quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Momentos de humor, momentos de magia

Preparei-me para viver, nervosa, o nervosismo de Ferreira Leite, o medo de que se saisse mal, com as câmaras e o público assestados sobre a sua figura, que muitos repudiam, não sei se pela sua falha em mocidade e decadência em beleza, se por se não identificarem com a sua doutrina, se por lhe não reconhecerem doutrina nenhuma, como alguns afirmam, que nem a que subjaz aos seus propósitos construtivos da Pátria serve para lhes assegurar que tal doutrina existe.
Sentei-me no sofá e aguardei a figura, para mim bonita, elegante, de uma serenidade discreta, inteligente, mas menos rápida do que outros com mais poder de encaixe e viveza de prestação brincalhona, própria da conversa de salão, imprescindível para se singrar hoje em dia no mare magnum do elitismo social.
Manuela Ferreira Leite chegou, figura tímida, apresentada simpaticamente por Ricardo Araújo Pereira. Tratava-se de uma entrevista de dez minutos, no programa “Gato Fedorento esmiuça os sufrágios”.
As perguntas contiveram o costumado humor simultaneamente perverso e educado a que Ricardo Araújo nos habituou. Manuela Ferreira Leite, sempre sorridente, a todas respondeu com extraordinária argúcia, devolvendo as paradas sorridente, num programa de perfeito humor de parte a parte.
A primeira, sobre a próxima cadeira em S. Bento com Portas ao colo, mereceu o comentário agradecido de que tal pergunta tinha subjacente a ideia de que iria ganhar as eleições. Por isso se congratulava com a ideia, dando os parabéns a Ricardo pela sua eficiência como jornalista, observação que este engoliu, certamente que em seco, negando tal cargo.
À pergunta sobre o desconto no IRS, em caso de vir a ser ministra, entrou no jogo condenando risonhamente o facto de lhe estar a pedir um favorzinho, informando que, se baixasse os impostos – que não iria aumentar – seria para todos e não só para as pessoas importantes como ele, Ricardo.
Quanto ao problema da asfixia, informou existir grande diferença entre os madeirenses e os continentais: aqueles tinham há trinta anos um governo de sucessivas maiorias, nós tivemos uma por engano.
Sobre a questão de só prometer o que pudesse cumprir, mais uma vez demonstrou inteligência, ao aproveitar para mais um irónico auto-elogio, sobre a sua competência, pois que, sendo retrógrada, como lhe chamavam e mesmo assim viesse a ganhar, apesar da mudança que esse facto traduzia, é porque tal acusação era falaciosa.
À pergunta sobre a medida de colocar Manuela Moura Guedes na RTP, respondeu que teve só a intenção de ajudar o Primeiro Ministro, de tal modo o viu acabrunhado com o desaparecimento da locutora dos écrãs televisivos.
Quanto à sensualidade de Sócrates a que jamais fizera referência, não fora por esquecimento mas por sectarismo que o fizera: porque Pedro Passos Coelho ficara em 2º lugar, por ser do PSD. Mas a beleza de Sócrates achava-a de todo indispensável. O país precisa de beleza.
Teve graça no comentário sobre o possível divórcio dos pais de Ricardo, achando que este devia ter sido uma criança turbulenta, mas, para preservarem a família, era indispensável continuarem juntos e assim tomarem conta dos netos.
O remate foi brilhante. À pergunta insidiosa sobre a suspensão da democracia por seis meses, considerou que, se um profissional do humor não detectara o humor dela quando pronunciara a sua frase que tanta controvérsia provocara, o que se poderia esperar dos outros?
Creio que Ricardo Araújo mais uma vez engoliu em seco. Mas soube disfarçar.
Um conjunto de perguntas suficientemente astutas e irónicas, um conjunto de respostas brilhantes, de quem, não querendo fazer política, a cada passo salientou a sua argúcia política na demonstração dos seus valores, de respostas meditadas, sem o “savoir faire” dos frequentadores dos salões, mas demonstrativas de real capacidade de entrar nos jogos, mesmo os mais matreiros, com a sinceridade e a competência de alguém que pode levar um país a meditar sobre o que significa, realmente, ser cidadão de um país, sob uma orientação responsável.

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