segunda-feira, 6 de junho de 2016

Sensibilidade no Preconceito



Ou preconceito na sensibilidade, é o que se me impõe referir acerca do seguinte artigo de Alberto Gonçalves -Os filhos da boa gente” - para justificar todos os conceitos – pré ou pós -  de forma compreensiva e tolerante, que para o atrabiliário articulista são sintoma de primitivismo (igualmente expresso no nosso desancar futeboleiro agora também televisivo),  só porque um certo escreveu e outro comentou sobre uma qual região portuguesa, como em todos os tempos se fez, não só através do didáctico “ridendo castigat mores”, como da descarga da sabedoria popular, por vezes eivada de termos escatológicos da nossa cultura autodidáctica, e ultimamente até mesmo de armas mortíferas nas disputas ditas familiares ou outras da nossa frequência criminológica progressivamente exacerbada.
O povo, afinal, não “é sereno”, contrariamente à expressão já quadragenária de um dos timoneiros da nossa nau de solas como alimento, (de resto intragável),  expressão que se me colou à memória como denunciante – apelativa – de uma não verdade, previamente desmascarada pela cantiguinha também da mesma época – “o povo é quem mais ordena”.
Mas tudo isso, afinal, são sintomas de raça que, se nos reduzem ao cordeirismo humilde já antigo,  não  só da aceitação milagreira, como da de leis desfeiteadoras de direitos, nas manipulações dirigistas, igualmente são sintomáticas de arrojos e valentias passados, de admiráveis consequências na dimensão dos mundos, como se viu.
Mas o sociólogo Alberto Gonçalves é que não vai nestas cantigas, exacerbado ele com esses trejeitos das nossas maroscas de embrutecimento, e apontando a dedo tantos desses trapaceiros da boa formação moral no seu terçar armas por conta dos aparentes igualitarismos sociais.

Os filhos da boa gente
Alberto Gonçalves
DN, 5/6/16
O livro de um colunista sobre o Alentejo. As atoardas de um cançonetista sobre Trás-os-Montes. Em poucos meses, estas duas trivialidades tão distintas despertaram a fúria de inúmeros naturais de ambas as províncias, incluindo ameaças aos respectivos autores e afirmações de orgulho regional. Tanto o "povo alentejano" (?) como o "povo transmontano" (?) fizeram questão de dizer a Henrique Raposo e a José Cid que não engoliriam palpites alheios, por muito que os do primeiro merecessem um debate adulto e os do segundo nem merecessem comentários.
Não se trata de uma especificidade territorial: caso os alvos fossem minhotos ou algarvios, ribatejanos ou beirões, tenho a certeza de que a reacção seria semelhante. É o velho chavão do "Quem não se sente não é filho de boa gente", que por cá atravessa geografias. Em Portugal, quase todos os progenitores devem ser gente maravilhosa e impecável, já que quase todos os filhos passam a vida a sentir-se, além de que sentem com impressionante intensidade. Desde que, falta acrescentar, se sintam contra um alvo isolado ou fácil.
Não é por nada, mas os valentes portugueses que despejam indignações em cima do Henrique ou do sr. Cid parecem-me, assim por alto, os mesmos que toleram, quando não aplaudem, tudo o que de facto importa. São os mesmos portugueses que acham normal, ou desejável, o PS costurar uma tramóia "constitucional" para tomar o poder e subordiná-lo a estalinistas ou aparentados. São os mesmos portugueses que acham razoável, ou, a acreditar nas sondagens, espectacular, que o governo recupere o prodigioso legado económico de José Sócrates, agora sob orientação sindical e com adornos "fracturantes". São os mesmos portugueses que acham adequado, ou louvável, que um balão sorridente disfarçado de primeiro-ministro brinque com as organizações internacionais que, em última e penúltima instâncias, nos têm aguentado uns furos acima da Roménia. São os mesmos portugueses que acham correcto, ou excelente, o uso das escolas públicas para perpetuar as desigualdades e alimentar a obediência do bom povo. São os mesmos portugueses que acham normal, ou oportuno, que um rapazito que vê na iniciativa privada um sintoma do Terceiro Mundo esteja no Parlamento e não no hospício. São os mesmos portugueses que acham razoáveis, ou "giras", propostas legislativas que deixam as crianças mudar de sexo e os idosos serem abandonados. São os mesmos portugueses que acham compreensível, ou fabuloso, que uma deputada denuncie os inimigos da "laicidade" e a discriminação dos gays enquanto exalta a mesquita que os contribuintes pagarão em Lisboa. São os mesmos portugueses que acham pertinente, ou radiosa, a nova mesquita de Lisboa.
Os insubmissos portugueses submetem-se, mudos ou felizes, a um presidente que confunde a função com um circo de irresponsabilidades. A polícias que lhes explicam o sistema de multas criado para os pilhar. A "estadistas" que os "aconselham" a andar de autocarro, ou a pé, ou de jumento. A sindicalistas que escarnecem diariamente do seu trabalho. A tiranetes colocados em cada esquina ou ministério. E, nas próximas semanas, ao fervor patriótico da selecção da bola, para gritar "Portugal! Portugal" e ignorar que o país verdadeiro se afunda sem remédio.
Filhos de boa gente e de quem calha, os portugueses sentem-se. O problema é que, com as prioridades do avesso, sentem-se mal. E não tarda vão sentir-se pior.

Quinta-feira, 2 de Junho
Dilema do dia
Acho as touradas um espectáculo idiota, quase tão idiota quanto alguns dos sujeitos que se opõem às touradas.

Sexta-feira, 3 de Junho
Assinar de cruz
Eis algumas das "personalidades" que assinaram a petição "Em defesa da escola pública", lançada pela simpática Fenprof: Pedro Abrunhosa, Fausto (o das cantiguinhas, não o de Goethe), Baptista Hífen Bastos, Manuel Alegre, Helena Roseta, um escritor chamado Valter Hugo Mãe e, naturalmente, o baterista dos Xutos & Pontapés.
Das duas, uma. Se as referidas "personalidades" frequentaram escolas privadas, ou nelas inscreveram a descendência, trata-se da maior concentração de hipócritas ou alucinados desde que, na apresentação do Trabant, os engenheiros da VEB Sachsenring anunciaram ao mundo: "Ora aqui está um grande carro."
Se, por outro lado, os vultos em causa frequentaram a escola pública, convinha apurar a dimensão dos estragos que esta anda a causar ao país. Uma coisa é darmos por adquirido que a nossa instrução média é incapaz de preparar as crianças para o mundo real: na pior das hipóteses, arranja-se sempre o emprego sazonal no Algarve, a casa dos pais ou um subsídio de "inserção". Coisa muito mais grave é verificar que o ensino estatal é responsável por espécimes como o sr. Abrunhosa ou a arquitecta Roseta, para os quais nem Aristóteles conseguiria descobrir utilidade. A propósito, onde é que "estudou" o sr. Mário Nogueira e porque é que ainda ninguém fechou aquilo?

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