sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Também temos o direito

Desta vez estivemos ambas numa consonância perfeita de grito e de parecer, a respeito do novo escândalo das escutas telefónicas a que a Presidência da República estava a ser sujeita, ao que se disse, e de que hoje se passou a dizer ter tal notícia partido da própria Presidência da República, para desfazer no governo socialista que está em vias de ser reeleito, provavelmente contra a vontade do nosso Presidente.
Ambas, pois, soltámos o nosso grito - não do Ipiranga, que esse já há muito nos libertou do vasto território brasileiro, graças ao cariz anti-patriótico do nosso primeiro rei liberal D. Pedro IV - mas do Watergate, muito mais importante para nós como analogia, pelo estatuto, pois foi ele que levou à deposição de Richard Nixon, por pecadilho semelhante ao que os nossos políticos, que tanto incriminavam Salazar por se manter indefinidamente na cadeira do poder, têm manifestado ao longo destes anos todos – aliás, de democracia transparente, segundo Louçã, no seu tom de voz untuosamente eclesiástico, difundindo bons sentimentos enquanto se prepara afanosamente para a mesma cadeira de ocupação por tempo indefinido, condenando honradamente esses baixos truques de conspiração política.
Revimos o Watergate e lamentámos o pobre do Nixon, acusado de idênticas escutas telefónicas e mesmo de assalto a Watergate, para colher informações dos Democratas da Oposição de então, cuja sede era lá e congratulámo-nos por, ínfimos como somos, termos um Watergate à disposição, para nos dar projecção.
Assim será com o nosso Presidente, mas, às avessas, será ele o assaltado, só para se vitimizar e tramar o pobre do Sócrates que já nem sabe para onde se virar com tanta acusação sobre si pendente, embora isso o lisonjeie, o que, aliás, entre nós, é caso frequente.
Bem que gostaríamos de poder ajudar na decifração do crime, com a mesma eficácia que aqueles detectives que ficaram famosos nos policiais a que em tempos me dediquei, e às vezes ainda dedico, e de cujo final antecipava a leitura na busca do criminoso, para melhor ir entendendo os pormenores do suspense apresentados pela Agatha Christie, pelo Sir Conan Doyle, pelo Georges Simenon, únicos do meu enternecimento cultural, além do Tintin, mas nenhuma de nós se pode orgulhar de igual capacidade na detecção das pistas como tinham – e continuam tendo - Poirot, miss Marple, Tuppence, Sherlock Holmes, Maigret e o próprio Tintin.
A minha amiga, todavia, tem um espírito de observação muito virado para o exterior, sendo o meu mais de dentro, mas falta-nos tempo para o despique com os mestres do crime.
E, tal como o Zaratustra falava, assim ela falou:
- Não sei se é verdade, o homem deve negar (nunca conseguirei habituar-me a esta falta de respeito tão democrática) e depois o Cavaco só deve falar nisso depois das eleições. Também não sei se é grave ou não, mas os segredos acabaram. Os sistemas modernos tramaram a malta toda. Hoje é tudo altamente devassado. Tudo isto está sujeito à devassa, o que será de nós?
- A culpa é do satélite,
informo eu, pressurosa de meter a minha colherada.
- Afinal, o que é que contêm as escutas? Espero que contem à gente. Agora, segredo de Justiça não há.
- Ai, essa não. Mesmo que houvesse crime – ainda que não compensasse – tudo ficaria no segredo da Justiça.
E aqui está a razão por que nunca chegaremos às pistas. Por causa do segredo da Justiça, sempre eficaz entre nós.

Nenhum comentário: