sábado, 25 de junho de 2016

“Satyricon” é preciso



Mais uma mini análise polivalente, de Clara Ferreira Alves, ao sabor da sua pluma, que divaga pelos vários cantos do mundo, trepidante no seu colorido informativo, conceituoso e cáustico. É sobre pederastia, como acto condenável - segundo os que se definem por princípios religiosos, ou de um puritanismo enraizado por um conservadorismo assente em raízes morais, (tantas vezes postos em causa pelos defensores democráticos da “verdade sem sofisma”, os quais preferem assacar àqueles razões de hipocrisia, para justificar os seus argumentos de libertinagem anti convencional – mas este é apenas um considerando meu, que não receio as críticas das mentes progressistas, para quem termos como “libertinagem” são pedantice parola, se é que os dois termos são conciliáveis). E todavia, considero bem condenáveis esses que se aferram aos seus princípios antiquados para justificarem acções terroristas de puro ódio criminoso, facilitado por leis democráticas americanas, que lhes facultam as armas e que lhes justificam os actos de malvadez como perturbações do foro psiquiátrico.
Mas é sobretudo contra os defensores da religião islâmica que se aferra a pluma de Clara Ferreira Alves – de passagem mais comedida pelas normas que Cristo implantou, denunciando a hipocrisia de um fundamentalismo islâmico condenatório de práticas homossexuais, quando tão bem explora essas práticas em cenas orgíacas de pederastia e pedofilia, esta ainda mais repugnante e criminosa, assente em usos que permitem a venda de crianças para esses efeitos de indignidade exploradora da miséria.
Ao menos, Petrónio escreveu sobre estas aventuras de pederastia, alegremente, sem  propósito de condenação. Será que o mundo se tornou mais intolerante? Que estamos gastos de fartura explosiva? Que quanto mais moralistas mais perversos nos tornamos? Quanto mais falamos de direitos, mais tortuosos e injustos somos?
Digamos, pois, insubmissos e rebeldes a todas as convenções e princípios, e saciados de mentira, tal como Álvaro de Campos o disse, premonitoriamente, na sua Ode Triunfal”:

A gentalha que anda pelos andaimes e que vai para casa
Por vielas quase irreais de estreiteza e podridão.
Maravilhosa gente humana que vive como cães,
Que está abaixo de todos os sistemas morais,
Para quem nenhuma religião foi feita
Nenhuma política destinada para eles!
Como eu vos amo a todos, porque sois assim.
Nem imorais de tão baixos que sois, nem bons nem maus.
Inatingíveis por todos os progressos,
Fauna maravilhosa do fundo do mar da vida!
….
Eh-lá grandes desastres de comboios!
Eh-lá desabamentos de galerias de minas!
Eh-lá naufrágios deliciosos dos grandes transatlânticos!
Eh-lá-hô revoluções aqui, ali, acolá,
Alterações de constituições, guerras, tratados, invasões,
Ruído, injustiças, violências, e talvez para breve o fim,
A grande invasão dos bárbaros amarelos pela Europa,
E outro Sol no novo Horizonte!

Assumamos a nossa condição de incapacitação mais ou menos visível. Porque, afinal, tanto faz  duma forma ou doutra. Como no rio da imagem…  ou na imagem do rio… Passamos.

A religião e os gays
E, 18.6.2016
Foi um ataque terrorista. Foi um ataque contra os homossexuais. Foi um ataque facilitado pelas leis laxistas que regulam a compra de armas de guerra. Foi todas estas coisas e nenhuma em particular. E foi um crime perpetrado, segundo os psiquiatras e psicólogos e peritos, por uma pessoa perturbada. E o terrorista e assassino era um descendente de afegãos e um muçulmano praticante que frequentava a mesquita. Camuflar ou censurar cada uma destas características, que deram uma mistura explosiva, é sobrepor à tentativa da explicação da irracionalidade deste crime para o cidadão comum uma agenda política, multicultural ou sectorial. Tivemos a mania de dividir a Humanidade em grupos e de a defender ou acusar defendendo ou acusando todas as pessoas desse grupo, incluindo as que não partilham as características, em função da inclusão forçada. Devia ser evidente no princípio do século XXI, quando os direitos civis e os direitos humanos fizeram a caminhada que fizeram, que uma religião ou uma comunidade religiosa na sua totalidade não pode ser  condenada por um crime que um dos seus membros cometeu. Do mesmo modo que os extremistas e supremacistas brancos que obedecem a preceitos cristãos divisivos não responsabilizam a história do cristianismo, os muçulmanos do mundo não são os responsáveis pelo extermínio compulsivo praticado pelos extremistas islâmicos. O que não podemos é esquecer que o Islão, na sua formulação actual dominante, xiita ou sunita, tem tolerância zero com a homossexualidade e não reconhece os direitos dos homossexuais. Tal como não é feminista. Não podemos esquecer que, dos 73 países do mundo onde a homossexualidade é penalizada e punida como crime, larga percentagem são países islâmicos ou na esfera de influência do Islão. Nas Nações Unidas, nas reuniões internacionais sobre a sida e os portadores HIV, ou nas regiões da agenda internacional dos direitos LGBT, os países da Organização da Cooperação Islâmica, dezenas deles bloqueiam sistematicamente a participação de  organizações e pessoas representantes das comunidades LGBT. Na Arábia Saudita, ou no Egipto, as práticas homossexuais são punidas com legislação que consagra penas pesadas. A tortura prisão e assassínio de homossexuais são correntes nos países islâmicos. E o Islão considera a homossexualidade um crime. Podemos dizer que o cristianismo também não tolera a homossexualidade ou não tem (e devia ter) complacência cristã, é verdade, pelo menos até o Papa Francisco aparecer, mas o distingo é importante. O cristianismo não condiciona  a política na  polis ocidental, não é elevado a lei fundamental da regulação da vida num país. E o judaísmo também não. Apesar da proliferação de extremistas ortodoxos em Israel, o país tem uma prática de tolerância que autoriza uma cidade religiosa como Jerusalém  a ter a sua gay parade, protegida pela polícia, apesar dos protestos dos fundamentalistas.
Como escrevia Yourcenar, houve um singular momento na História em que os homens foram livres, entre a morte dos velhos deuses e os novos deuses por nascer. Em todas as práticas de comportamento e orientação sexual onde a religião se mete, a história acaba mal e gera uma hipocrisia repugnante. Umas religiões metem-se  mais do que as outras. Na “puríssima” Arábia Saudita, ou no Kuwait, as histórias de festas e orgias masculinas com ladyboys (reduzidos a escravos sexuais) importados da Ásia são conhecidas. E reconhecidas. Estão documentadas.  No Afeganistão, donde vieram os progenitores de Omar Mateen, os homossexuais são perseguidos e não reconhecidos, tanto por costume tribal como por costume religioso, mas é comum os senhores da guerra, incluindo os chefes talibãs, apropriarem-se de crianças do sexo masculino e usarem-nas como brinquedo sexual. Muitos pais vendem os rapazinhos, que são vítimas de pederastia e pedofilia. Bacha Bazi chama-se a prática. O senhor Mateen sénior não hesitou em dizer que a sorte dos homossexuais de Orlando estava nas mãos de Deus. Leia-se, a punição pelo seu comportamento desviante. É esta a atitude do Islão, quer se goste ou não, quer se queira proteger ou não uma religião dos ódios de outra religião.
Os republicanos americanos, tão preocupados com o Islão radical, menosprezaram este atentado como um crime contra os homossexuais. Nos anos 80, quando a epidemia da sida começou, muitos dos evangélicos e conservadores americanos decidiram que a doença era uma punição de Deus contra a homossexualidade. A tolice, tal como a intolerância, incluindo a intolerância ateísta e multiculturalista disfarçada de agenda humanista, está em todo no lado.
O que não devia ser possível é, como acontece todas as vezes, usar um atentado terrorista para ter razão sobre a supremacia da sua agenda política ou ideológica. Tal como, todas as vezes, vemos a repetição de gestos sentimentais que não impedem novos atentados e comprometem a decisão política que pode evitar novos atentados.

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