Era Zadig um caldeu rico e educado segundo os preceitos
de Zoroastro, com filosofias de vida de modéstia e não saliência pessoal, homem
de coragem, todavia, inteligência e sentimento, que julgava merecer o amor das
mulheres que juravam amá-lo mas facilmente o trocavam por outro, ou a
consideração pelo seu saber e bom-senso, mas que a inveja seguida de intriga,
que já então havia no reino de Babilónia, tornavam perseguido e frequentemente
maltratado, na sua viagem de fuga e busca, sempre procurando um destino mais
compatível com o seu mérito. Uma
história saborosa, com que Voltaire vai satirizando a sociedade francesa invejosa
do seu talento, história onde não faltam picardias e arremedos detectivescos à Sherlock Holmes.
Uma figura simpática, para o propósito da sátira social
voltairiana, bem diferente da pessoa de Donald Trump, atrevido, indiscreto,
arrogante e provavelmente invejoso dos que estudaram, mas homem de sucesso
financeiro, fazendo do dinheiro a sua filosofia de vida que, ao que se vai
vendo, o superioriza a todos, a ponto de desejar dirigi-los, numa América que,
parolamente, parece atraída pelo néctar da sua riqueza salvadora, num sonho,
muito em moda, da desresponsabilização e do milagre que o “seu discurso” parece
prometer, embora ficcional, pertencente a um prémio Nobel de Literatura.
É o que se subentende nos êxitos que tem obtido junto
dum partido republicano que defende as
suas demagogias como salvador da pátria, o que repugna aos democratas mais
ponderados, entre os quais Pedro Mexia, que utiliza, como estratagema pictural, excertos do livro «It
Can´t Happen Here», do escritor norte-americano Sinclair Lewis,
para retratar Donald Trump, título da sua crónica, saída na E, de 7/5/16.
Retrato cómico,
de advertência, naturalmente. Mas o que a se quer é mama, hoje em dia. E há
sempre crentes das demagogias, mesmo que expressas à Tino de Rans. Mas essas
apresentam, realmente, marcas de sucesso e promessas de auxílio que exigem muita ponderação.
«Caros concidadãos, como Presidente dos Estados Unidos
da América quero dizer-vos que o verdadeiro New Deal começou agora, que vamos
usufruir de todas as liberdades a que a História nos dá direito, e que nos
vamos divertir à grande. Obrigado a todos. Quando me afastei, contra minha
vontade, do meu trabalho e da minha família, tentei tornar o meu discurso tão
simples e directo como o de Jesus a falar com os doutores no Templo. Talvez
tenha os meus defeitos, mas estou do lado das pessoas comuns e contra as velhas
e caducas máquinas políticas. Prefiro seguir o Homem Comum do que um
qualquer político de vinte e quatro quilates, com um canudo e um currículo, mas
que só se interessa em ter mais limusinas. O Presidente é um servidor de
cada cidadão deste país, não apenas das pessoas “apresentáveis” mas de todos os
“inconvenientes” que o inundam com telegramas, telefonemas e cartas. A maioria
dos agricultores com hipotecas por pagar. A maioria dos operários que estão desempregados
há três, quatro, cinco anos. A maioria das pessoas que dependem da sopa dos
pobres. A maioria da pessoas que vivem no subúrbios e que não conseguem pagar a
máquina de lavar.
Geralmente
sou uma pessoa encantadora, e os meus amigos até acham os meus discursos um
bocado patuscos. Mas espero que nenhum dos cavalheiros que me distinguiu com a
sua inimizade imagine um só minuto que eu, quando encontro um mal
verdadeiramente terrível ou um detractor verdadeiramente insistente, não
esperneio como um garanhão e não urro como um urso. Conheço bem a imprensa. Quase
todos os editores são homens que não pensam na família ou no interesse público
ou nos prazeres simples, e que procuram impor as suas mentiras, defender a sua
coutada e encher os bolsos caluniando
estadistas que deram tudo pelo bem comum. É o mais desprezível, mais baixo e
mais cobarde gangue de pomposos, compinchas, hipócritas, trapaceiros,
falsificadores, corruptos. Uma escumalha de mentirosos e aldrabões.
Políticos e jornalistas fizeram pouco de vocês. Trataram-vos
como sendo “das classes baixas”. Não vos deram emprego. Disseram-vos para
desampararem a loja como se fossem vagabundos. Disseram que não valiam nada
porque eram pobres. É por causa deles que quero ser como Danton e
Robespierre, que em França ajudaram a tirar o poder aos aristocratas
bolorentos; como Lenine e Trotski, que deram aos camponeses russos iletrados o
privilégio de picar o ponto numa fábrica; e como William Randolph Hearst, que
foi o Lenine de Cuba. E digo-vos que a partir de agora vocês são os senhores da
terra, e que vão fazer uma nova América de liberdade e de justiça.
É convosco que quero tornar a América de novo
orgulhosa e rica. Não descansarei enquanto este país não puder produzir tudo
aquilo de que precisamos, até o café, o cacau, a borracha, de modo a que os
nossos dólares fiquem em casa. Se conseguirmos fazer isso e se ao mesmo tempo
atrairmos turistas, para que gente de
todas as partes do mundo venha ver maravilhas inacreditáveis como o Grand Canyon
e Yellowstone, etc., parques, os bons hotéis de Chicago, etc., então o dinheiro
não sai da América. Estamos preparados para uma guerra. E um dia destes vamos
dar cabo do México. Cantem comigo: “Señorita from Guadalupe / Qui usted? /
Señorita go roll your hoop, / Or come to bed! / Khaki pan, / You won’t forget!
/ For days you’ll holler, “Oh what a man!” /And you’ll never marry a Mexican”.
Obrigado a todos.»
(Colagem de excertos de um romance que o Nobel de
Literatura Sinclair Lewis publicou em 1935 e a que chamou “It Can’t Happen
Here”, isto não pode acontecer aqui).
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