradas.
Sexta-feira, 3 de Junho
Assinar de cruz
Eis
algumas das "personalidades" que assinaram a petição "Em
defesa da escola pública", lançada pela simpática Fenprof: Pedro
Abrunhosa, Fausto (o das cantiguinhas, não o de Goethe), Baptista Hífen
Bastos, Manuel Alegre, Helena Roseta, um escritor chamado Valter Hugo Mãe e,
naturalmente, o baterista dos Xutos & Pontapés.
Das
duas, uma. Se as referidas "personalidades" frequentaram escolas
privadas, ou nelas inscreveram a descendência, trata-se da maior
concentração de hipócritas ou alucinados desde que, na apresentação do
Trabant, os engenheiros da VEB Sachsenring anunciaram ao mundo: "Ora aqui
está um grande carro."
Se,
por outro lado, os vultos em causa frequentaram a escola pública, convinha
apurar a dimensão dos estragos que esta anda a causar ao país. Uma coisa é
darmos por adquirido que a nossa instrução média é incapaz de preparar as
crianças para o mundo real: na pior das hipóteses, arranja-se sempre o emprego
sazonal no Algarve, a casa dos pais ou um subsídio de "inserção". Coisa
muito mais grave é verificar que o ensino estatal é responsável por espécimes
como o sr. Abrunhosa ou a arquitecta Roseta, para os quais nem Aristóteles
conseguiria descobrir utilidade. A propósito, onde é que "estudou" o
sr. Mário Nogueira e porque é que ainda ninguém fechou aquilo?
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